Ceará investiga contaminação rara por ameba que matou criança de um ano em Caucaia
Caso foi identificado durante necrópsia da vítima, de um ano e três meses, e será levado ao Ministério da Saúde. Contaminação teria sido durante banho
14:40 | Dez. 06, 2024
A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) está investigando a morte de uma criança de 1 ano e três meses no município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), por indícios de meningoencefalite amebiana primária. Provocada pela Naegleria fowleri, ameba que ataca o sistema nervoso central, a doença possui alto nível de letalidade e não tem registros anteriores no Brasil.
Presente em águas doces, como rios, lagos e açudes, a ameba entra no corpo humano através da narina e se dirige até o cérebro, onde começa a atacar o sistema nervoso, levando à morte.
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De acordo com informações da Sesa, o caso foi registrado no último 12 de setembro, quando a vítima começou a sentir dores de garganta e febre alta. Os sintomas perduraram por dois dias e evoluíram para sinais de irritação meníngea, como dores em músculos e vômitos. O óbito aconteceu no dia 19 de setembro.
Caso raro foi descoberto após análise em laboratório
Devido à raridade e sintomas similares a outras doenças, a meningoencefalite geralmente não é considerada em primeiro momento entre os médicos. É comum que as primeiras suspeitas sejam de meningite.
A hipótese de que poderia se tratar de algo mais complexo começou a ser levantada quando os tratamentos comumente aplicados para esta e outras doenças não surtiram efeito.
Sem tratamento adequado para a doença, a criança foi a óbito e foi posteriormente levada ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do Estado do Ceará. No local, uma análise de lâminas com componentes dos órgãos do corpo indicou a presença da ameba.
"Essa doença não é suspeitada porque ela é muito rara. Ela só pode ser diagnosticada se você tem uma vigilância após o óbito", explica o secretário-executivo de Vigilância em Saúde do Ceará, Antônio Silva.
"De fato, a suspeita se deu por ação do patologista, que ao realizar a necrópsia e olhar para a lâmina, percebeu que ali havia uma ameba. Em seguida, muito provavelmente diante dos achados histopatológicos, (identificou) a ameba Naegleria fowleri."
Diante da suspeita, diversos profissionais do ramo foram reunidos para investigar o caso de uma possível meningoencefalite, confirmado pelo Instituto Adolfo Lutz, referência nacional em saúde pública.
A família da vítima foi informada sobre a causa da morte logo após a descoberta. Em conversa com membros da Sesa, os pais da criança foram informados sobre a gravidade do caso e que, devido ao meio de infecção da doença, teriam que conversar com toda a comunidade que utiliza a mesma água que a bebê.
Contato com ameba teria acontecido durante o banho
O contato entre a ameba e o ser humano infectado geralmente é estabelecido durante mergulhos em rios, lagos e açudes com a presença do ser vivo. Neste caso, pelo fato de a criança nunca ter entrado em nenhum desses fluxos de água, a suspeita é de que a ameba tenha adentrado a narina da criança durante o banho doméstico.
Por medidas de precaução, ressaltou a Sesa, toda a comunidade foi informada sobre a causa da morte da criança. Diversas reuniões foram realizadas com moradores para explicar as formas de contato, os riscos que a meningoencefalite traz, bem como a possibilidade de contaminação na água do local.
Imediatamente após a detecção do caso, o serviço de fornecimento de água local foi interrompido para averiguação e substituído. A análise confirmou a presença da ameba em parte da água utilizada para banho dos moradores. De acordo com Silva, a presença de uma ameba em um determinado reservatório de água não significa que ele está totalmente comprometido.
“Por exemplo: eu encontrei esse germe na água de banho. É provável que ele veio do açude, no entanto, a água do açude não deu positivo. E provavelmente a gente vai continuar fazendo e não vai dar [positivo para presença de mais amebas no açude]. Porque é muito rara a ocorrência dela no açude”, comenta o secretário.
De acordo com ele, a principal hipótese levantada até o momento é de que a ameba tenha se desenvolvido no caminho entre o açude e a casa da criança. Por gostar de ambientes mais quentes, a ameba teria sido beneficiada pelo aquecimento das águas dentro dos reservatórios antes de chegar às residências.
De acordo com a Sesa, após novos testes negativos para a presença de Naegleria fowleri no açude e nos reservatórios, o abastecimento de água foi normalizado. A região será monitorada continuamente pela pasta para a detecção de possíveis novos casos e acompanhamento da situação de saúde dos moradores.
O que é a Naegleria fowleri?
Por atacar severamente o sistema nervoso central, a Naegleria fowleri é popularmente conhecida como “ameba comedora de cérebro”. Apesar do nome assustador, a Sesa reforça que não há motivos para maiores temores na população, já que a ameba não se transmite de pessoa para pessoa.
Outro fator importante e já citado é de que uma detecção de N. fowleri em uma lagoa, por exemplo, não significa que aquele local está totalmente contaminado e irá causar novas infecções. Ou seja, apesar de grave, a meningoencefalite não tem potencial para atingir uma grande parcela da população tal qual outros vírus tal como Influenza e Covid-19, que são transmitidos de um ser humano para outro.
O agravante da ameba é a sua alta letalidade, que conforme o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, país onde a ameba também é encontrada, pode chegar a 97%.
Ainda não há uma cura cientificamente confirmada para a N. fowleri, o que torna o diagnóstico ainda mais preocupante para a vítima. Conforme o órgão, o que se utiliza atualmente é uma combinação de drogas, que pode ajudar a combater a doença, mas sem um grau suficiente de eficácia para o controle.
A principal forma de prevenção da doença é o aviso do histórico de Naegleria fowleri nos lagos onde ela foi detectada. Ainda sem tratamento, a meningoencefalite pode ser combatida ao se evitar mergulhos em locais onde a ameba já se fez presente.
Caso será levado ao Ministério da Saúde
O caso da morte em Caucaia será levado até o Ministério da Saúde (MS), entidade máxima de vigilância no País, que irá realizar os últimos trâmites para a confirmação oficial. Uma nota técnica também será divulgada pela Sesa para informar a detecção do caso de forma oficial.
O documento não determina nenhum quadro de alerta para o Estado e é direcionado aos profissionais de saúde, com orientações para uma maior atenção a possíveis casos de Naegleria.
“A nota é a descrição de um evento raro. Ele é um evento de importância de saúde pública na medida em que ele é raro. Mas de imediato, não é preciso gerar um alerta de que vão acontecer outros casos e que a rede precisa estar preparada para isso. Não é o mais provável”, conclui Antônio Silva.