Praia da Peroba sofre com avanço do mar e Justiça quer intervenção sem degradação ambiental
Em audiência de conciliação, quinta-feira passada, 21, o juiz federal da 15ª Vara de Limoeiro do Norte determinou que a Prefeitura elabore projeto alternativo, com menos impactos ambientais
15:33 | Set. 27, 2023
A Praia da Peroba, no município de Icapuí, a 200 km de Fortaleza, assim como outros trechos do litoral cearense, sofre com o avanço do mar. Em 2023, após debates, projetos e polêmicas, a Prefeitura de Icapuí lançou licitação para construção de um "paredão de pedra". A obra, questionada por moradores e veranistas, teve o cancelamento da licitação determinado pela Justiça Federal. A situação segue na busca de um consenso que alie beleza e preservação ambiental.
Quem vive no local relata que a erosão costeira já causou grandes prejuízos à região. Por ser uma área com diversas casas de veraneio e forte estímulo ao turismo, donos de propriedades afirmam que a situação vem afetando o comércio local.
A praia também tem relevante importância ambiental, visto que está inserida em uma Área de Proteção Ambiental (APA) Berçário da Vida Marinha.
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“Sou morador da comunidade de Peroba há 12 anos. Tenho uma pousada naquela região. Depois do problema do avanço do mar, prejudicou bastante o nosso trabalho, principalmente em relação ao turismo. Além de ser prejudicial ao nosso dia a dia como moradores”, conta o dono de pousada, pescador e mestre de obras conhecido como ‘Lôro da Peroba’.
Outro morador que tem se sentido prejudicado pela erosão costeira causada pelo avanço do mar é o pescador e dono de pousada na orla, Francisco Alciano da Cruz, de 52 anos. Ele acompanhou de perto o processo de desgaste da linha da costa.
“Eu nasci e me criei aqui na comunidade e hoje estamos com esse problema (da erosão costeira), que eu acredito que seja um dos maiores do nosso litoral. Mas quem somos nós para impedir a natureza, né?”, relata.
Ainda em 2019, a gestão municipal iniciou a construção de contenções e instalou “paredões de pedra” em praias do município, como Redonda, Peroba e Barreiras. Contudo, os chamados "quebra-mares" teriam causado degradação ambiental nos referidos locais.
Em 2021, moradores contrataram os engenheiros Luciano Pamplona e Eduardo Cabral para desenvolver um projeto que contemplasse as necessidades do local. A proposta utiliza madeira e aço inoxidável, associado a geomembranas para conter a maré, evitando assim uma estrutura fixa de pedras.
O projeto alternativo foi enviado à Prefeitura de Icapuí, mas segue sem consenso.
Justiça determinou cancelamento de licitação
Em audiência de conciliação na quinta-feira passada, 21, o juiz federal Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, da 15ª Vara de Limoeiro do Norte, determinou cancelamento da licitação para a obra do paredão da Peroba.
Reunião técnica entre Prefeitura de Icapuí, associações de moradores, construtora, advogados, engenheiros e Ministério Público Federal (MPF) foi marcada para o dia 10 de outubro. A gestão municipal deverá, então, apresentar um novo plano de execução da obra já considerando as determinações.
A Associação Preserve Peroba, que esteve presente no encontro, é contra a construção do paredão, alegando sérios danos ambientais. Eles apresentaram projeto alternativo, com estrutura reversível que serviria para conter o avanço do mar, sem causar impactos permanentes no meio ambiente.
A intervenção fixa proposta pela Prefeitura de Icapuí já havia sido proibida pela Justiça, ainda em 2020, quando o juiz responsável pelo processo visitou o local das obras e constatou degradação ambiental em andamento.
A decisão liminar foi mantida integralmente pelo Tribunal Regional Federal (TRF-5ª Região) e estabelecia que não houvesse construção até que se discutisse uma solução mais compatível com a preservação ambiental e os interesses dos moradores. Na decisão da última quinta-feira, 21, o juiz considerou que a Prefeitura descumpriu a liminar ao lançar o edital para erguer o “paredão de pedra”.
