Território retomado pelo povo Anacé é alvo de disputa por falta de delimitação

Dois ataques com armas de fogo e máquinas agrícolas foram registrados na quinta-feira, com os suspeitos sendo funcionários de uma fazenda próxima à Lagoa Parnamirim

O território retomado pelo povo Anacé desde setembro de 2023, em Caucaia, tem sido alvo de disputa entre os indígenas e fazendeiros da região. Lideranças do povo Anacé denunciam dois ataques com armas de fogo e máquinas agrícolas, ocorridos nessa quinta-feira, 18, na área próximo à Lagoa Parnamirim. 

Conforme as lideranças Anacé, um acordo supervisionado pelo Ministério Público Federal (MPF), na sede da Procuradoria da República do Ceará, em 2022, previa os fazendeiros não deveriam agir contra os indígenas. No entanto, a negociação não definiu as fronteiras do território, o que mantém o conflito em andamento.

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O povo Anacé passou cerca de 30 anos fora do território, mas ainda nas proximidades da Lagoa Parnamirim. De acordo com o cacique Roberto Anacé, isso ocorreu porque, durante as décadas, fazendeiros da região chegaram a instalar cercas e ameaçar a etnia caso ultrapassassem a delimitação. Em setembro de 2023, contudo, os indígenas "pararam de ter medo e retornaram a terra", ele explica.


O POVO esteve no território ocupado pelo povo Anacé na manhã desta sexta-feira, 19. Segundo o cacique Roberto Anacé, pessoas invadiram o local e atiraram com armas de fogo em direção às casas indígenas do outro lado da lagoa. Barracas construídas pelas famílias, que vivem no território desde setembro de 2022, também foram depredadas. “Isso é agir contra a vida do povo!”, comentou.

Atualmente, a aldeia próxima à margem da Lagoa Parnamirim é habitada por 46 famílias, que vivem da sustentabilidade da lagoa, da terra e da mata. As lideranças indígenas Anacé ressaltam que o historicamente o território pertence a eles e que a delimitação das terras resolveria o impasse com os fazendeiros.

“Existe um Toré [música] do povo que fala sobre essa demarcação e que conta exatamente qual é o território: da Serra do Guararu à pancada do mar, do Rio Cauípe ao Rio Juá. Para entender melhor, à esquerda está o mar, à direita a serra do Guararu, que passa pela BR-222, à frente o Rio Juá e atrás o Rio Cauípe. Seria todo esse perímetro”, explica o Cacique Roberto.

O líder indígena critica a lentidão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em demarcar as terras indígenas. “Isso já dura mais de dez anos. Outros têm o direito de tomar, fazer o que quiserem, enquanto os verdadeiros donos da terra não têm direitos”, pontuou.

Thiago Halley, coordenador da Regional Nordeste II (CE, PI e RN) da Funai, declarou nesta manhã, quando esteva no local, que o órgão tem monitorado o caso.

Ele explica que o acordo de 2022 entre os fazendeiros e os povos indígenas teria sido apenas verbal, mas apesar de ter sido supervisionado pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, não definiu claramente as fronteiras do território, nem especificou até onde se pode construir casas.

O superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), João Alfredo, afirma que situação dos Anacé se resolverá, de forma geral, quando houver a demarcação das terras. "É evidente que uma situação dessas, com uma violência dessas, é inaceitável", comentou.

Também na área de conflitos, o engenheiro agrônomo do Idace, Francisco Vasconcelos, explica que processo de demarcação indígena é demorado e composto por várias etapas.

“Primeiro vem o estudo antropológico, depois o cadastramento de famílias, com a parte socioeconômica da comunidade, da etnia Anacé. Após, vem a delimitação e demarcação da área. Se tudo der certo, leva mais seis meses a dez meses para a demarcação oficial. Então, é um processo demorado”, explica.

Agentes do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), foram ao local durante o dia de quinta, 18. No entanto, quando os PMs saíram para fazer uma ronda, os ataque foram reiniciados.

Na manhã desta sexta-feira, 19, as viaturas estavam a alguns metros do local de conflito, e os indígenas afirmaram que temem novos ataques.

"É muito desmotivante, a gente deixa de acreditar em tudo que a gente tem como segurança", lamenta Élber Anacé.

Órgãos públicos reagem após ataques

Conforme a Regional Nordeste II da Funai, na tarde desta sexta-feira, 19, agentes devem ir ao local de ocupação para conversar com as duas partes do conflito. Um relatório também está sendo elaborado para que seja enviado à Funai nacional.

Sobre os ataques, a Procuradoria da República do Ceará também informou que o procurador da República, Fernando Negreiros, enviou um ofício urgente à Superintendência da Polícia Federal.

"Na ata da audiência [realizada em 2022], o gerente comprometeu-se a não tomar nenhuma atitude contra os indígenas e a aguardar as decisões judiciais. Como no presente não há procedimento em curso no MPF sobre o caso (o anterior se encontra arquivado), hoje deve ocorrer a distribuição de uma nova notícia fato a um dos procuradores que atuam no Núcleo de Tutela Coletiva da Procuradoria", informou Sérgio Brissac, antropólogo do MPF-CE. (Colaborou Kleber Carvalho/Especial para O POVO)

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