Facção criminosa no Ceará: uma breve história dessas organizações em Caucaia
Pelo menos, três facções atuam em Caucaia e fizeram do município um dos mais violentos do País. O POVO traz um resumo dessa história, entendaO município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, é um dos maiores desafios da segurança pública do Ceará. Com uma taxa de homicídios proporcionalmente maior que Fortaleza, a cidade é comumente apontada como uma das mais violentas do País pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Em 2020, Caucaia constou como o município com mais de 100 mil habitantes com a maior taxa de homicídios do País.
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Em 2022, ficou na 29ª posição, sendo a segunda cidade mais violenta do Ceará, atrás apenas de Maracanaú, também na RMF. Confira a evolução dos assassinatos em Caucaia desde 2013:
Parte dessa violência é explicada pelo conflito entre facções criminosas. Atualmente, são três as facções que agem em Caucaia: Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE) e Massa Carcerária. A raiz desse conflito data ainda dos anos 2000, conforme investigações e informações de inteligência. Veja abaixo um resumo dessa história.
Caucaia repartida por facções criminosas
Antônio Gerlando Sampaio Viana, conhecido como Toinho das Armas, aparece como um dos principais atores da disputa entre facções em Caucaia. Pelo menos, é o que se deduz da leitura do Relatório de Inteligência (Relint) nº 155/2021, da Coordenadoria de Inteligência (Coint), da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).
Conforme o relatório, era ele o principal traficante de Caucaia, responsável por abastecer outros criminosos da região. Já nos anos 2000, Antônio Gerlando seria batizado ao CV e dividiu Caucaia entre quatro aliados. A estrutura do grupo criminoso "permaneceu praticamente inalterada até o dia 12 de novembro de 2018", afirma a Coint.
Antônio Gerlando nega ser o líder máximo da organização. Em depoimento na Justiça, ele disse estar isolado em presídio federal desde 2013 e que não teria como chefiar uma facção. Ele atribui a acusação a uma “perseguição de um delegado”.
Outra figura de destaque no bando é Francisco Cilas de Moura Araújo, conhecido como Mago. Cilas chegou a ser preso juntamente com Toinho em 2013, mas conseguiu obter liberdade e passou a ser o principal chefe do grupo, já que gozava da confiança do então chefe por ser companheiro da sobrinha dele. A liderança dele se fez tão presente que seus asseclas (seguidores) passaram a ser identificados como “Tropa do Mago”.
Outra liderança ligada a Toinho e Cilas, conforme a Polícia Civil, era Alban Darlan Batista Guerra, que atuava no bairro Padre Júlio Maria. Sua célula foi denominada Comando da Laje (CDL). Alban Darlan foi morto em 2021, no Rio de Janeiro, para onde havia ido se esconder enquanto um dos homens mais procurados do Estado. Apesar da morte dele, a CDL continuou a agir e fazer referência ao antigo chefe.
Ainda assim, até meados de 2015, eram as gangues de bairro as principais propulsoras da violência no Estado e também em Caucaia. O próprio Vô, apelido de Adriano Soares de Menezes, um dos homens ligados a Toinho das Armas, começou uma trajetória criminosa com ações ligadas a torcidas organizadas, "que formavam pequenas gangues", conforme o Relint 155/2021 da SAP.
No final de 2015 e começo de 2016, a GDE foi criada, assim como outras facções de fora do Estado expandiram sua atuação por aqui, o que incluía o CV, mas também o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Família do Norte (FDN).
A GDE foi quem passou a atuar mais em regiões de Caucaia, o que incluía bairros como Parque Leblon, Iparana, Itambé I e Mestre Antônio, passando a ser o principal antagonista do CV pelo domínio do Município.
Guerra entre CV e GDE fez explodir homicídios em Caucaia
Em um primeiro momento, havia um “acordo de paz” entre essas facções criminosas que agiam no Ceará. Logo, porém, o pacto foi desfeito e as taxas de homicídio, que haviam retraído em 2015 e 2016, dispararam nos anos de 2017 e 2018, os anos mais violentos já registrados no Estado.
