CE: Criança nasce após gestação de 35 semanas fora do útero da mãe

Parto reuniu mais de dez profissionais para garantir a segurança da gestante e da bebê; caso é considerado raro pelos médicos e será objeto de estudo em artigo científico

10:01 | Mai. 21, 2024

Por: Kleber Carvalho
Parto reuniu equipe multidisciplinar com obstetras, cirurgião vascular, entre outros (foto: Jardel Matos/Hospital Maternidade São Vicente de Paulo)

Uma gravidez fora do comum surpreendeu médicos do Hospital Maternidade São Vicente de Paulo (HMSVP), no município de Barbalha, localizado a 501 quilômetros de Fortaleza, durante o último mês de abril. Isso porque a pequena Geovana Eloá, agora recém chegada ao mundo, passou as 35 semanas de sua gestação fora do útero da mãe, Gênattan Morais.

Essa condição tem diversos nomes, podendo ser conhecidca como gestação extra uterina, gestação abdominal, ou, seguindo a nomenclatura adotada pela ciência, gestação ectópica. O fenômeno ocorre quando o óvulo não pode ser fertilizado nas trompas de Falópio (tubas uterinas), consequentemente não consegue chegar ao útero e se aloca em outros órgãos do corpo.

Os médicos que realizaram o parto de Eloá afirmam que na maioria dos casos, ao não conseguir chegar ao útero, o óvulo tende a evoluir para feto e se desenvolver ali mesmo nas trompas uterinas. No entanto, no caso de Gênattan, as trompas também não puderam ser utilizadas para a gestação, o que fez com que toda a gestação ocorresse na região do abdômen.

Um a cada 100 mil casos acontece do óvulo fecundado cair na cavidade abdominal, ou porque ele refluiu ali e caiu, ou porque era uma gestação tubária, rompeu, o óvulo caiu na cavidade e ali a gestação arranja um jeito de se desenvolver. Ela [a gravidez] consegue ir caminhando, arranja um local em que a placenta consegue se instalar e consegue se nutrir, que foi o que aconteceu com a Gênattan. Então ela vai crescendo e vai se desenvolvendo. Algumas vão até o final, poucos casos com sucesso, raríssimos como o dela”, explica Luana Cruz, residente de ginecologia e obstetrícia do Hospital Maternidade.

Nascimento exigiu cirurgia delicada

Gênattan teve as primeiras suspeitas de uma gravidez extra uterina após exames realizados ainda em Juazeiro do Norte, município onde reside e passou 34 semanas da gravidez. Com a possibilidade de um caso tão raro, foi encaminhada ao Hospital Maternidade São Vicente de Paulo (HMSVP), em Barbalha, para confirmar se tinha ou não uma gestação ectópica e realizar os cuidados necessários para o parto.

No hospital, a gestante passou por diversos exames, como ultrassonografias e ressonâncias. Atestada a gravidez abdominal, a mãe, a equipe de médicos e a família passaram uma semana se preparando para o parto.

A vinda da criança ao mundo exigia uma delicada cirurgia para retirá-la do abdômen da mãe e posteriormente, retirada da placenta, que estava grudada a alguns órgãos de Gênattan.

Os médicos reuniram uma equipe com mais de dez profissionais, entre obstetras, cirurgião vascular e oncologista. Outro trabalho necessário foi junto à família da criança, para deixá-los cientes de que a operação poderia ter complicações para as duas.

“Todo mundo no dia da cirurgia estava razoavelmente tenso justamente por conta disso, [o risco de] encontramos talvez alguma dificuldade e ter que raciocinar bem rápido para saber como superar isso. Inclusive, antes da cirurgia eu conversei bem direitinho com a família, esclareci que ia tomar todos os cuidados agora que tinha realmente um risco de morte para a mãe”, relembra Gilmar Sampaio, ginecologista e obstetra especialista em medicina fetal do HMSVP.

Caso vai se tornar objeto de estudo para a ciência

Como citado por Luana Cruz, o caso é raro, principalmente por ser uma gravidez que, além de ocorrer fora do útero, desenvolveu-se também fora das tropas. “Normalmente, 99% delas [gestações ectópicas] se desenvolvem nas trompas”, comenta a médica residente.

Essa excepcionalidade do caso gerou dificuldade na coleta de informações sobre como lidar com ele, pois nem os obstetras mais experientes da cidade tinham relatos de pacientes nas condições de Gênattan, segundo a ginecologista Gilmar Sampaio.

O preparo para a cirurgia então se baseou em pesquisa bibliográfica, por meio da leitura de artigos e demais publicações sobre o tema. No entanto, na grande maioria dos casos estudados pela equipe médica, o resultado trazia complicações para a mãe ou para o bebê, com eventuais mortes.

Este não foi o caso de Gênattan e Eloá, pois a criança nasceu saudável, mas com algumas sequelas da compressão ao longo de 35 semanas no abdômen e problemas no fêmur, que podem ser solucionadas com fisioterapia.

O parto bem-sucedido foi motivo de muita comemoração não só entre a família de Eloá, mas também entre os profissionais do São Vicente de Paulo. Luana inclusive relata o desejo de publicar um artigo contando os métodos utilizados pela equipe médica, a fim de ajudar outros obstetras.

“É importante para medicina a gente poder realmente publicar o caso e isso servir como base para outros profissionais. ‘Tá, mas lá em Barbalha, no Cariri, no interior do Ceará, teve um caso em que houve sucesso em uma gestação de 35 semanas, bem avançada. Como foi que eles fizeram? Quais os passos que eles seguiram? Como foi o planejamento cirúrgico? Preparo para o operatório? O cuidado pós-operatório? Como foi que eles procederam?’ Vai servir como base como fonte de pesquisa para outros profissionais”, conclui Luana.

Médicos ajudaram com o enxoval da bebê

Além de realizar o parto, a equipe médica do HMSVP decidiu ajudar nos cuidados da bebê. Após receber alta do hospital, Gênattan e família foram retornaram ao local para consultas e foram presenteadas com fraldas e alguns itens para o enxoval.

“Para a gente, foi muito maravilhoso participar desse momento com ela”, comenta Luana, responsável por organizar a surpresa.

A família da criança criou vaquinha online para ajudar no custeio dos cuidados do pós-operatório. Para contribuir, basta acessar o link.