Aquiraz: Indígenas Jenipapo-Kanindé recebem marcos oficiais para delimitação de terras

Demarcação das terras Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz; e Tremembé de Queimadas, em Acaraú, devem ser concluídas em março. Outros dois povos devem ser contemplados até o final de 2024

A Terra Indígena Lagoa da Encantada, pertencente ao Povo Jenipapo-Kanindé e localizada no município de Aquiraz, iniciou na manhã desta quinta-feira, 8, a demarcação física oficial da região. Ao longo do perímetro de 1.734 hectares serão instalados marcos, estruturas colocadas em pontos estratégicos para assinalar os limites de um território. Além dos Jenipapo-Kanindé, outras três terras indígenas no Ceará devem passar pelo processo de demarcação ao longo de 2024.

A ação de demarcação física representa a proteção do território contra possíveis ameaças e invasões da terra indígena, bem como a salvaguarda das tradições desses povos. A ação é fruto de uma cooperação técnica assinada no dia 1° de novembro de 2023, entre o Governo do Ceará em conjunto com Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

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Além dos Jenipapo-Kanindé, no município de Aquiraz; também serão beneficiados ao longo do ano o Povo Tapeba, no município de Caucaia; Pitaguary, nos municípios de Pacatuba e Maracanaú; e Tremembé de Queimadas, no município de Acaraú.

A conquista do povo Jenipapo-Kanindé chega após quase 40 anos de luta pela reivindicação de suas terras. Para comemorar e iniciar o processo de demarcação, os indígenas da Terra Lagoa da Encantada realizaram uma cerimônia na manhã desta quinta-feira, 8, na Escola Indígena Jenipapo-Kanindé. Participaram do momento lideranças e moradores da comunidade, de crianças a idosos, além de servidores de órgãos públicos.

O momento iniciou com fala de representantes, uma delas foi a secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves, que também é a Cacique Irê do povo Jenipapo-Kanindé. “Esse é um momento histórico, não só para nós, mas também para os povos indígenas do Ceará. Receber os marcos da identificação física garante que políticas públicas sejam executadas dentro dos territórios e também é uma afirmação de que a luta dos povos indígenas é positiva”, comentou a secretária.

Os marcos serão colocados em torno do território definindo a área como intocável para a população não-indígena. “Ninguém de fora pode comprar terrenos ou realizar trocas. Sendo uma terra indígena, são os próprios moradores que decidem as atividades realizadas em suas dependências”, explica o superintendente do Idace, João Alfredo.

Dentro do território indígena Lagoa da Encantada ainda ocorre um processo chamado de desintrusão, ou seja, a retirada de moradores não-indígenas. De acordo com o Idace, no caso de propriedades que foram construídas de maneira consentida, esses moradores serão indenizados.

De acordo com o superintendente do Idace, João Alfredo, após a conclusão do processo de demarcação física, resta apenas mais um passo para finalizar todo o procedimento, que é a homologação pelo presidente Lula.

“Em seguida também vamos iniciar a demarcação da terra Tremembé de Queimadas, em Acaraú. A ideia é concluir essas duas, que são áreas menores e menos conflituosas, até o final de março. A partir de abril, prosseguiremos com as outras duas áreas. Temos um prazo de um ano para cumprir esse processo, com mais um ano disponível no nosso convênio”, explica João Alfredo.

De acordo com o Governo do Ceará, o valor liberado para dois primeiros territórios (Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, e Tremembé de Queimadas, Acaraú) foi de R$ 2.326.082,48. Um primeiro montante foi executado em 2023 e o outro está sendo executado neste ano, sendo ambos avaliados em R$ 1.163.041,24.

Cerimônia de instalação do Marco

A colocação do primeiro marco físico e oficial teve início com a cantoria de hinos e a dança circular do toré. Em seguida, o povo se deslocou da Escola Indígena em marcha rápida, liderada pelas mulheres da Aldeia. Com as pesadas vértices feitas de cimento nas costas, as caciques foram para um local considerado de grande importância para a comunidade: a beira da trilha da Lagoa da Encantada, onde todos os anos o povo Jenipapo-Kanindé fixa um tronco de imburana para demarcar seu território.

