Quem é a empresária que reivindica terras em Jericoacoara após décadas?

Conselho Comunitário solicitou investigações sobre as áreas reivindicadas pela empresária. Entidade tem até 4 de novembro para se manifestar sobre o acordo proposto pelo Estado

Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, é a empresária que, desde julho de 2023, tenta reivindicar parte da área da Vila de Jericoacoara, destino turístico a 282 quilômetros (km) de Fortaleza. Ela foi casada com o empresário José Maria Machado, que adquiriu as Fazendas Junco I e II na década de 1980.

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Após o divórcio do casal, a Fazenda Junco I, que atualmente abrange parte da atual Vila e do Parque Nacional de Jericoacoara, teria sido transferida para a ex-esposa.

A reivindicação inicial da empresária, feita em julho de 2023, abrangia mais de 73 hectares. Em acordo com o Governo do Estado do Ceará, firmado em maio de 2024, Iracema Correia declarou renunciar as áreas ocupadas por habitações e com interesse público, enquanto o Estado garantirá a ela cerca de cinco hectares de terrenos desocupados.

A decisão, contudo, está suspensa por 20 dias desde 14 de outubro, após o Conselho Comunitário do local solicitar avaliar os termos.

Procurado pelo O POVO, o escritório Yasser Holanda Advogados Associados, que representa a empresária, explicou que Iracema Correia São Tiago foi casada com José Maria Machado até 1995. Zé Maria, como era conhecido, era um empresário natural do município de Sobral, a 233 km de Fortaleza.

“Ele é conhecido na região como proprietário da 'Firma Machado' e de algumas fazendas, dentre as quais, as fazendas Junco I e II. Ele adquiriu os imóveis na região a partir do ano de 1979, com o objetivo de cultivar cajueiros e coqueiros, tipos de plantios incentivados à época pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)”, declarou em nota.

De acordo com os advogados, na época em que as fazendas foram adquiridas, a área não tinha exploração turística. Zé Maria faleceu em 2008.

Além de empresário, ele era filho de Manoel Machado de Araújo, fundador do Bancesa, banco com sede em Fortaleza e que teve falência decretada em 2003.

Conforme os representantes, Iracema Correia não teria levado 40 anos para reivindicar as terras em Jericoacoara. Após seu divórcio, “ela teve outras prioridades” e só em 2004, com ajuda dos filhos, teria procurado passar a propriedade para seu nome.

Ao descobrir que o Estado havia tomado parte de suas terras, ela inicialmente aceitou não contestar, devido ao tempo decorrido. No entanto, após a família decidir assumir os negócios, teria sido identificado que o Estado havia ressalvado propriedades registradas, sendo essa a Fazenda Junco I.

Além da atual Vila, dentro da área da Fazenda estão partes do Parque Nacional de Jericoacoara, criado por Decreto do Governo Federal em 2002 e ampliado em 2007.

Conforme os representantes da empresária, em 2010 ela solicitou indenização ao ICMBio pela desapropriação das áreas dentro dos limites do Parque, mas, sem receber o pagamento, entrou na Justiça em 2017 para discutir o valor da compensação.

Uma perícia judicial teria reconhecido a propriedade de Iracema Correia São Tiago, levando-a a iniciar um processo de conciliação com o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Após a confirmação do seu direito, o caso foi enviado à Procuradoria Geral do Estado (PGE), onde passou por vistorias e análises para identificar áreas e impactos sociais.

Por fim, no acordo formalizado com o Estado, Iracema deve renunciar várias áreas que incluem residências, pousadas, restaurantes, ruas e outros imóveis com benfeitoria ou que sejam de interesse público, a fim de recuperar parte de sua propriedade.

Conflito com o Conselho Comunitário de Jericoacoara

O Conselho que representa os moradores da Vila de Jericoacoara declarou que as negociações entre a empresária, o Idace e a PGE aconteceram sem que a comunidade fosse informada

Eles alegam que descobriram a situação apenas no início de outubro, ao tentar obter um título para criar uma horta e uma farmácia viva em terreno que lhes foi destinado pelo Idace há 10 anos. Contudo, foram informados que a área já tinha um proprietário e não poderia mais ser cedida.

Em 11 de outubro, os advogados de Iracema São Tiago, que tem escritura reconhecida da terra, procuraram o Conselho Comunitário. Na ocasião, a família afirmou que não se opunha a ceder um outro terreno para a horta, em outro local.

“A partir da conversa, o Conselho descobriu que não se tratava apenas de um terreno, mas sim de várias áreas sensíveis em Jericoacoara, como áreas de coqueirais, o alto da Praia da Malhada e o bosque da Vila Calango. Áreas essenciais para a preservação da comunidade”, comentou a advogada da entidade, que pediu para não ser identificada.

A comunidade questiona os aumentos nas áreas de propriedade da família ao longo do tempo, especialmente na região do Parque Nacional de Jericoacoara. Eles declaram que os aumentos não são explicados nos documentos oficiais e que não há registros claros sobre a origem ou a forma pela qual essas terras foram adquiridas, o que gera dúvidas sobre a legitimidade dessas propriedades.

Nessa terça-feira, 22, o Conselho protocolou denúncias ao Ministério Público Estadual e Federal, ao ICMBio e à União; também comunicou à Procuradoria Geral do Estado (PGE) sobre os elementos que necessitam de investigação. A entidade ainda tem até o dia 4 de novembro para se manifestar sobre o acordo proposto pelo Governo do Estado.

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