Estudo inédito confirma contaminação de peixes e moluscos no delta do Parnaíba

| Ameaça | Realizada pelo Labomar da UFC e publicada em periódico científico internacional, análise revela rede complexa de poluição química ligada à falta de gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos

18:00 | Set. 25, 2024

Por: Daniel Oiticica
PROFESSOR Rivelino Cavalcante, do Labomar/UFC, trabalha pela proteção dos ecossistemas costeiros e marinhos do Nordeste (foto: Marieta Rios/Especial para O POVO)

Um estudo realizado pelo Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), publicado na edição de agosto do Journal of Environmental Management, acende mais um alerta sobre a contaminação com agrotóxicos em águas, peixes e mariscos do Delta do Parnaíba.

Coordenado pelo professor Rivelino Cavalcante, do Labomar, o estudo inédito em uma região costeira da América do Sul, comprova que existe na zona do delta "uma rede complexa de poluição química ligada à falta de gerenciamento eficiente de resíduos sólidos e líquidos".

A Área de Proteção Ambiental do delta do Parnaíba abrange 10 municípios: Chaval e Barroquinha, no Ceará; Tutóia, Paulino Neves, Araioses e Água Doce do Maranhão, no Maranhão; e Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia, no Piauí.

"O Brasil tem um problema muito sério com o gerenciamento de seus resíduos sólidos e líquidos", afirmou o professor Rivelino, em entrevista à Caravana. "Um medicamento que não vai parar no lugar adequado e é descartado no meio ambiente será absorvido pelos organismos que nele vivem", explicou.

O estudo publicado pelo Journal of Environmental Management, uma das maiores publicações do mundo especializada em gestão ambiental, enfatiza a identificação em peixes e moluscos de níveis elevados de pesticidas usados normalmente para o combate de pragas em plantações.

Essa contaminação é extremamente perigosa para a saúde humana. Segundo o estudo, existe uma interconexão da saúde ambiental e humana em ecossistemas costeiros, o que exige um monitoramento contínuo e estratégias de gestão adaptativa para proteger esses ambientes e as comunidades que dependem deles.

"Esses contaminantes são reconhecidamente biacumuláveis, ou seja, entram no organismo e nele ficam, sem serem metabolizados. Assim, se tornam um problema para organismos não alvos, como o homem, uma vez que há evidências de causarem danos neurológicos e cognitivos graves em longas exposições", afirmou o professor Rivelino.

Além de evidenciar a urgente necessidade de um controle maior sobre o gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos, o trabalho inédito do Labomar tem uma importância crucial para o futuro dessas análises. Ele vai servir como linha de base para os próximos estudos que os especialistas do Labomar e de outros laboratórios podem vir a realizar.

Segundo o professor Rivelino, um dos estudos em fase inicial está relacionado aos caranguejos que habitam a região do delta do Parnaíba até o Rio Grande do Norte. "Vamos ter um panorama muito interessante sobre a saúde destes animais e como eles estão sendo impactados pelo tipo de atividade no ambiente", revelou o professor.

No início do ano, o Labomar da UFC já havia comprovado a elevada contaminação em águas, peixes e mariscos dos rios Ceará e Cocó, pelo uso intensivo de agrotóxicos urbanos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Comumente chamados de pesticidas, e aplicados no combate a pragas domésticas, estes poluentes provocam sérios riscos à saúde humana.

No rio Ceará, o Labomar da UFC coletou amostras de água e de sedimentos da região de mangue por onde o rio passa. Os resultados divulgados na época já haviam confirmado a presença de substâncias altamente tóxicas para organismos marinhos e de estuário, em níveis de magnitude semelhantes àqueles encontrados em áreas agrícolas e, em alguns casos, em volumes ainda maiores.

Segundo a pesquisa, os agrotóxicos encontrados em grandes quantidades no rio Ceará estão relacionados ao controle químico realizado na RMF no combate a pragas urbanas e vetores, como o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças conhecidas como arboviroses, como a dengue, a zika e a chikungunya.