"Sessão de horror": no Cariri, jovem relata agressão por ex-namorado e pede justiça

Fernanda Coelho, de 27 anos, decidiu expor as marcas das agressões nas redes sociais para incentivar outras mulheres a denunciar casos de violência doméstica

13:08 | Jan. 30, 2022

Por: Luciano Cesário
Fernanda Coelho, 27, mostrou os hematomas das agressões nas redes sociais e pediu providências da Justiça (foto: reprodução / redes sociais)

A bacharel em Direito Fernanda Coelho, 27, ainda carrega no corpo as marcas da agressão que ela relata ter sofrido do então namorado Júnior Barreto, 26. A jovem afirma que foi golpeada com socos, chutes, teve parte do cabelo arrancado e quase não sobreviveu a uma tentativa de asfixiamento. As agressões aconteceram na madrugada do último dia 23, no apartamento do empresário, em Barbalha, na região do Cariri. Defesa fala que "houve conflito corporal".

Um Boletim de Ocorrência foi registrado pela vítima poucas horas após o fato, na Delegacia de Juazeiro do Norte, cidade onde ela mora, mas Júnior Barreto só foi ouvido pela Polícia Civil quatro dias após a denúncia.

Passada uma semana do ocorrido, Fernanda ainda teme pela vida dela e de seus familiares. Em entrevista ao O POVO, a jovem questiona o porquê de o suspeito não ter sido preso em flagrante, já que o caso foi registrado dentro do prazo de 24 horas exigido pela Justiça. “Apresentei todas as provas da violência na Delegacia. Os próprios hematomas da agressão no meu corpo demonstravam isso. Agora eu entendo porque as mulheres, na maioria dos casos, têm medo de denunciar”, afirmou.

A “sessão de horror”, como ela mesma descreve o que viveu naquela madrugada, aconteceu logo após uma crise de ciúmes do então namorado. Ele teria ficado incomodado ao saber que um conhecido seu teria tentado um relacionamento com Fernanda, enquanto ela ainda estava solteira. “Ele cobrava fidelidade, como se fosse meu dono, mesmo eu não estando com ele”, desabafou a vítima.

Aviso: neste parágrafo, o texto contém informações que podem ser considerados gatilhos para parte dos leitores. Em um "ataque de fúria", o ex-namorado teria pegado uma arma de fogo e ido até a casa do homem, mas não o encontrou. Ele estava na companhia de um amigo, de um funcionário e da própria Fernanda, que foi obrigada a entrar no carro. Ao retornarem para o apartamento dele, as agressões tiveram início. Primeiro, o acusado tentou quebrar o celular da jovem, arremessando o aparelho contra a parede.

Aviso: neste parágrafo, o texto contém informações que podem ser considerados gatilhos para parte dos leitores. “Quando eu me abaixei para pegar [o celular] ele começou a me chutar. Eu caí, fiquei bolando, e ele me chutando. Quando eu consegui me levantar, ele pegou pelo meu cabelo e me derrubou novamente, depois começou a chutar novamente. Quando eu levantei, ele fez isso pela segunda vez”, revelou Fernanda.

Aviso: neste parágrafo, o texto contém informações que podem ser considerados gatilhos para parte dos leitores. Com medo de que algo pior pudesse acontecer, a vítima implorou a Júnior que ele a deixasse em casa, em Juazeiro, mas a fúria só aumentou. “Foi nesse momento que ele me puxou pelo cabelo, mais uma vez, me jogou em cima da cama, e começou a me asfixiar. Primeiro, com um travesseiro. Depois, apertando meu pescoço, até que eu fiquei sem ar e levantei os braços e as pernas para pedir socorro”. A ajuda veio do funcionário do homem que, de acordo com a jovem, testemunhou todas as agressões ocorridas naquela madrugada.

Depois, Júnior disse que levaria Fernanda até o seu apartamento, em Juazeiro, mas que antes disso, a faria passar por um constrangimento diante de sua família. “Ele disse que antes de me deixar em casa, nós íamos passar na casa da irmã dele para eu dizer a ela que eu era uma vagabunda. Quando a gente chegou lá, antes de ela abrir o portão, ele deu um murro na minha boca. Foi nesse momento que cortou os meus lábios e comecei a cuspir sangue”, detalhou.

Sem ter como voltar para casa, já que naquele horário, por volta das 3 horas da madrugada, não havia motorista de aplicativo disponível, Fernanda pediu carona de volta a Juazeiro. No meio do caminho, já prestes a chegar ao condomínio onde mora, uma surpresa: “Quando olhei pelo retrovisor, vi que o carro dele estava colado. Eu fiquei apavorada”.

