Fome e falta de conectividade são percalços na educação indígena em Caucaia
Atualmente, existem 39 escolas indígenas na rede estadual, distribuídas em 16 municípios no Ceará
18:27 | Out. 07, 2021
Na comunidade de Jandaiguaba, no município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) está localizada a escola municipal indígena Abá Tapeba. A escola começou com uma creche com 135 alunos. É conhecida como a “escola do índio”, apesar de terem outras duas instituições de ensino indígenas municipais em Caucaia. No Ceará, o processo de constituição das escolas indígenas começou no fim da década de 1990, com a luta das diferentes etnias que resistem neste território.
Atualmente, existem 39 escolas indígenas na rede estadual, distribuídas em 16 municípios: Acaraú, Aquiraz, Aratuba, Canindé, Caucaia, Crateús, Itapipoca, Itarema, Maracanaú, Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Pacatuba, Poranga, São Benedito, Tamboril e Quiterianópolis, assegurando uma matrícula de 8.240 alunos distribuídos da educação infantil ao ensino médio. Além disso, existem quatro escolas das redes municipais de ensino de Maracanaú e Caucaia e uma creche localizada em Itapipoca.
De acordo com a Seduc, até o momento, 12 escolas adotaram o ensino híbrido, alternando tempo presencial e ensino remoto, mediado por material impresso com orientações pedagógicas ou com o uso de algumas tecnologias. Outras sete escolas decidiram, na consulta à comunidade escolar, retornar 100% de forma presencial, observando todos os protocolos sanitários. Entre as 20 unidades de ensino que estão no formato remoto, alunos que retornaram às atividades escolares por meio da ação da busca ativa na comunidade estão sendo atendidos com aulas presenciais.
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No entanto, uma queixa do presidente da Associação dos Professores Indígenas Tapebas (APROINT), João Kennedy Tapeba, é a de que os aparatos tecnológicos distribuídos pelo estado suprem as demandas dos alunos do ensino médio, mas a ação não chega nos alunos do ensino fundamental que estão sendo afetados com a falta de conectividade e disposição de aparelhos eletrônicos. As aulas da rede de ensino médio regular estadual começaram de forma presencial no início do mês de agosto e as do ensino infantil municipal devem retornar de forma híbrida a partir deste mês.
Com o avanço da vacinação no Ceará e o cadastro de adolescentes, o Ministério Público Estadual tem pressionado o Governo a dar início às aulas de forma híbrida. Para João, no cenário atual, é impossível um retorno seguro. “Tem escola que não tem porta, não tem circulação de ar, só uma pia funcionando, além do principal fator: o vírus. Por causa disso ficamos com receio de voltar, e a própria OMS já soltou boletins dizendo que o risco de contaminação das populações indígenas com a variante delta é maior do que a população branca/nao-indigena”, completa.
A situação piora quando a educação indígena, que deve ocorrer dentro da comunidade num contato próximo aos líderes e familiares, precisa ser moldada para ser ensinada de forma remota. As festas tradicionais celebradas na semana do dia do índio, por exemplo, foram todas virtuais e encenadas pelos próprios professores e transmitidas aos alunos.
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No entanto, a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Abá, Roberta Kelly, 35, ressalta que o principal desafio durante a pandemia foi conviver de perto com a fome. “Aqui na comunidade temos uma realidade onde a primeira refeição de algumas crianças é feita aqui na escola. Teve um momento que chegamos a arrecadar alimentos para doações, e aí foi quando o município começou a usar o dinheiro da merenda para fornecer essas cestas básicas para as crianças”, explica.
Atualmente a escola recebe as cestas básicas da prefeitura mensalmente e semanalmente, uma doação de leite é realizada pelo Mesa Brasil. Os alimentos são repassados para as famílias para tentar amenizar esse impacto na aprendizagem. “São crianças que vivem em uma comunidade de vulnerabilidade, que vem crescendo ao longo dos anos. A fonte de renda da maioria das famílias da comunidade são os benefícios sociais e trabalhos informais, isso não traz uma qualidade de vida”, ressalta Roberta.
Na casa de Tarciane Pereira, 33, ela só não viu faltar comida na mesa porque mora próximo a família, também na comunidade de Jandaiguaba. Na casa dela moram Matheus e seu irmão mais novo, 11 e 3 anos, respectivamente, além do marido. Tarciane está sem renda desde o início da pandemia, quando trabalhava como doméstica. O pai de Matheus trabalhava com serviços gerais no início do período pandêmico e hoje em dia vive de “bicos”. O aparelho celular da mãe foi o instrumento de estudos de Matheus, que está desde março de 2020 em casa, estudando de forma remota.
Tarciane confessa que manter os filhos em casa tem sido estressante para ela, que só tem autorizado o filho mais velho a sair para o essencial. Além de supermercado e farmácia quando necessário. Matheus é um dos 950 alunos matriculados na Abá. Em 2021, ele começou a cursar o sexto ano.
Para Roberta, a parte mais difícil tem sido acompanhar a situação de dificuldade e localizar quem está em situação de fome. “A importância dessas crianças estarem nas escolas é que podemos acompanhar o dia-a-dia e a rotina delas e eles contam pra gente o que está acontecendo na casa deles. A gente consegue ajudar de uma melhor forma, mas à distância. Às vezes a família tem vergonha de vir e aí algumas pessoas deixam de ser ajudadas por isso”, explica Roberta Kelly, que lembra ainda de diversas vezes em que pais de alunos foram até a escola em busca de algum alimento.
O que diz a Prefeitura de Caucaia
Por nota, a Prefeitura Municipal de Caucaia respondeu que, ao todo, 2.166 alunos indígenas são atendidos pela rede municipal em cinco escolas e dois anexos de ensino para educação. Durante a pandemia, o município disponibilizou a todos os alunos da rede municipal, inclusive aos alunos das etnias Tapeba e Anacé, um kit alimentação, distribuindo inclusive produtos da agricultura familiar. "Para auxiliar no ensino remoto, a Prefeitura de Caucaia adquiriu 45 mil tablets com chip de acesso à internet e plataforma evolutiva de educação beneficiando alunos da rede municipal", diz a nota.
Sobre as reformas, necessárias para o retorno presencial gradual e seguro, a pasta respondeu que o prefeito Vitor Valim (Pros) anunciou, em julho, o plano de revitalização das 187 escolas municipais com o investimento de 18 milhões. No momento, 80 delas já foram totalmente reformadas ou estão em reforma. Entre elas a Escola João Batista de Matos, que atende a população indígena. De acordo com o cronograma, até o final do ano as demais escolas indígenas serão entregues às comunidades totalmente reformadas.
Atualizada em 19/10/2021, às 19 horas