"Culpados": Tribunal dos Agrotóxicos julga impactos à saúde e meio ambiente no Ceará
O evento reuniu agricultores, especialistas e vítimas para debater conseguências do uso de agrotóxicos no Brasil sob a perspectiva de cinco acusações
20:39 | Out. 31, 2024
O Auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, sediou o Tribunal dos Agrotóxicos nesta quinta-feira, 31. O evento reuniu diversos segmentos da sociedade civil e líderes comunitários para debater e julgar os impactos do uso de agrotóxicos no Ceará e em todo o Brasil.
O tribunal popular foi organizado com a presença de nove testemunhas de acusação, três de defesa, cinco peritos, advogados tanto de defesa quanto de acusação, além do juiz Martonio Mont'alverne. Entre as testemunhas, destacam-se agricultores e pessoas diretamente impactadas pelo uso de venenos agrícolas, trazendo vivências que revelam as consequências do uso de agrotóxicos no Brasil.
Os depoimentos e relatos abordaram temas como os impactos dos agrotóxicos na saúde física, mental e reprodutiva das famílias, a contaminação das águas, a falta de fiscalização, o uso do veneno como uma "arma química", a pulverização aérea e os conflitos territoriais decorrentes da expansão do agronegócio.
Entre os objetivos, a discussão buscou ampliar o debate sobre a regulamentação do uso desses produtos e expor os danos irreversíveis que eles causam à biodiversidade, aos ecossistemas e à segurança alimentar da população.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e seu uso traz sérios impactos à saúde pública. De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2020, um terço dos alimentos consumidos no País estava contaminado, resultado que levanta preocupações sobre a segurança alimentar e os custos sociais desses produtos.
Com a aprovação do PL 1459/2022, foi transferido o controle dos registros de novos agrotóxicos ao Ministério da Agricultura, excluindo a Anvisa e o Ibama do processo de fiscalização.
Zé Maria do Tomé
Márcia Xavier, psicóloga e filha do ativista Zé Maria do Tomé, assassinado por sua luta contra o uso de agrotóxicos por pulverização, revelou o impacto que as substâncias tóxicas tiveram em sua própria vida e em sua família. "Eu costumo dizer que o agrotóxico me fez vítima três vezes: a primeira foi quando tive uma infecção de pele, a segunda foi a morte do meu pai e a terceira foi quando minha filha foi diagnosticada com puberdade precoce, o diagnóstico foi por conta da exposição ao agrotóxico", relatou Márcia.
Magnólia Said, coordenadora técnica do Esplar (Centro de Pesquisa e Assessoria), enfatizou a importância do tribunal popular como forma de dar voz a quem vive e pesquisa os efeitos dos agrotóxicos. "Momentos como esses são importantes porque dão a oportunidade de dar visibilidade a temas que não são necessariamente ou naturalmente apresentados diariamente. É importante dizer que o agro mata, que ele interfere na questão ambiental, na saúde, na economia e em todos os aspectos do desenvolvimento", destacou.
Os agrotóxicos foram julgados sob cinco acusações centrais, todas votadas “sim” por unanimidade pelo júri, o que representa uma resposta de “culpado” para cada quesito levantado pela acusação. As acusações incluíam:
1. Danos à Saúde e ao Meio Ambiente: o uso de agrotóxicos causa danos irreparáveis à saúde e degrada o meio ambiente, afetando diretamente a segurança alimentar e nutricional.
2. Subordinação Econômica: a indústria dos agrotóxicos subordina as economias periféricas a um modelo capitalista neocolonial, usando substâncias proibidas em outros países.
3. Promessa Fraudulenta de Combate à Fome: a ideia de que os agrotóxicos contribuem para a segurança alimentar é considerada fraudulenta, pois visa apenas expandir a produção para exportação.
4. Sustentabilidade Enganosa: a indústria afirma falsamente que seus produtos são sustentáveis, omitindo o impacto das isenções fiscais e outros incentivos estatais que impulsionam seu uso.
5. Degradação da Biodiversidade e Saúde Humana: o uso de agrotóxicos, aliado a transgênicos, tem efeitos devastadores sobre a biodiversidade e potencializa a degradação dos ecossistemas e da saúde humana.
Fabrina Furtado, do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), também cearense e testemunha de acusação, apontou que o modelo econômico baseado na monocultura e no uso intensivo de agrotóxicos reforça um regime de exploração que remonta à colonização.
Ela destacou que esse modelo impõe a subordinação territorial e econômica dos povos locais às grandes corporações, que frequentemente se beneficiam de incentivos fiscais e de políticas públicas favoráveis.
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