Moradores de Guaramiranga temem que nova Autarquia favoreça especulação imobiliária em área protegida

Moradores de Guaramiranga temem que nova Autarquia favoreça especulação imobiliária em área protegida

Há o receio, por parte de moradores, que a criação da Autarquia do Meio Ambiente facilite construções irregulares em áreas de preservação. A medida, aprovada com polêmica, pode acelerar licenciamento imobiliário

Moradores de Guaramiranga, no Maciço de Baturité, denunciam que a criação de uma nova Autarquia do Meio Ambiente no município possa abrir caminho para construções irregulares no município. O Projeto de Lei que cria a Autarquia do Meio Ambiente foi votado e aprovado na noite dessa quinta-feira, 20, com um placar apertado de cinco votos a favor e quatro contra.

O órgão tem como objetivo ser responsável pelo licenciamento de edificações. Embora a medida pareça dar mais autonomia ao município, moradores receiam que ela facilite construções irregulares em áreas de preservação ambiental, dada a proximidade da gestão municipal com iniciativas privadas.

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A mensagem de criação da Autarquia do Meio Ambiente foi enviada à Câmara pela prefeita de Guaramiranga, Ynara Mota (Republicanos), como seu primeiro ato em fevereiro. Ela é esposa do prefeito de Baturité, Herberlh Mota, também do Republicanos.

Conforme moradores, Ynara seria sócia de uma empresa imobiliária com o marido. O vice-prefeito do município, Airton Pereira, também supostamente possui vínculos com o setor.

Daniel Pagliuca, advogado ambiental, explica que os municípios podem ter autonomia para gerir suas funções públicas, como estabelece a Lei Complementar Federal 140/2011.

“O grande problema, no entanto, é que muitas dessas entidades acabam não tendo a infraestrutura mínima necessária, seja em termos de recursos humanos ou técnicos, para garantir que os licenciamentos ambientais sejam realizados de forma adequada e que atendam todas as exigências legais”, aponta.

De acordo com o advogado, o impacto da autarquia dependerá de sua gestão. Se for administrada de forma técnica e em conformidade com as normas, poderá contribuir para um desenvolvimento sustentável, equilibrando as dimensões ambiental, social e econômica.

“No entanto, o projeto de lei prevê que todos os servidores serão comissionados, incluindo o presidente da autarquia, que será nomeado diretamente pela prefeita. A escolha não vai ser seletiva, não vai ser por concurso”, comenta.

Com a autarquia em funcionamento, a anuência da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) ainda será necessária, já que o município está inserido em uma Área de Proteção Ambiental (APA). No entanto, a criação do órgão ainda pode facilitar o processo de licenciamento para novas construções.

Monara Uchôa, moradora de Guaramiranga e integrante de um movimento contra a criação da Autarquia, critica a falta de participação popular no processo. Segundo ela, a implementação do órgão ocorreu sem diálogo com a comunidade.

“Esse projeto poderia ter sido mais bem explicado e repassado para a população de forma transparente, mas não foi. Eles queriam fazer tudo rápido. Nos últimos meses, já temos visto o desmatamento aumentando bastante. Temos uma cidade tão linda e não é justo que venham nos tirem o que temos de mais valioso: nossa serra, os animais, a mata. Isso é maldade extrema”, comenta.

Na sessão de votação da criação da autarquia, realizada na Câmara Municipal na quinta-feira, 20, o clima ficou tenso com a presença de manifestantes que exibiam cartazes e protestavam contra a medida, enquanto outros apoiavam a implementação da autarquia.

Conforme relatos, a audiência, que estava marcada para começar às 17h, foi adiada devido à ausência de vereadores suficientes para a deliberação. A sessão teve início apenas por volta das 19h, quando os cinco vereadores ausentes, que posteriormente votaram a favor da criação da autarquia, chegaram juntos, acompanhados pelo prefeito de Baturité. A prefeita Ynara Mota, no entanto, não compareceu à sessão.

Veja o vídeo:

O POVO entrou em contato com a Prefeitura de Guaramiranga e com o advogado da prefeita Ynara Mota (Republicanos) para obter esclarecimentos sobre as acusações. A Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) também foram contatados. A matéria será atualizada quando receber as respostas.

Impactos da especulação imobiliária na Serra de Baturité

Guaramiranga está situada na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité. Criada pelo Decreto Estadual nº 20.956, em 1990, a área tem um total de 32.690 hectares.

Fábio Nunes, biólogo e mestre em Ecologia e Recursos Naturais, além de integrante do Grupo de Trabalho que elaborou o Plano de Manejo da APA, afirma que a criação da Autarquia para licenciamento de edificações em Guaramiranga pode ser uma resposta ao histórico de frustrações do setor imobiliário.

Desde 2007, o setor enfrenta restrições impostas por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público, que proibia novas construções residenciais acima de 150m² em Guaramiranga até a conclusão de estudos, como a análise da capacidade de suporte ambiental e o microzoneamento ecológico-econômico.

“Mas estes encontraram uma forma de burlar as regras: empreendimentos disfarçados de ‘serviços de hospedagem’ surgiram como brecha para erguer condomínios luxuosos que superam os limites legais de construção (150m²). A urgência em implementar a autarquia, sem diálogo ou transparência, parece expor seu verdadeiro propósito: acelerar a liberação de licenças para megaempreendimentos”, ressalta.

A Serra de Baturité, refúgio de 1% da Mata Atlântica cearense, abriga uma biodiversidade rica, com espécies em extinção, como as aves uru-nordestino, tovaca-campainha e pintassilgo-do-nordeste, que estão perdendo seus habitats devido ao desmatamento. A expansão imobiliária na região está agravando essa destruição, resultando na perda de serviços ambientais essenciais, como o fornecimento de água.

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