Ácido presente no café e no feijão verde pode prevenir déficits de memória, demonstram testes realizados com animais na UFC

O ácido clorogênico promoveu melhora significativa no aprendizado e na memória dos animais; mais estudos são necessários para confirmar achados em humanos

Mais de um milhão de pessoas convivem com a doença de Alzheimer no Brasil, um transtorno que registra 100 mil novos casos por ano no País, conforme o Ministério da Saúde (MS). Apesar de descrito pela primeira vez há mais de um século, o distúrbio ainda é pouco compreendido e não conta com tratamentos capazes de curá-lo, apenas de retardar sua progressão e controlar alguns de seus sintomas.

Na tentativa de desbravar caminhos para novas possibilidades de terapia, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) descobriu que um ácido presente em diversos alimentos da dieta humana é capaz de prevenir um dos principais sintomas da patologia: os déficits de memória.

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Presente no café, no chá, no feijão verde, em frutas cítricas, na maçã e em diversos outros itens alimentícios, o ácido clorogênico é um polifenol – ou seja, um composto orgânico presente em diversas plantas – que possui comprovada ação neuroprotetora, antioxidante e anti-inflamatória.

Partindo desse conhecimento, pesquisadores da Faculdade de Medicina (Famed) resolveram testar se essas funções poderiam, de alguma forma, diminuir os efeitos da doença de Alzheimer. Para isso, induziram sintomas da doença em camundongos e testaram o tratamento com o ácido.

Os resultados mostraram que a substância protegeu os camundongos da morte de neurônios, diminuiu a neuroinflamação decorrente da doença e ainda aumentou o fator de crescimento da chamada BDFN (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro), uma proteína que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento, no crescimento e na manutenção dos neurônios.

O procedimento promissor foi descrito em artigo publicado há poucos meses na revista internacional Molecular Neurobiology. Além disso, o trabalho ganhou menção honrosa no 48º Congresso da Sociedade Brasileira de Imunologia: NeuroImmunology 2024.

“Como substância ativa natural, o ácido clorogênico exerce diversos efeitos em resposta a uma variedade de desafios patológicos, particularmente condições associadas a doenças metabólicas crônicas e distúrbios relacionados com a idade”, analisa a professora Geanne Matos de Andrade, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Famed.

O estudo informa que já existem evidências científicas que indicam que o consumo da substância reduz a incidência de diferentes doenças cerebrais, como demência, depressão e isquemia cerebral.

A pesquisa indica que o ácido clorogênico poderá vir a ser usado como uma terapia adjuvante, ou seja, um tratamento realizado em adição à terapia-padrão principal ou inicial, muitas vezes com o intuito de diminuir a dose ou os efeitos colaterais.

“A terapia adjuvante também tem a proposta de agir em outras vias relacionadas com a doença. No caso da doença de Alzheimer, o tratamento com o ácido poderia diminuir a neuroinflamação. A ação se daria para reduzir o estresse oxidativo e para melhorar a sinalização da insulina, diminuindo o processo de morte neuronal que acompanha a doença”, acrescenta a professora.

A pesquisadora Jéssica Rabelo Bezerra, autora da tese de doutorado em Farmacologia que fundamentou o estudo, destaca a importância do ácido clorogênico como uma substância promissora no combate aos déficits cognitivos associados à doença de Alzheimer.

“Ao demonstrar sua capacidade de reduzir neuroinflamação e preservar neurônios em um modelo experimental da doença de Alzheimer, acreditamos que ele pode vir a ser uma ferramenta valiosa no tratamento adjuvante, ajudando a retardar a progressão da doença e a melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, avalia. Segundo ela, os resultados reforçam a importância de se continuar investigando as aplicações terapêuticas do referido composto orgânico.

A Profª Geanne Matos informa que já existem na literatura científica alguns ensaios clínicos demonstrando o efeito benéfico do ácido clorogênico em doses farmacológicas entre 300 e 1.000 mg/kg.

“Mas os estudos são com poucos pacientes e muitas vezes não são bem controlados”, pondera. É indispensável, portanto, que novas pesquisas sejam realizadas para que tais achados sejam confirmados.

A pesquisadora informa que, para que um tratamento para doença de Alzheimer com ácido clorogênico em forma de droga ou fitoterápico chegue às prateleiras, ainda são necessários alguns anos, pois precisam ser executados testes com voluntários em três diferentes fases. Esses testes, reforça, são caros e despertam pouco interesse da indústria farmacêutica.

Como foram os testes

A professora explica que o modelo experimental empreendido simula nos camundongos a doença de Alzheimer esporádica (DAE), a forma mais comum da doença. Essa simulação, que seguiu os princípios éticos do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, foi feita pela aplicação nos roedores de estreptozotocina (STZ).

Trata-se de uma droga comumente usada para produzir o diabetes e que, se administrada por meio de injeção nos ventrículos cerebrais, leva a alterações bioquímicas e fisiopatológicas semelhantes às observadas na doença de Alzheimer, resultando em déficits cognitivos.

O tratamento com o ácido clorogênico foi realizado duas horas após a aplicação de STZ de forma diária durante 25 dias. Após o período de tratamento, foram feitas avaliações nos animais, testando os movimentos exploratórios, a memória aversiva e espacial e sua capacidade de reconhecimento de novos objetos.

Os animais que receberam STZ apresentaram déficit nesses três tipos de memória, e o tratamento com o polifenol foi capaz de promover melhora significativa no aprendizado e na memória dos animais. O estudo considera que esse efeito protetor foi possivelmente devido à atividade anti-inflamatória e antioxidante do ácido clorogênico.

“Embora mais estudos sejam necessários para confirmar esses achados em humanos, a pesquisa representa um passo importante no entendimento das propriedades neuroprotetoras do ácido clorogênico”, avalia Jéssica Rabelo Bezerra.

Além de Jéssica Bezerra e da Profª Geanne Matos, assinam o artigo as pesquisadoras da UFC Tyciane de Souza Nascimento, Juliete Tavares, Mayara Sandrielly Soares de Aguiar e Maiara Virgínia Viana Maia.

Sérgio de Sousa, da Agência UFC

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