Jeri: empresária já assinou acordo com Estado e família ainda avalia uso dos 19 lotes mantidos

Família que detém escritura com as terras da vila de Jericoacoara se manifesta pela primeira vez em entrevista, após caso vir à tona. Samuel Machado, sobrinho da empresária, diz que acordo com o Estado está assinado desde maio, para assumir apenas lotes sem construções existentes. E que uso próprio ou venda ainda serão definidos

23:23 | Out. 22, 2024

Por: Cláudio Ribeiro
SAMUEL Machado Guimarães é membro da família que detem as escrituras das terras da vila de Jeri (foto: FCO FONTENELE)

No pensamento do empresário José Maria Morais Machado, já falecido, as grandes faixas de terra adquiridas por ele no trecho do litoral oeste cearense, a partir de 1979 e ao longo de uma década, teriam sido um investimento para o cultivo de coqueiros e cajueiros.

A atividade era incentivada na época pelo Governo Federal, através do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão extinto em 1989. Uma dessas propriedades foi a Fazenda Junco I, formada da junção de três terrenos comprados pelo empresário em 1983 - quando o lugar ainda era inserido no território do município de Acaraú.

É na área da fazenda que estaria sobreposta a Vila de Jericoacoara, conforme escritura apresentada pela empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, ex-mulher de José Maria e hoje dona do documento.

A história foi detalhada nesta terça-feira, 22, em entrevista ao O POVO, pelo empresário Samuel Machado Guimarães, 49, sobrinho do "tio Zé" - como o chamava. Samuel foi o nome destacado pela família Machado para explicar mais de como surgiu a propriedade que, há poucos dias, entrou no noticiário por revelar o registro cartorial que demarca quase toda a área onde hoje existe a vila.

A localidade estaria cerca de 80% sobreposta ao imóvel particular. Samuel mostrou várias fotos de 1982, quando o tio visitou a área para a compra.

Em acordo firmado com o Governo do Estado, a empresária deverá seguir dona somente de áreas consideradas remanescentes, sem construções existentes - o equivalente a 3,47 hectares, quando a escritura abrangia 73,5 hectares (a vila tem perto de 55 hectares). 

Questionado sobre qual será a destinação dos lotes a serem mantidos em propriedade, Samuel respondeu que "hoje a família ainda não sabe o que fazer porque está esperando receber para fazer um estudo da melhor colocação dos terrenos. Mas provavelmente será para a melhoria da cidade, empreendimentos que tragam mais empregos para a vila. E mais turismo".

Se serão vendidos ou mantidos pela própria família, como restaurantes, pousadas ou moradias, o sobrinho completou: "Como não temos um estudo, não sei responder isso". Se isso estaria pelo menos cogitado, ele resumiu: "talvez".

Mas ressaltou que qualquer decisão ou empreendimento seguirá submetido a legislações locais que restringem o porte de construções.

A escritura lançou um cenário de dúvidas para a comunidade de Jeri. Sobre qual será o redesenho da localidade após o acordo firmado entre o Governo do Ceará e a empresária. Após o divórcio com José Maria, em 1995, ela assumiu a propriedade dos vários terrenos comprados pelo ex-marido. Pelo menos três deles estão no mesmo traçado do mapa tanto da vila como do Parque Nacional de Jericoacoara: as fazendas Junco I e II e Caiçara.

Somariam em torno de 1.600 hectares. Na análise da cadeia dominial, que permite rastrear a origem do título até o início de sua existência, o documento relacionado à questão da vila foi considerado legítimo, e com validade, por órgãos estaduais e federais que tratam de questões jurídicas, ambientais e fundiárias.

Segundo Samuel Machado, o acerto entre sua tia e o governo estadual já está assinado. "Desde maio deste ano", confirma o advogado Anderson Parente, que participou da entrevista.

Na segunda-feira, 21, o titular da PGE, Rafael Machado, informou ao O POVO que o acordo foi suspenso por 20 dias, contados desde o último dia 14. A pedido do Conselho Comunitário de Jericoacoara. Naquele dia, a entidade local se reuniu com Idace e PGE, em Fortaleza, e pediu um prazo para se manifestar formalmente sobre os termos do acordo.

Pelo combinado, a empresária renuncia a pontos da localidade onde estão as habitações, comércios, pousadas, restaurantes, até mesmo ruas, praças e outros imóveis de interesse público.

Os termos vêm sendo discutidos desde julho de 2023, quando Iracema Correia São Tiago apresentou o título de propriedade da área ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), para tratar da regularização fundiária.

Desde então, foi iniciado o debate jurídico, que incluiu a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e para comprovar a matrícula imobiliária como verdadeira. Segundo o sobrinho e o advogado, ela sempre se propôs a receber apenas espaços remanescentes, "que não alterassem a rotina da vila".

Na manhã desta terça-feira, 22, a diretoria técnica do Idace confirmou ao O POVO que o acordo prevê que ela mantenha a propriedade sobre pelo menos 19 terrenos na localidade.

Juntos, esses lotes totalizam uma área exata de 34.722,22 metros quadrados. Ou 3,47 hectares, que correspondem a 3,94% da arrecadação imobiliária existente na comunidade. A área é menor que os "cerca de 5%" que vinham sendo divulgados.

Pelo menos dois lotes foram demandados no acordo pelo governo estadual. Um deles deverá sediar um estação de estudos da Universidade Federal do Ceará (UFC), segundo o governador Elmano de Freitas, em entrevista ao na segunda-feira ao programa O POVO News, no canal do O POVO no Youtube.