Além da fé, dia de São José simboliza o culto às raízes e à identidade cearense
Dia de São José, padroeiro do Ceará, é comemorado nesta quarta-feira, 19 de março. Confira a programação no Estado
Para os nordestinos, o dia 19 de março é muito mais do que um simples feriado. A data, conhecida por celebrar o Dia de São José, simboliza ainda as tradições e esperança de um povo. “Se chover no dia de São José, não há cearense ou nordestino que não se alegre”, afirma o agricultor, poeta e profeta da chuva José Erasmo Barreira, 77 anos.
Natural do sertão de Quixadá, município localizado a 169,61 km de Fortaleza, o profeta explica que a data celebra a esperança de uma colheita farta, mesmo em épocas de escassez.
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A relação entre o santo e o campo foi fortalecida ao longo dos anos, como detalha o padre Rafhael Silva Maciel, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, e mestre das Celebrações Litúrgicas da Arquidiocese de Fortaleza.
“São José está presente na devoção do povo cearense desde que aqui chegaram os primeiros missionários jesuítas, prova disso é que ele recebeu o título de São José de Ribamar. Na questão cultural, a devoção, mesmo que não explícita, aparece seja no nome José que muitos cearenses receberam, seja na tradição de se apegar a São José como último bastião quando as chuvas são fracas”, conta.
A data em devoção a São José foi aprovada pela Igreja Católica ainda em 1480, pelo papa Sisto IV. Em 1621, o pontífice Gregório XV definiu a celebração como obrigatória no calendário litúrgico da Igreja. Em 1870, São José foi declarado padroeiro universal da Igreja Católica, pelo então papa Pio IX.
Na tradição católica, São José é reconhecido como o pai de Jesus Cristo, companheiro da Virgem Maria e protetor de toda a Igreja. De acordo com padre Rafhael, “ele está presente desde o início da presença da Igreja no Ceará, quando chegaram aqui os primeiros missionários”.
No Estado, o título que se destaca ao santo é o de Padroeiro do Ceará, sendo ainda reconhecido como intercessor dos trabalhadores, dos imigrantes e das famílias, assim como padroeiro da justiça social e da boa morte.
“São José é o Patrono da Igreja Católica, e tê-lo como Padroeiro do Ceará é também um privilégio, já que o temos como guardião e protetor na terra do Filho de Deus (...) Acredito que o cearense, nordestino, vê em São José um testemunho de fé, principalmente em meio às provações”, destaca o pároco.
Profetas da chuva: a tradição por trás da sabedoria popular
José Erasmo carrega em seu nome a fé que atravessa pelo menos quatro gerações. A tradição de “ler a natureza”, como descreve o agricultor, surgiu antes mesmo da habilidade de decifrar palavras.
Com uma bagagem repleta de experiências e embalada pelos acordes de São João do Carneirinho, interpretada por Luiz Gonzaga, José relembra que, desde a infância, acompanhava o pai nas tradicionais reuniões de agricultores e fazendeiros. Na noite de Natal, o grupo se reunia para discutir os sinais da natureza, buscando prever o inverno que estava por vir.
A conexão do sertanejo com a data e a esperança por uma boa quadra chuvosa pode ser explicada por um outro fenômeno: o equinócio de outono. No Hemisfério Sul, o fenômeno costuma acontecer nos dias 20 e 21 de março. Nesse período, as regiões Norte e Nordeste do País costumam registrar altas temperaturas e índices pluviométricos mais elevados.
Para o historiador Francisco José Pinheiro, as raízes históricas da devoção a São José no Estado também podem também estar interligadas às chuvas.
“O equinócio cai exatamente dia 19 de março, e o dia 19 de março é dia de São José. Então, as pessoas passaram a relacionar o bom ou o mau inverno com São José e não com o equinócio. Quando não chove, aí a coisa complica. E aí você vai ter, por exemplo, dezenas de experiências que o sertanejo fazia para verificar isto (...) A fé, em particular a religião católica, foi um fator de resistência em momentos críticos da história do Ceará, especialmente durante esses períodos de seca e de conflitos políticos aqui na região”, detalha.