A vítima foi perseguida até o elevador do condomínio onde mora e após ser novamente intimidada, não teve outra alternativa a não ser permitir a entrada de Júnior em seu apartamento. “Ele estava com medo que eu ligasse para a Polícia. Começou a dizer que ia estourar minha cabeça e que se eu fizesse o Boletim de Ocorrência ele iria me matar. Eu tive que fingir que estava tudo bem entre a gente para convencê-lo a ir embora”, revelou a vítima.

Logo após a saída do então namorado, por volta das 5 horas, Fernanda desabafou sobre as agressões a uma de suas amigas, que mora no Crato, a 15 quilômetros de Juazeiro. Revoltada ao ver as fotos com as marcas da violência, ela não só a incentivou a denunciar o caso como também se comprometeu a acompanhá-la até a Delegacia. As duas foram à unidade regional da Polícia Civil, em Juazeiro do Norte, às 8 horas do mesmo dia.

Já na Delegacia, amigos e familiares de Júnior tentaram coagir a vítima a recuar da ideia de registrar a denúncia. “Recebi muitas ligações ao mesmo tempo. Todo mundo pedindo para que eu não denunciasse. Um amigo dele chegou a dizer que ele [Júnior] iria tirar a própria vida se eu fizesse isso, e que isso poderia acabar em morte”. Mesmo pressionada, Fernanda não foi demovida, e, encorajada pela amiga, conseguiu registrar o Boletim de Ocorrência.

Ao denunciar o caso, os hematomas no corpo da jovem explicitavam as agressões que ela havia acabado de sofrer – depois confirmadas por exame de corpo de delito. Tudo isso, no entanto, não foi suficiente para o acusado ser preso em flagrante, o que a vítima mais reivindicava. Junior prestou depoimento na Delegacia de Barbalha, para onde o inquérito do caso foi remetido, somente na última quinta-feira, 27, quatro dias após o espancamento.

A Justiça deferiu medidas protetivas, na última sexta-feira, 28, para impedir que o ex-namorado se aproxime da vítima. Antes disso, Fernanda já havia retornado para a casa dos seus pais em Petrolina, no Sertão de Pernambuco. Mesmo no seio da família, onde recebe acolhimento e proteção, ela diz que ainda teme que algo pior possa acontecer. “Como ele conhece o lugar onde meus pais moram, aqui, fico com medo de ele tentar fazer alguma coisa. Eles estão muito revoltados com tudo isso”, contou.

Ainda bastante abalada, Fernanda não descarta, nos próximos dias, se mudar para alguma cidade do País onde vive familiares. “Estou pensando muito para onde vou, o que vou fazer… são muitas dúvidas, medo, e angústia que tomam o pensamento, nesse momento. Desde o dia que isso aconteceu, estou dormindo à base de medicamentos”, conta.

Repercussão 

O medo, a aflição e a angústia, não foram maiores do que a coragem, misturada com indignação, que se manifestaram em Fernanda na última terça-feira, 25, dois dias após as agressões. Foi nessa data que ela resolveu expor o caso nas redes sociais e incentivar outras mulheres a não se calarem diante da violência doméstica. Os stories publicados em seu perfil do Instagram tiveram forte repercussão. Em menos de uma semana, o número de seguidores dela passou 3,8 para 20,9 mil.

“Eu nem esperava ganhar seguidores, só queria colocar aquilo para fora, para incentivar as mulheres que estão passando pela mesma situação a também denunciarem. Eu sei o quanto é difícil, mas agora, passado o pior desse pesadelo, eu também sei o quanto isso é necessário”, afirmou.

Segundo Fernanda, 78% dos seus novos seguidores são mulheres. Muitas entraram em contato pelo direct para compartilhar histórias de agressões que sofreram ou ainda sofrem de seus companheiros.

“Acho que meu psicológico ficou mais abalado por conta desse tanto de relatos. Fiquei impressionada com um caso de uma mulher, de São Paulo, que mandou fotos dos hematomas que tem por todo o corpo. Ela disse que é constantemente agredida pelo namorado, mas que ainda não tinha tido coragem de denunciar”, relata.

Para superar a barreira do medo, Fernanda disse que se inspirou no caso da arquiteta Pâmela Holanda, que também decidiu usar as redes sociais para expor a violência que havia sofrido do seu então marido, Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis. “Apesar do medo e da vergonha de divulgar para todo mundo um drama pessoal, me veio à cabeça o caso da Pâmela, a coragem que ela teve. De certa forma, ela conseguiu Justiça, porque o agressor foi preso, embora tenha sido solto, mas ele ainda está respondendo por isso”, afirmou.

