Terra seca a cada amanhecer: o que é a desertificação e quais os impactos no Ceará

A condição é causada, principalmente, pela ação do homem, como desmatamento, queimadas e extrativismo desordenado

08:00 | Set. 12, 2024

Por: Luíza Vieira
Ceará é o único estado do Nordeste com todo o seu território suscetível à desertificação (foto: FCO FONTENELE)

Erosão, compactação, infertilidade no solo, perda da biodiversidade e redução ou perda da produtividade são os sinais mais evidentes de que um território está em processo de desertificação, ou seja, degradação das terras nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas. Em linhas gerais, a desertificação é a transformação de uma área fértil e rica em vegetação em um solo improdutivo.

A condição é causada tanto por fatores ambientais, quando há maior evapotranspiração e menor quantidade de chuvas, quanto por fatores antrópicos, como o desmatamento da vegetação, queimadas, extrativismo desordenado e uso inadequado do solo para produção.

“Uma das formas que conseguimos perceber esse processo é a partir da vegetação. Quando a vegetação nativa não consegue mais se recuperar de forma natural, ou seja, sem intervenção, ou se na área o agricultor não consegue mais produzir culturas agrícolas, ela está degradada em processo de desertificação”, pontua a pesquisadora em solos da Fundação de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Rousilene Silva.

Um mapeamento feito em 2016 pela Funceme, em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostrou que, no Estado do Ceará, três áreas se apresentam muito comprometidas quanto à preservação dos recursos naturais: a região dos Inhamuns/Sertões de Crateús; o município de Irauçuba e regiões circunvizinhas; e o Médio Jaguaribe.

O gráfico mais recente do órgão foi produzido em 2019 por meio da Gerência de Estudos e Pesquisas em Meio Ambiente (Gepem). A estatística mostrou que o Ceará já apresenta 11,45% do seu território com áreas fortemente degradadas em processo de desertificação. Os Inhamuns, o Médio Jaguaribe e parte do Centro-Norte continuavam na lista dos municípios mais afetados pela condição.

Conforme o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, 100% do Ceará é considerado Área Suscetível à Desertificação (ASD). Segundo a Resolução Nº 115, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), 98,7% do Estado está dentro da Região Semiárida do Brasil.

Baixas temperaturas em municípios em desertificação

No dia 25 de julho deste ano, o município de Parambu, na microrregião do Sertão dos Inhamuns, registrou uma temperatura de 12,9º, a mais baixa dos últimos 52 anos, período em que a Funceme começou a monitorar a temperatura no Ceará.

A professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em desertificação, Marta Celina Sales, explica o motivo da cidade, que está dentro das Áreas de Suscetibilidade de Desertificação (ASD), registrar baixas temperaturas nessa época do ano.

“Entre 21 de julho e 21 de setembro a nossa região recebe pouca radiação. Os raios do sol atingem mais as regiões Norte do planeta, daí o verão deles e o nosso inverno. Então, cria, nesse período, na nossa região, as condições de uma amplitude térmica, ou seja, a diferença entre a maior e a menor temperatura fica muito alta”, explica.

De acordo com ela, as baixas temperaturas não têm relação direta com a desertificação, visto que o primeiro fator ocorre em determinados períodos do ano, especificamente do mês de julho a setembro, enquanto o segundo é resultado de ações antrópicas e ocorre de forma contínua.

“Não quer dizer que a desertificação não esteja com processo em andamento nessas regiões, mas essa é só uma variável, que é a temperatura, somente nesses períodos do ano. Quanto mais dentro do continente, que a gente chama de continentalidade, mais distante do mar, mais essas temperaturas da madrugada caem”, reforçou Marta.

Seca x Desertificação

A seca é um processo meteorológico que depende de sistemas atmosféricos que circulam na região e, muitas vezes, em escala global, mas não é um fator permanente de determinado território. A desertificação, por sua vez, é um processo contínuo de degradação ambiental das regiões áridas, semiáridas e subúmidas.

“Toda região semiárida do mundo está sujeita a essas secas, mas nem toda região semiárida do mundo está em processo de desertificação. A seca é inerente a esse tipo climático, mas a degradação é o uso contínuo das áreas sem respeitar o ritmo e capacidade dessas áreas se recuperar”, esclarece a especialista em desertificação, Marta Celina.

Causas e consequências da desertificação

Queimadas, desmatamento, manejo inadequado do solo e sobrepastoreo, são as principais causas da desertificação. No Ceará, especificamente, o clima de semiaridez e o solo raso contribuem para o processo, visto que, por não estarem protegidos pela vegetação, as águas pluviais não se infiltram nele, resultando no carreamento superficial.

“No Ceará, principalmente nas áreas do sertão, ainda utilizam muita lenha como matriz energética, então isso causa um desmatamento desordenado e o solo fica exposto a intempéries e erosão”, pontua a pesquisadora em solo das Funceme, Rousilene Silva.

Como resultado da desertificação está a degradação do solo, que é a base de sustentação da vegetação e da fauna, bem como a perda da biodiversidade e o assoreamento dos rios e corpos hídricos. 

“A terra está morrendo, não dá mais pra plantar, se plantar não nasce, se nascer não dá”, relata o pernambucano Luiz Gonzaga em uma de suas canções, por volta de 1989. Trinta e cinco anos depois, o cenário segue sendo a realidade de muitos moradores do semiárido brasileiro, território que mais sofre com a desertificação do solo.

Além do fator ambiental, a desertificação pode afetar, também, os fatores sociais, como a superpopulação das cidades, por exemplo. Por afetar gravemente a produção, muitos agricultores que residem nos territórios em processo de desertificação migram da zona rural para a zona urbana buscando melhores condições de vida. 

Ações de combate à desertificação

O manejo adequado do solo e produção com responsabilidade são as duas principais ações de combate à desertificação. Essas medidas podem ser adotadas por meio do uso de técnicas agroecológicas, a exemplo de adubação verde, combinação e rotação de culturas e a extinção de agrotóxicos no solo.

A junção dessas técnicas de manejo podem ser caracterizadas como um processo de recuperação do solo. A Funceme, por exemplo, iniciou, em 2014, o Projeto Brum, um trabalho desenvolvido a fim de reconstruir uma área degradada no município de Jaguaribe, distante 312 km de Fortaleza. 

“Nós estamos com uma área em processo de recuperação e, lá, aplicamos algumas técnicas de manejo para recuperar o solo e a vegetação. Estamos na fase de monitoramento e já tivemos resultados muito positivos. O próximo passo será, talvez, produzir lá, houve um aumento na produção de mel mas ainda não tivemos nenhuma prática de produção agrícola”, exemplificou Rousilene Silva, pesquisadora da Funceme.