O que é racismo ambiental e como se apresenta no Ceará

A nomenclatura denuncia os impactos ambientais sobre as populações vulneráveis, em sua grande maioria pessoas não brancas

Crises ambientais, terremotos, inundações, deslizamentos de terra, aumento de lixos nos oceanos, dentre outros problemas, são sentidos pelas pessoas vulneráveis e de marcadores sociais específicos de cor, raça, sexualidade, renda e endereço.

Segundo o levantamento da Organização Meteorológica Mundial (OMM), foram registrados 11.778 desastres climáticos e hídricos em todo o mundo, entre 1970 e 2021, que resultaram em dois milhões de mortes e US$ 4,3 trilhões de perdas econômicas.

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Para além da distribuição desigual das riquezas, da infraestrutura dos serviços básicos, sujeitos que vivem à margem social são submetidos à incidência mais forte de episódios climáticos, como escassez hídrica, enchentes, inundações, deslizamentos, falta de energia e insegurança alimentar.

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Ou seja, são eles a grande maioria dos índices de mortes registrados. “É importante registrar que diante dessas grandes catástrofes ambientais, a população empobrecida destas cidades são as mais afetadas, e estas populações são negras, indígenas, quilombolas, mulheres e LGBTQIA+”, afirma Romária Holanda, pesquisadora e assessora no Instituto Terramar.

Ela define o conceito de "racismo ambiental" como a materialização das injustiças sociais e ambientais aos povos racializados, não brancos. “Através dele conseguimos ver as desigualdades que fundamentam e estruturam nossa sociedade, que negam direitos básicos à saúde, à terra, à habitação, ao saneamento básico e ao trabalho”, aponta.

A expressão foi criada na década de 1980 pelo pesquisador e ativista Benjamin Franklin Chavis Jr. Nos Estados Unidos, ganhou visibilidade durante protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, na Carolina do Norte, cidade predominantemente negra. O conceito foi ganhando notoriedade global devido ao ativismo negro e aos estudos que confirmaram a tese.

Racismo ambiental no contexto cearense

Uma das consequências mais expressivas de casos de injustiça ambiental é relacionada ao território e se enquadra no déficit habitacional brasileiro. São afetadas as famílias ou pessoas que vivem, basicamente, em três situações: casas extremamente precárias ou improvisadas, que dividem uma mesma residência com outra família ou que pagam um aluguel tão caro que precisam decidir se compram comida ou arcam com a despesa mensal.

Segundo estimativa do Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Ceará tem mais de 175 mil pessoas vivendo em áreas classificadas como de risco alto ou muito alto, sujeitas a possíveis incidentes de natureza geológica. E, pelas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023, aproximadamente 245 mil domicílios cearenses vivem em insegurança alimentar moderada e cerca de 206 mil em estado grave.

Rogério Costa, membro do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS) e integrante da Frente de Luta por Moradia Digna, explica que as comunidades que vivem em condições ambientais inadequadas e tem seus territórios criminalizados, são vitimas de racismo ambiental.

“Estrategias de reduzir essas comunidades para situações de criminalidade, tratar áreas verdes como matagal e o povo como marginal, são questões que afetam muito a autoestima e a identidade das pessoas que vivem nesses territórios periféricos”, destaca.

Atuante no grande Bom Jardim, ele explica que as estratégias de enfrentamento das comunidades para essas situações se manifestam em organização popular e suas atuações em movimentos que lutam por direitos. Além disso, a população utiliza seus talentos culturais e suas relações amistosas com os seus ambientes desenvolvendo experiências de plantio de recuperação de áreas degradada como parte desse processo.  

“Políticas que garantam condições de moradia digna, um ambiente equilibrado, apoio a associações de catadores de material reciclável, implantação de plano de manejo, proteção dos parques e unidades de conservação, ampliação e universalização do saneamento ambiental e de reconhecimento dos territórios indígenas são necessárias para o combate dessas injustiças”, finaliza Rogério.

Resistência e enfrentamento ao racismo ambiental no Ceará

João do Cumbe, quilombola do Quilombo do Cumbe, e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e da Organização Popular (OPA), discute que o racismo ambiental — em um território visto como espaço de reprodução social — são práticas colonialistas imperialistas que invadem as comunidades e desrespeitam toda uma cultura de ancestralidade.

“O que acontece em nossos territórios são diversas violações de direito de negação e de injustiça ambiental, além de provocar o desmantelamento das nossas práticas e das nossas atividades com um discurso de progresso, de desenvolvimento de geração de renda e melhoria de vida”, afirma.

Doutorando em História na Universidade Federal do Ceará (UFC), João do Cumbe aponta que o estado cearense se encontra atrasado em relação à demarcação e reconhecimento da população quilombola, e o racismo ambiental ainda se faz muito presente nos territórios cearenses étnico-raciais indígenas e quilombolas.

Como exemplo, ele aponta o turismo em massa, a classe de cultura, a criação de camarão em cativeiro, a invasão dos veranistas, as usinas eólicas — que ocupam esses territórios e não beneficiam os povos que vivem lá —, a invasão e privatização do espaço, e a criminalização de pessoas que atuam com luta e resistência.

“Estamos realizando atividades, hora juntos ora individual, como estratégia de permanência e de afirmação da nossa identidade, além de produzir conhecimento nas universidades para combater essas injurias ambientais. Então, desde que nós e os nossos antepassados colocaram os pés aqui, o que a gente faz é resistir, é resistência!”, finaliza.

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