No caso de DJ Ivis, ele foi preso preventivamente treze dias após as agressões e três dias depois da divulgação das imagens na internet. À época, a Polícia Civil do Ceará (PC-CE) alegou que não realizou a prisão em flagrante do músico porque o Boletim de Ocorrência do caso foi registrado pela vítima somente dois dias após a violência.

“Diferente do caso da Pâmela, eu registrei o Boletim de Ocorrência no mesmo dia, pouco tempo após as agressões. As marcas todas ainda estavam no meu corpo, e mesmo assim ele não foi preso em flagrante. É por isso que as mulheres têm medo de denunciar. Se eu fosse alguém que não tivesse proteção de minha família, possivelmente ela teria feito alguma coisa contra mim durante esse tempo”, desabafou Fernanda.

O POVO questionou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS) sobre a versão apresentada pela vítima, pela não prisão em flagrante, e aguarda resposta. Antes disso, em nota enviada à reportagem, a pasta informou que a Delegacia Municipal de Barbalha realiza diligências para a elucidação do caso.

Os amigos, familiares e funcionários do acusado que presenciaram as agressões já foram interrogados pelo delegado responsável pelas investigações, Juliano Marcula. Um novo depoimento de Fernanda está previsto para acontecer nesta semana, mas para proteger a vítima, O POVO não divulga o dia, local e horário da oitiva.

Enquanto espera uma resposta da Justiça, a jovem reflete sobre o futuro e tenta amenizar as dores físicas e emocionais do presente em sessões de terapia. “Vai ser um trauma que eu vou levar para o resto da vida. Comecei a ir às sessões [de terapia] neste sábado [29] porque eu não estou conseguindo mais lidar com a situação. Choro diariamente, não consigo dormir, comer… enfim, são muitas coisas que passam pela cabeça. Eu acordo e durmo assustada”, afirmou.

Advogada quer prisão preventiva do acusado

A advogada de Fernanda, Bruna Alencar, questiona o motivo de a Polícia Civil ainda não ter solicitado à Justiça a prisão preventiva do acusado. Segundo ela, o próprio Júnior admitiu as agressões durante depoimento. “A gente tem provas concretas de autoria e materialidade, teve a confissão das agressões, teve a ameaça de morte, inclusive por mensagem de texto, e mesmo assim, tudo isso ainda não foi suficiente para a [prisão] preventiva. Ele já deveria estar preso”, argumenta.

Alencar também contesta a Polícia pelo fato das imagens das câmeras de segurança dos condomínios onde moram a vítima e o acusado ainda não terem sido solicitadas pelos investigadores. Segundo a advogada, os síndicos dos dois empreendimentos disseram que as filmagens só seriam liberadas mediante autorização judicial.

“O delegado nos disse que não ia pedir as imagens porque não há mais necessidade, tendo em vista que o acusado já admitiu as agressões. Mas a questão, em si, é provar que algumas testemunhas mentiram em depoimento. Disseram que ele não estava armado, além de outras coisas que constam no inquérito. E a gente tem como provar, através dessas imagens, que muito do que eles falaram não é verdade”, sustentou.

Ainda de acordo com a advogada, existem testemunhas que conhecem a “personalidade agressiva'' do acusado, mas que, por medo, se negam a prestar depoimento. “Ele é uma pessoa que impõe medo, e que, obviamente, representa um risco à vida da Fernanda, tanto é que ela deixou Juazeiro para voltar à casa dos pais”, concluiu Alencar.

O que diz a defesa

Ao O POVO, o advogado de defesa do empresário Júnior Barreto disse que seu cliente também foi agredido. Segundo Jerry Cruz, um exame de corpo de delito teria mostrado lesões no corpo dele,  possivelmente causadas pelas unhas de Fernanda. “Houve um conflito corporal por causa do celular dela e, nesse embate, ele acabou sendo atingido também”, sustenta o advogado.

A defesa ainda afirma que "não há requerimento e muito menos mandado para prisão preventiva". Sobre a Justiça ter deferido medida protetiva a favor da vítima, Jerry diz que Júnior ainda não foi intimado, mas que, desde o começo das investigações, “já deixou claro que não quer qualquer tipo de contato com ela [Fernanda]”.

“No depoimento ao delegado, ele explanou sua versão sobre o fato, que não coincide com o que foi dito pela vítima. Inclusive, todas as testemunhas ouvidas até agora contrariam o que foi dito por ela”, acrescenta Jerry. Segundo o advogado, tanto o acusado como seus familiares repudiam qualquer tipo de violência doméstica e estão à disposição da Polícia para colaborar com as investigações.

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