Em Caucaia, os anos anteriores foram tão violentos quanto 2020, ano da paralisação da Polícia Militar e pela pandemia de Covid-19.
Um dos episódios da guerra estabelecida entre CV e GDE ocorreu em 12 novembro de 2018 quando o irmão de Vô, identificado como Robério Santos Meneses, vulgo Escobar, foi assassinado. Conforme o Relint 155/2021 da Coint, o crime foi atribuído a um dos "gerentes" de Adriano, Francisco Gilailson Ferreira Diógenes, conhecido como Boy.
Este teria recebido um convite da GDE para mudar de facção e o assassinato seria uma forma de demarcar o domínio da facção.
"Entretanto, a ação não foi plenamente bem sucedida", relata a Coint. "Os criminosos não aceitaram a liderança de Boy, permanecendo fiéis ao líder Vô", afirma a inteligência da SAP, destacando que o chefe desta célula do CV já estava em presídio federal de segurança máxima.
"Cabe salientar que, no bairro Nova Metrópole, o criminoso Adriano Soares possui um status de celebridade, sendo bastante temido e conhecido por sua crueldade, boa parte dos moradores demonstram simpatia pelo traficante, uma vez que Vô impunha regras próprias a fim de resguardar a segurança no bairro, como proibir roubos e furtos na localidade". Robério viria a ser preso no dia 16 daquele mês durante um tiroteio no bairro.
Outro episódio de grande vulto nesse confronto foi a chacina ocorrida em 11 de abril de 2021 no bairro São Gerardo, a primeira registrada em Caucaia, conforme o especial A Era das Facções. Quatro pessoas foram mortas no que seria um ataque de integrantes da GDE em uma área do CV. Apesar de cinco pessoas terem sido presas pelo crime, quatro não tiveram a denúncia aceita pela Justiça e outra foi impronunciada.
Rachas no CV e na GDE
Em junho de 2021, criminosos ligados à Tropa do Mago, ao Comando da Laje e à Tropa do Francês, até então integrantes do CV, decidiram deixar a facção e passaram a se considerar “neutros” ou “Massa Carcerária”. A decisão revoltou o CV, que declarou guerra aos antigos aliados. Somente nos primeiros 13 dias de junho de 2021, 14 homicídios foram registrados em Caucaia.
Em 31 de julho, o confronto resultou em uma chacina: cinco pessoas foram mortas em Boqueirão das Araras. O crime teria sido uma vingança de integrantes do CV que teria sido expulsos de suas casas após não aderirem à nova fação.
No mesmo mês de julho, cerca de 50 famílias abandonaram suas casas devido ao conflito, somente na comunidade Vila Nova.
O conflito continuou e é travado até hoje. Relatório da Polícia Civil de dezembro de 2022 tratava a Massa como a maior organização criminosa de Caucaia e afirmava que o grupo estava “diretamente envolvida” na maior parte dos homicídios ocorridos nos últimos meses no Município.
Os então maiores rivais do CV também viram um racha em suas fileiras. Os primeiros sinais de dissidência na GDE vieram à tona em fevereiro de 2022 nos bairros Jangurussu e São João do Tauape. Em seguida, o conflito se espalhou para regiões como Planalto Ayrton Senna, Vicente Pinzón e Maracanaú.
Em Caucaia, a chacina que foi registrada no bairro Mestre Antônio no último dia 18 de setembro, pode ter sido ação de integrantes da Massa, sendo que haveria integrantes da GDE entre as vítimas. O caso segue em investigação.
Facção criminosa no Ceará
Esta matéria faz parte de uma série especial do O POVO que deslinda a atuação das facções no Estado. Leia as quatro primeiras matérias publicadas da série:
- Facção Criminosa no Ceará: quais grupos atuam no Estado?
- Facção criminosa no Ceará: como se organizam os grupos no Estado?
- Facção no Ceará: batismos, caixinhas e tribunais; como os grupos atuam
- Facção criminosa no Ceará: quando esses grupos fizeram pactos entre si