Contudo, nem sempre a chuva no dia de São José é sinônimo de bom inverno. Por isso, José Erasmo, assim como o pai, também batizado em homenagem ao santo, passou a observar a natureza para prever a qualidade do inverno.
Seu estudo começa logo após a quadra chuvosa anterior, analisando árvores como Cumaru, Pau-d’Arco, Aroeira, Juazeiro e Feijão-brabo.
“Problema é florar e segurar. Se ele florar e não segurar, para nós que pesquisamos a natureza, já sabemos que é um sinal ruim para o futuro inverno; mas, se florar e segurar, é bom”, detalha.
Além das árvores, as abelhas são indicadores importantes, de acordo com o agricultor. Em agosto, José observa se os enxames estão cheios de mel. Em dezembro, verifica novamente: se ainda estiverem cheios, é um sinal da seca que estar por vir, pois as abelhas guardam alimento para períodos difíceis. Caso contrário, indica um inverno promissor.
Outro sinal vem das formigas cortadeiras. Durante o verão, segundo o agricultor, elas acumulam bagaço em seus formigueiros. Se, no final do ano, retiram grandes quantidades, significa que estão preparando espaço para novas reservas, indicando um período chuvoso. "Nos últimos anos, elas têm esvaziado bastante, e realmente tivemos boas chuvas", comenta.
Apesar da fé e das pesquisas, seu José confessa que não está isento de cometer erros. “A minha tese é uma só. Se deu, deu. Se não deu, eu assumo. Eu digo, rapaz, a natureza não me enganou, fui eu quem não pesquisei direito, não li direito o livro da natureza, né?”, diz.
Essas observações, transmitidas por gerações, reforçam a conexão do sertanejo com a natureza. Quem aprende a olhar a terra, sabe quando pode esperar um bom inverno.
Além da fé, São José simboliza a identidade e a cultura de um povo
Nascido no Dia de São José, José Maurício Vieira Filho, 42, tem sua vida marcada por uma série de coincidências relacionadas ao santo, começando pelo batismo. Seu nome, escolhido pela mãe, Maria das Dores, e pela tia, Maria das Graças, homenageia tanto o padroeiro do Ceará quanto seu pai, que também carrega o nome José.
Nas redes sociais, o historiador e professor José Pinheiro explica como a religião se concretiza como um elemento fundamental para a coesão social na sociedade brasileira, até por volta do século XX. Ao O POVO, Pinheiro conta como a conexão entre a religião e a identidade do povo cearense também se refletiu nos nomes de batismo.
“A religião de um modo geral, não só no Ceará, mas de um modo geral, no Brasil, tem uma importância muito grande. Se você olhar na região, pegando o Nordeste, e se você fizer uma pesquisa sobre o nome das pessoas, até o século XX, eram majoritariamente nomes de santos e de santas (...) Esse é um elemento importante para você entender como a religião mexeu com a identidade”, explica.
A devoção a São José tem uma profunda influência na formação histórica e cultural do Ceará, especialmente até o final da década de 1970, quando a maioria da população era rural e muito voltada para a fé, conforme explica o historiador.
“Se você olhar, a primeira vila do Ceará, chama-se São José do Ribamar de Aquiraz. Ou seja, essa tradição católica está presente, inclusive, no nome da nossa primeira vila aqui, que hoje é Aquira”, conta.
E foi lá que nasceu José Maurício. Natural de Aquiraz, no Interior do Ceará, o jornalista e professor universitário cresceu cercado pela devoção ao santo, acompanhando familiares em procissões e recebendo felicitações de aniversários em meio às celebrações religiosas.