As determinações incluem ainda a retomada do projeto alternativo e a mobilização, por parte da Prefeitura, para que pendências técnicas que o projeto apresente sejam solucionadas.
Conforme informações da Associação Preserve Peroba, o juiz teria ponderado a irreversibilidade da obra feita com pedras, enquanto que um projeto alternativo poderia ser, caso necessário, substituído no futuro de acordo com as condições.
O POVO entrou em contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura de Icapuí para a gestão se pronunciar sobre o imbróglio mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
Fatores que contribuem para a erosão costeira em Peroba
Segundo o geólogo, mestre e doutorando em Geologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Cláudio Ângelo, uma série de fatores pode contribuir para a erosão e o avanço do mar na região da comunidade de Peroba.
Ele elenca que o local sofre com interferências de caráter natural, como o perfil de inclinação das praias de Icapuí, déficit sedimentar transportado por corrente de deriva litorânea e ocorrência pontual de marés extremas que chegarão com maior intensidade; além daqueles chamados de "antrópicos" — as modificações produzidas pelo homem.
O geólogo pondera ainda não perceber tanta influência dos aspectos antrópicos na praia de Peroba. Ele aponta, porém, devido aos paredões de rochas que estão sendo erguidos ao longo de algumas praias ao leste do município, pode-se perceber que há retenção de sedimentos, o que gera repercussões nas praias ao oeste.
“Além disso, se as eventuais ondas que incidiriam nessas praias que estão mais a leste fossem erodidas, elas tornariam sedimentos disponíveis na deriva litorânea para alimentar praias mais a oeste, como as praias de Picos, de Peroba e de Redonda”, detalha.
Quando questionado sobre os impactos ambientais já percebidos em Peroba causados pela erosão, o especialista aponta que já existem fortes indicadores do recuo da linha de costa, evento também conhecido como “escarpas de berma”.
“Essa erosão da berma ocasiona também a exposição de raízes de árvores, como coqueiros. Além da destruição física de casas. Esses impactos, localmente, afetam muito o aspecto turístico e as comunidades pesqueiras locais”, explica Cláudio.
Paredões de rochas como contenção de avanço do mar na praia de Peroba
Sobre a construção dos paredões de rochas propostos pela Prefeitura de Icapuí, o geólogo Cláudio Ângelo salienta que é preciso analisar as estratégias de estruturas de contenção a serem realizadas no ambiente costeiro. Isto porque a eficiência delas deve levar em consideração as características geomorfológicas da praia.
Ele explica que uma das características geomorfológicas das praias de Icapuí é que eventos extremos como super-Lua, marés de sizígia (sob influência concomitante de Sol, Lua e Terra) e ressacas têm o potencial de adentrar mais o continente, desempenhando poder erosivo mais elevado.
“No entanto, a coisa muitas vezes é cíclica. Por exemplo, na Praia de Ponta Grossa, em Icapuí, há cerca de 50 anos, o mar estava nas falésias e agora existe uma região extensa onde ocorreu deposição de sedimentos. Então, a natureza vai buscando formas de se adaptar frente às novas condições, que geralmente estão associadas à variação do nível do mar e ao balanço de sedimentos”, comenta.
O especialista aponta ainda que para definir uma alternativa de contenção do mar melhor e menos invasiva ao meio ambiente são necessários estudos técnicos no local. No entanto, ele salienta que as opções vão além dos muros de enrocamento.
“É fundamental que haja estudo técnico subsidiando a tomada de decisão e, muitas vezes, na gestão costeira dos municípios não vemos isso. Vemos obras sendo executadas sem critério ou estudo daquela região. Então essa é uma briga constante que a gente tenta para estabelecer uma gestão costeira eficaz: aliar a academia produzindo conhecimento científico para a tomada de decisão dos gestores”, sugere. (Com participação de Ana Rute Ramires e Sara Oliveira)