Agora, além da haste oriunda da árvore sagrada, está oficialmente a estrutura com a identificação da Funai.

Além de ser um dos precursores no que diz respeito à luta e resistência indígena no Ceará, os Jenipapo-Kanindé ainda romperam paradigmas como sendo o primeiro povo com um cacicado feminino. Quem toma a dianteira na aldeia é Maria de Lourdes da Conceição Alves, conhecida como Cacique Pequena, considerada a primeira mulher na função de cacique no Brasil.

Cacique Pequena foi escolhida pelo próprio povo para assumir a função em 1995 e dedicou sua vida ao movimento de resistência dos povos indígenas cearenses. “Desde 1999, quando foi anunciada a demarcação das nossas terras, nós mesmos fazemos a demarcação do nosso jeito. Todo ano fazemos a plantação de um tronco de imburana, onde a Funai apontou como nosso, na festa do Marco Vivo. Esse ano já não precisamos mais, agora nós temos uma demarcação oficial”, conta Pequena.

Quase completando 79 anos, a Cacique Pequena atualmente divide seu cacicado com duas de suas filhas: a Cacique Irê e a Cacique Jurema, que darão continuidade à liderança feminina na aldeia. Com quase 40 anos de luta pela causa indígena, ela se orgulha de ter se mantido forte e visto seu povo finalmente ter a terra garantida:

“Para mim, a demarcação, a homologação, a desintrusão e o registro da nossa Mãe Terra é uma grande conquista. Isso mostra como é bom confiar em Deus, confiar na natureza, na água, na terra, no mar. Fenômenos que dão força a gente. Gratidão!”, conclui a líder.

Além da demarcação oficial, os moradores da Aldeia ainda receberam outra surpresa durante a manhã: por intermédio da Funai, serão repassadas dez motocultivadoras para os agricultores da região. Uma das principais formas de economia dos Jenipapo-Kanindé é a agricultura, cultivando milho, feijão, batata-doce, jerimum, maxixe e hortaliças.

“Esses veículos são implementadas com uma carrocinha e uma roçadeira. A comunidade vai fazer a gestão desses equipamentos, que serão utilizados em uma agricultura de baixo impacto e familiar”, detalhou Thiago Halley Anacé, coordenador regional da Funai.

Linha do tempo dos Jenipapo-Kanindé (1995-2024):

1995 - Maria de Lourdes da Conceição Alves, conhecida como Cacique Pequena, recebe a missão de Cacique

1997 - Funai começou o processo de demarcação da terra indígena Lagoa Encantada

1999 - Terras Jenipapo-Kanindé foram delimitadas no mapa com 1.734 hectares

2004 - Funai informou que os estudos de identificação estavam concluídos. O então presidente Lula anunciou o reconhecimento e identificação dos Jenipapo-Kanindé

2011 - Foi publicada uma Portaria Declaratória que tornou a Terra Indígena Lagoa da Encantada como território tradicional do Povo Jenipapo-Kanindé

Novembro de 2023 - Assinado acordo de cooperação técnica para futura demarcação de quatro terras indígenas do Ceará (Jenipapo-Kanindé, Tapeba, Pitaguary e Tremembé de Queimadas)

Fevereiro de 2024 - Início da instalação dos marcos da Terra Indígena Lagoa da Encantada.

Fonte: Cacique Pequena

Povos indígenas do Ceará

De acordo com a Funai, o Ceará tem 20 povos indígenas: Anacé, Cariri, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Kariri-Quixelô, Karão, Paiacu, Pitaguari, Potiguara, Quixará-Tapuia, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia, Tupinambá e Warão.

Segundo o Censo 2022 do IBGE, o Ceará tem cerca de 56 mil indígenas. O dado coloca o estado como o 9º do Brasil com maior quantidade de população originária.

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