Maioria dos pedidos de 'interdição' de pessoas são ligados a saúde mental
Ceará registrou quase 18 mil ações judiciais de curatela protocoladas pela primeira vez em três anos, segundo dados do Tribunal de Justiça do CearáEntre 2021 e 2023, a Central de Atendimento de Estatísticas Processuais do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) registrou o ingresso de 17.904 ações judiciais protocoladas pela primeira vez em razão da interdição/curatela de pessoas. São, em média, 497 a cada mês.
Nos três primeiros meses deste ano foram 1.593 novas ações — 531 a cada 30 dias. As ações de interdição envolvem dramas familiares, que, na maioria das vezes, têm relação direta com problemas de saúde mental. A análise é do promotor de Justiça Eneas Romero, que atua na Defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência em Fortaleza.
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A ação de curatela tem relação direta com a incapacidade do indivíduo para atos negociais da vida civil. Ou seja, é a situação de pessoas que possuem limitações que não as permite fazer atividades como, por exemplo, comprar um aparelho celular, realizar um empréstimo bancário ou realizar negociações de natureza civil.
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Eneas Romero destaca que, apesar de ser mantido na lei, o termo "interdição" é pouco utilizado atualmente.
As ações judiciais, em tempos de inclusão, são excepcionalíssimas, a partir da premissa de que todas as pessoas são capazes. Neste tipo de ação, o curatelado é aquele que está sem capacidade para os atos negociais. Já o curador é a pessoa que se responsabiliza pelo curatelado.
Entenda como são realizadas as ações de curatela
Romero cita o exemplo de uma pessoa com alzheimer e que, em razão da gravidade do quadro de saúde decorrente da doença degenerativa, deixa de possuir a capacidade para prestar um ato de natureza civil. Nesta situação, a pessoa pede a curatela perante o juiz.
Todos os estados possuem varas especializadas para que o magistrado defina a curatela provisória ou a curatela definitiva — esta última para situações excepcionais.
Uma pessoa de 100 anos pode viver tranquilamente sem a curatela, ressalta o promotor. A questão não é relacionada à idade, mas à incapacidade. Pessoas que têm uma limitação que não é cognitiva exercem seus atos negociais sem a necessidade da curatela; por meio de procuração, por exemplo, é possível designar alguém para resolução de pendências de diferentes ordens.
A interdição pode ser solicitada na Justiça por cônjuge, companheiro, companheira ou familiares. Em alguns casos o Ministério Público do Estado (MPCE) pode entrar com a ação e nomear alguém que tenha uma relação com a pessoa e dar a ela tal responsabilidade.
Durante uma longa permanência em unidade para idosos ou unidades de acolhimento, o curador pode ser o diretor da entidade. "A responsabilidade de cuidar é da família, estado e também da sociedade", acrescenta.
Promotor relembra caso no Rio de Janeiro
O promotor destaca que, muitas vezes, o MPCE recebe casos em que a própria família está causando o prejuízo para aquela pessoa. "O que acontece na prática é que o filho que está extorquindo a mãe e ela fica situação de penúria e fome", descreve.
Um caso nacional que chamou atenção ocorreu em abril, dentro de agência bancária do Rio de Janeiro. Um idoso foi levado para o estabelecimento por uma sobrinha com o intuito de receber valores de um empréstimo.
Os profissionais do banco, responsáveis pelo atendimento, perceberam que o homem, que estava em uma cadeira de rodas, não estava consciente. Ao acionar o socorro foi verificado que o idoso estava morto. O caso foi encaminhado à delegacia e a sobrinha foi presa. A defesa alegou que o homem havia morrido dentro da agência bancária. Tal imbróglio envolve situação de direitos civis.
Para o promotor de Justiça, a mulher podia estar realizando uma extorsão ao levar o idoso, em situação de vulnerabilidade, para receber o empréstimo.
Ações de curatela no Ceará (primeira protocolação)
- 2019: 4.662
- 2020: 2.245
- 2021: 5.304
- 2022: 6.165
- 2023: 6.435
- 2024: 1.593
Entenda em quais casos uma pessoa pode ser interditada
Uma pessoa pode ser "interditada" em casos de saúde mental que causam a incapacidade, ou por deficiência grave que causa um risco aos atos civis e questões de dependência química que a pessoa gerou um nível de incapacidade para praticar atos negociais.
A lei diz que é possível interditar a pessoa pródiga — ou seja, uma pessoa que gasta e esbanja de modo desproporcional e que não tem capacidade de administrar os bens. "É importante que não se confunda a ação de curatela com o ato de retirar o direito e liberdade de fazer escolhas. A pessoa tem o direito de fazer as escolhas que ela quer", pontua.
O drama da ruptura familiar
Outras ocorrências que chegam com frequência ao MPCE são relacionados a ruptura familiar. Nestes casos, há uma pessoa que precisa de curatela para administração de bens.
"Esse é um grande drama. A mãe que cuidou do filho que tem deficiência múltipla a vida toda e a mãe falece. E essa pessoa precisa ser cuidada. Alguns recebem pensão ou BPC, mas, para receber os valores, precisam de curatela. Há casos em que a pessoa nomeada é um vizinho, alguém que criou um vínculo. Essas pessoas procuram o MPCE", ressalta o promotor de Justiça Eneas Romero.
O primeiro ponto para dar início ao processo é um laudo que mostre que a pessoa necessita de curatela e que a pessoa a ser nomeada é capaz de ser um curador.
Durante os trâmites, há uma oitiva da pessoa com deficiência. O Ministério Público tem cuidado nos casos, pois há indivíduos que querem ficar com o dinheiro da pessoa curatelada e acabam entrando com as ações.
No caso de desconfiança de que há uma pessoa explorando uma pessoa na situação de curatela, é possível fazer uma representação para o Núcleo do Idoso e Deficiência do MPCE. Ainda é possível denunciar crimes à Delegacia do Idoso e da Pessoa com Deficiência.
Ações de interdição e benefícios previdenciários
No caso de benefícios previdenciários, em regra, não é necessário que exista um termo de curatela. O advogado Matheus Saldanha, especialista em Direito Previdenciário, explica que não é necessário um termo de curatela para pedir concessão ou reestabelecimento ou até uma revisão de um benefício previdenciário.
Em caso de processo judicial referente ao benefício, durante o processo e após a perícia, o perito pode constatar que a pessoa é totalmente incapaz. A partir desta constatação, é necessária a nomeação de um curador. Alguns juízes nomeiam um curador no próprio processo.
O advogado pontua que, se já é de conhecimento que a pessoa é incapaz e que em algum momento ela pode buscar um benefício, é importante ingressar com a ação antes para obter a curatela na Justiça. Nos casos de menores de 18 anos, por exemplo, não existe a necessidade de curatela: o tutor nato é o representante.
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Administrativamente, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) possui um procedimento próprio que traz documentos e formulários específicos para facilitar a situação. Ainda de forma administrativa, o INSS pode exigir que a pessoa apresente o termo de curatela.
A finalidade é validar a legitimidade do curador. "Aconselho a ter o termo de curatela para evitar problemas futuros como obter o benefício", aponta.
O advogado aponta que nem sempre é possível definir se a pessoa é totalmente incapaz. Em algumas situações, há tramitação do processo, mas, após a perícia médica, é constatada a total incapacidade. Assim, o próprio juiz pode nomear o curador.
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