Atualmente lecionando na Universidade para a Paz, em São José, capital da Costa Rica, ele conta que associa a figura de São José, o santo, ao trabalho e à criação. Na tradição católica, o pai de Jesus é descrito como carpinteiro, e para ele, existe um paralelo entre esse ofício e sua função como educador, ambos moldando e construindo algo significativo.
“Eu tenho esse respeito pela devoção que as pessoas têm a São José e eu também tenho algo assim. Eu vejo a representatividade de São José, não só como o pai de Jesus, mas a questão do carpinteiro, aquele que trabalha com as mãos, aquele que cria, aquele que tem uma certa perfeição para criar o que é de útil para o outro. O professor também lapida um conhecimento para passar para os alunos. Então, vai nessa mesma lógica do fazer algo que beneficia o outro”, explica.
A distância de sua terra natal transformou o Dia de São José em uma oportunidade para José reafirmar seu vínculo com suas raízes. Orgulhoso de sua identidade cearense, ele faz questão de compartilhar sua história e origem sempre que tem a chance, mantendo viva a conexão com sua terra.

“Sabe assim, é uma questão de assumir a identidade de ser cearense, ter desbravado um caminho, e você reconhecer de onde você vem. Eu tenho essa sensação de gratidão”, confessa.
Para José Maurício, São José representa mais do que uma figura religiosa, simbolizando também a profunda ligação dos cearenses com o trabalho, a chuva e a família, elementos essenciais da cultura. Ele conta que, durante uma viagem à Guatemala, observou como a devoção ao santo se manifesta de maneiras distintas em diferentes países, o que fortaleceu ainda mais sua conexão com as tradições de sua terra natal.
Mestre e doutor em Relações Internacionais, José Maurício acredita que a fé pode ajudar a humanidade a ser mais solidária e respeitosa, especialmente em um mundo marcado por conflitos. Para ele, São José simboliza renovação, crescimento e a possibilidade de um futuro melhor para o povo cearense.
“É como se representasse a chegada dessa primavera. Tudo fica bonito, toda a paisagem muda. Eu acho que São José tem esse poder de florescer muitas vidas”, reflete.
Novena e devoção: a fé coletiva
Natural de Fortaleza e devota de São José, a consultora de RH, Luciana Nogueira, 44, conta que sua conexão com o santo é inspirada pelas virtudes do padroeiro do Estado, especialmente o silêncio, a proteção e o amor à família.
Sua devoção se aprofundou há cerca de cinco anos, durante a pandemia, um período de provações pessoais. Foi nesse momento de busca por conforto espiritual que Luciana se sentiu amparada por São José, percebendo suas intercessões e sentindo-se protegida em suas dificuldades.
Há 4 anos, a consultora de RH deu início a tradição de realizar novenas em honra a São José. Em 2024, a prática ganhou um toque especial com a participação de um grupo de amigas. Este ano, o grupo cresceu, e atualmente ela organiza a novena com 30 pessoas, com quem reza todos os dias.
"São José ele me toca profundamente por todas as virtudes que ele tem como homem, como ser humano, como pessoa; pela valorização que ele dá para a família, pelo amor que a gente percebe nas ações dele, por Maria, por Jesus. Então, assim, é um santo que em silêncio disse muito, né?”, conta.

Para Luciana, a devoção a São José também está ligada à sua identidade cultural e ao espírito trabalhador do povo cearense. “O fato de ele ser um santo que intercede muito nas causas de trabalho, nas causas profissionais e familiares. Eu acho que o nosso povo é um povo tão trabalhador, tão aguerrido, né? Então, ter ele como patrono, digamos assim, como o nosso padroeiro, isso me conecta ainda mais com ele”, detalha.
Paróquias preparam programação especial para celebrar Dia de São José
Entre missas, novenas e procissões, paróquias da Arquidiocese de Fortaleza divulgaram sua programação em homenagem às celebrações do Dia de São José, previstas entre os dias 9 e 19 de março.
