Cartas para elas: alunos da rede pública escrevem a mulheres com câncer no Ceará

Por meio de um projeto, estudantes mandam correspondências a pacientes oncológicas e também àquelas que passam por outros tipos de condições médicas

Estudantes da EEEP Dr. José Alves da Silveira, em Quixeramobim, distante 212,24 km de Fortaleza, têm resgatado a emoção de uma atividade quase obsoleta: escrever cartas a punho. Desde o início deste ano, os jovens destinam correspondências a mulheres que enfrentam doenças como o câncer. Gesto, de amor e empatia, é também mágico – pois transforma palavras em fios condutores de afeto e esperança.

Batizado de "Projeto inter(AÇÃO): os plurais de causas singulares", ação literária surgiu em 2023, com o intuito de estimular a leitura e escrita de alunos das três séries do ensino médio da escola. A orientadora Rayane Fernandes, 32, conta que de início atividade era feita para valorizar textos de escritoras negras. 

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Em 2024 objetivo mudou e ato passou a ter como base a equidade de gênero para mulheres. Foi quando surgiu a ideia de fazer alunos escreverem cartas para pacientes internadas no Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), situado na região, que passam por tratamentos contra diversos tipos de câncer.

Mais de 50 correspondências foram escritas à essas destinatárias em março deste ano. A primeira experiência foi impactante o bastante para Rayane desejar mais, querer ampliar as produções.

Hoje, ela orienta no projeto cerca de 535 alunos, em 12 turmas do ensino médio, com idades entre 15 e 18 anos. Cartas são produzidas também para mulheres de outras instituições de saúde, como o Centro de Atenção Psicossocial, e textos ganham ainda formatos de cordéis, poesias, entre outros. 

Nas correspondências, alguns estudantes se apresentam como amigos e fazem perguntas como: "Você acredita em destino?". Eles também escrevem rimas motivadoras, contam histórias e falam em Deus. 

"Querido (a) amigo (a), escrevo para você com o coração cheio de empatia e esperança. Não consigo imaginar a intensidade da sua luta, mas quero que você saiba que cada dia que você enfrenta é um ato de coragem inigualável", diz o início de uma das cartas". "Não sei ao certo em quem essa carta vai chegar, mas em quem chegou há um propósito, para mim e para você", cita o começo de outra. 

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De fato, há um desígnio também aos remetentes. Para eles, o gesto deu emoção a escrita, fez as palavras ganharem importância. Jovens melhoraram a leitura e aprimoraram habilidades, sobretudo humanas.

"Hoje é uma ação que faz parte da vida deles. Não é uma prática vista como obrigatória, pois tornou-se atrativa e afetuosa. Hoje eles se preocupam em escrever bons textos, se preocupam em expressar da melhor maneira possível suas mensagens. Melhoraram o foco, comportamento e frequência", diz Rayane.

Para Pedro Lucas, estudante de 16 anos que ajudou a fundar o projeto, iniciativa despertou suas potências socioemocionais. "(Ação) trouxe de volta aquele hábito de leitura que a gente sabe que na nossa geração (está se perdendo) e que a gente precisa resgatar", frisa também o aluno da 2° série. 

Seu colega de sala, Robson Diêgo, 16, conta ter ficado com receio quando foi convidado a participar do projeto nesse ano, mas bastou a primeira ação para desejar fazer parte daquilo. 

O aluno às vezes entrega, junto aos demais estudantes, correspondências presencialmente. Eles fazem visitas, escutam histórias, renovam a esperança, amadurecem. "Ver a satisfação nos olhos e nos sorrisos das mulheres, com certeza foi uma das melhores escolhas que eu poderia ter feito", conta Diêgo. 

Destinatárias viram remetentes

Grupo conquistou neste ano o primeiro lugar no Ceará Científico Etapa Regional e pretende transformar cartas em um livro. Mas a conquista maior foi interna. Ação teve impacto até para a orientadora Rayane, que graças ao projeto superou um momento psicológico difícil. 

Na cabeça agora guarda lembranças fortes, como quando ouviu das mulheres que cartas foram "uma das poucas expressões de carinho" que já receberam. De tão gratas, destinatárias viraram remetentes.

"Enquanto as nossas práticas tem o propósito de acolher essas mulheres, a gente é acolhido em uma proporção que nunca poderíamos imaginar. Recebemos mensagens e cartas (das pacientes) dizendo "olha eu não sei seu rosto mas eu já me sinto sua amiga, queria muito que você me chamasse para sua formatura', é uma coisa que nenhum trabalho poderia proporcionar", diz o aluno Diêgo.

Pacientes aproveitam também para agradecer. "Essas cartas chegaram em um momento certo (...) Quantas vezes me peguei chorando, sem saber o que fazer", diz uma delas em correspondência. "Obrigada pelas palavras, porque ter cancêr é doloroso e assustador", agradece outra. Muitas chamam alunos de "anjos", querubins disfarçados de jovens, e dão conselhos de vida e de estudo.

Já outras se empolgam, escrevem poesias, mandam fotos. Como se palavras a devolvessem o ânimo e a autoestima. Recebem elas feito um abraço quente repentino, dado sobre uma cama fria de hospital.

Veja cartas trocadas:

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