Profissionais de segurança: adoecimento mental não é tratado, diz especialista
Questões estruturais não são tratadas, analisa o policial federal Roberto Uchoa, graduado em Direito e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança PúblicaAs questões estruturais que favorecem o adoecimento mental de profissionais de segurança pública, que vêm crescendo de forma preocupante, não são tratadas de forma adequada. A análise é do policial federal Roberto Uchoa, graduado em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista ao O POVO News.
Nesse domingo, 14, um policial civil matou quatro colegas na Delegacia Regional de Camocim, no Litoral Norte do Ceará. Três dias antes da chacina, uma psicóloga emitiu atestado de 15 dias de afastamento para o policial. Antônio Alves Dourado, 42, fazia acompanhamento psicológico há pelo menos um ano e tinha transtorno de ansiedade e depressão.
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Uchoa frisa que o adoecimento mental dos agentes de segurança tem aumentado de forma relevante. "Qual a nossa dificuldade? A gente aponta isso para os governos, a gente tem iniciativas do Ministério Público mostrando que é preciso fazer algo. Mas toda vez que ocorre algo do tipo, a gente cai no mesmo erro de culpabilizar somente o autor", explica.
Segundo o especialista, não se trata o "problema estrutural" e não se busca "entender qual o papel da instituição nisso". "Qual a responsabilidade da instituição em manter estruturas que não oferecem acompanhamento psiquiátrico ou psicológico, que não oferecem um local de escuta para esse profissional?", questiona.
De acordo com o especialista em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), as corporações precisam oferecer um local de escuta, visto que "não adianta chegar só no momento em que explode".
"Eles têm que saber que há um local onde serão ouvidos e terão segurança para tratarem seus problemas com a segurança de que o que relatarem não será repassado para seus superiores", explica.
O policial frisa que há um meio que dificulta. "Ou a gente passa a observar e tratar isso com a devida atenção, ou, infelizmente, essas catástrofes continuarão a ocorrer. Suicídios ou atirando em colegas", alerta Roberto Uchoa.
Além disso, o policial destaca que é preciso modernizar a estrutura da corporação que, segundo ele, é ultrapassada e favorece o assédio moral. "São profissionais que atuam na sociedade. A gente não está tendo cuidado sequer com esse profissional que atende a população", ressalta.
O que diz a Secretaria da Segurança
Durante o sepultamento de um dos policiais mortos, no Eusébio, Samuel Elânio de Oliveira Júnior, secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), afirmou que a pasta "já tem uma grande estrutura de apoio biopsicossocial com várias pessoas da área da saúde".
"Não só a Secretaria de Segurança Pública, a própria Polícia Civil tem um setor direcionado para isso, com vários profissionais, inclusive médicos. Esse pessoal está hoje lá em Camocim, vai ficar vários dias para acompanhar os familiares e os próprios colegas que se viram naquela situação, perderam amigos", disse.
O POVO questionou à Secretaria como a pasta monitora esses casos, nos quais agentes de segurança têm problemas psicológicos ligados diretamente ao exercício da profissão. Também foi questionado que tipo de acompanhamento é feito com os agentes de segurança e se há algum protocolo. Não houve retorno, contudo, para essa demanda.
Chacina de Camocim
Segundo as investigações, o suspeito teria pulado o muro da delegacia durante a madrugada. Três das vítimas foram mortas enquanto dormiam. Outro policial tentou fugir, mas também recebeu tiros e morreu.
Foram mortos os escrivães Antonio Claudio dos Santos, Antonio Jose Rodrigues Miranda e Francisco dos Santos Pereira e o inspetor Gabriel de Souza Ferreira.
Após o crime, o suspeito pelo crime, Antônio Alves Dourado, foi para casa, onde gravou um vídeo pedindo desculpas e afirmando que destruiu a própria família e a dos policiais que morreram. No vídeo, ele afirma ter passado por assédio moral e ter sido perseguido.
O policial acionou os órgãos de segurança e foi preso em casa. Ele foi transferido a Sobral, e em audiência de custódia teve a prisão mantida.