De acordo com a Arquidiocese, “São José simboliza a proteção e o cuidado de Deus sobre a Igreja e as famílias. Sua imagem como o guardião da Sagrada Família se reflete na missão pastoral da Arquidiocese de Fortaleza, que busca, por meio da evangelização e do serviço, fortalecer a vida familiar e a fé dos seus membros”.
As missas em homenagem ao padroeiro do Ceará marcam uma tradição enraizada nas comunidades católicas do Estado. Em 11 paróquias, a programação da Solenidade é precedida por um novenário ou tríduo, preparando os fieis para a celebração, oferecendo um tempo de oração, reflexão e aprofundamento espiritual.
Confira a programação na Matriz das respectivas Paróquias:
Paróquia São José – Catedral, Centro, Fortaleza
- Tema: “A esperança não decepciona”
- Data: 10 a 19 de março
- Novena: 18h30min
- Missa: 19 horas
- Encerramento: Missa às 8h30min, 10h, 12h, 16h, e às 17h, procissão seguida de missa presidida por Dom Gregório Paixão, OSB
- Informações: (85) 3231-4196
Paróquia São José, Papicu, Fortaleza
- Tema: “Com São José, guardiões da criação”
- Data: 16 a 18 de março
- Novena e Missa: 18 horas
- Encerramento: 19 de março, missa às 8h30min, procissão às 17h, com saída da Praça da Matriz, seguida de missa
- Informações: (85) 99732-7333
Paróquia São José, Sapiranga, Fortaleza
- Tema: “Com São José, somos Peregrinos da Esperança”
- Data: 10 a 19 de março
- Novena: 19 horas
- Missa: 19h30min
- Informações: (85) 3033-0746
Paróquia São José, Passaré, Fortaleza
- Tema: “São José patrono da Igreja Católica”
- Data: 9 a 19 de março
- Novena e Adoração: De segunda a sábado às 19h, e aos domingos às 16h30min
- Missa: segunda a sábado, às 19h30min, e aos domingos, às 17h
- Informações: (85) (85) 99947-1556
Paróquia São José, Lagoa Redonda, Fortaleza
- Data: 9 a 19 de março
- Adoração: 18h30min
- Novena: 19 horas
- Missa: 19h30min
- Encerramento: Procissão às 19h, saindo da Capela Santa Rita para a Matriz, onde ocorrerá a missa
- Informações: (85) 98830-4829
Paróquia São José, Vila Peri, Fortaleza
- Tema: “Com São José, somos Peregrinos de Esperança”
- Data: 9 a 19 de março
- Novena: 18h30
- Missa: 19 horas
- Informações: (85) 98956-5254
Paróquia São José, Bela Vista, Canindé
- Tema: “Com São José peregrinamos com fé e esperança”
- Data: 9 a 19 de março
- Novena: 18h30
- Missa: 19 horas
- Informações: (85) 98597-4407
Paróquia São José, Dourado, Horizonte
- Tema: “Com São José, somos Peregrinos de Esperança”
- Data: 10 a 19 de março
- Novena: 18h20
- Missa: 19 horas
- Informações: (85) 98975-2327
Paróquia São José, Alto Luminoso, Cascavel
- Tema: “Com São José somos Peregrinos de Esperança”
- Data: 9 a 19 de março
- Terço de São José: 18h30min
- Missa: 19 horas
- Informações: (85) 99608-4229
Paróquia São José de Ribamar, Centro, Aquiraz
- Tema: “Com São José de Ribamar celebrando os 2025 anos de Cristo”
- Data: 9 a 19 de março
- Missa e Novena: 19 horas
- Informações: (85) 98862-1122
Paróquia São José, Centro, Maracanaú
- Tema: “Com São José somos Missionários da Esperança”
- Data: 9 a 19 de março, na Praça da Estação
- Novena: 18h30min
- Missa: 19 horas
- Informações: (85) 3371-6294
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