Adolescente com deficiência visual de Mulungu enfrenta falta de transporte para estudar
Estudante está sem frequentar as aulas desde o início do ano letivo e corre o risco de perder a vaga na escola por causa das faltas; mudança de gestão em Mulungu teria afetado a falta de transporte
Desde fevereiro deste ano, Maria Júlia Valentim, de 14 anos, está sem frequentar a escola devido à falta de transporte fornecido pelo município de Mulungu. A adolescente, que é cega desde o nascimento, estudava regularmente em Fortaleza até o ano passado, quando a gestão anterior disponibilizava o transporte necessário para que ela pudesse comparecer às aulas de duas a três vezes por semana. No entanto, com a mudança na administração municipal, esse suporte foi interrompido.
A mãe de Júlia, Daniele Valentim, de 39 anos, tem buscado soluções junto à Prefeitura, mas não obteve respostas concretas: “Ano passado, a gente teve todo o suporte necessário para que ela pudesse estudar. Sabendo que haveria uma mudança de gestão, tentei me antecipar e procurei os responsáveis já em 2024 para conversar sobre a continuidade do transporte. No entanto, não houve retorno. Em fevereiro, disseram que tudo seria resolvido, mas até agora nada foi feito”.
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Enquanto a adolescente segue sem estudar, sua vaga na escola em Fortaleza está em risco. A instituição exige frequência mínima, e se Júlia continuar ausente, poderá perder a matrícula. “Essa vaga foi uma conquista difícil. Se perdermos, é um retrocesso enorme”, disse Daniele.
A adolescente, que começou a ser alfabetizada apenas no ano passado, sente o impacto da interrupção dos estudos. “Ela tem crises de ansiedade, não dorme bem, chora porque quer estudar. No ano passado, ela teve uma evolução muito grande nos estudos, e agora está parada. Isso afeta não só o aprendizado, mas o psicológico dela”, conta a mãe.
Educação inclusiva ainda é um desafio no interior
A dificuldade de acesso ao transporte evidencia um problema maior: a falta de estrutura para a educação especial no interior do Estado. Segundo Daniele, a filha estudou em escolas regulares de Mulungu, mas enfrentou diversas dificuldades. “Ela passou anos na escola sem aprender Braille e, muitas vezes, ficava apenas como ouvinte. Além disso, sofreu bullying e não recebeu o suporte adequado”, conta.
A única alternativa para garantir o desenvolvimento acadêmico de Júlia foi buscar uma instituição especializada em Fortaleza. No Instituto dos Cegos, além das aulas regulares, a adolescente recebe acompanhamento específico para suas necessidades. “Lá, ela tem todo o suporte que precisa, mas sem o transporte da Prefeitura, ela simplesmente não consegue estudar”, explica a mãe.
Apesar das dificuldades, a Prefeitura disponibilizou transporte para Júlia apenas uma vez por semana, mas não para a escola e sim para os treinos de Goalball, esporte voltado para pessoas cegas. “É importante que ela pratique esporte, mas a prioridade deveria ser a educação. A gente insiste, pede reuniões, mas sempre adiam, dizem que estão resolvendo, mas nada acontece”, desabafa Daniele.
Ausência de políticas públicas voltadas para a acessibilidade município
Além da falta de transporte escolar, Daniele também aponta a ausência de políticas públicas voltadas para a acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência em Mulungu. “Minha filha é cega, usa bengala e tem direito de se locomover pela cidade, mas muitas pessoas sequer entendem isso. O tapete tátil é obstruído, ninguém tem consciência da importância dele. Nunca houve campanhas de conscientização”, critica.
Mudança de gestão municipal impactou deslocamento da estudante para Fortaleza
Ao O POVO, o secretário de Educação, Michel Platiny, informou que a mudança de gestão municipal exigiu ajustes administrativos, o que impactou a disponibilidade do transporte. “Sempre buscamos contribuir para o desenvolvimento da Júlia, mas estamos em um período de reestruturação. Ainda assim, temos garantido pelo menos um deslocamento semanal para Fortaleza e estamos buscando soluções para ampliar esse suporte”, afirmou Michel.
Ele também destacou que manteve contato com a mãe da estudante e pretende se reunir com ela nos próximos dias para definir um plano viável para que Júlia volte a frequentar a escola.
Questionado sobre a acessibilidade nas escolas de Mulungu, o secretário reforçou que as unidades passaram por melhorias estruturais nos últimos anos. No entanto, reconheceu que o município ainda não conta com profissionais especializados em Braille, o que pode ter dificultado a adaptação de Júlia no passado.
“A escola Maria Amélia Pontes, por exemplo, é totalmente acessível. Além disso, temos uma equipe multidisciplinar com psicólogos e psicopedagogos para atender os alunos. No ano passado, disponibilizamos uma professora para acompanhar Júlia e capacitá-la, mas infelizmente essa iniciativa não teve continuidade. Estamos buscando alternativas para oferecer um atendimento mais adequado”, explicou.