Fortaleza teve dia com pior índice de qualidade do ar devido às queimadas no Brasil
Dados são referentes ao último sábado, quando a Cidade atingiu o maior nível de concentração no ano; partículas são provenientes de queimadas na Amazônia, no Sudeste do Brasil e no continente Africano
06:00 | Ago. 28, 2024
Fortaleza registrou, no sábado passado, 24, a maior média de aerossois no ar em todo o ano, conforme dados da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), que mede a qualidade do ar em movimento. Com 34,3 microgramas por metro cúbico (µg/m³), o nível de concentração do material na atmosfera da Capital foi cinco vezes maior que o recorde anterior de 6,6 µg/m³, registrado no dia 18 de janeiro, durante os incêndios do Parque do Cocó. Foi o pior índice de qualidade do ar em 2024.
Segundo informações da Fundação Cearense de Meteorologia de Recursos Hídricos (Funceme), o aumento dessas partículas, conhecidos como Material Particulado 2.5 (MP2.5), no ar é resultado das queimadas que ocorrem desde o início do mês de agosto na Amazônia, no Sudeste do Brasil e no Continente Africano.
Existem dois tipos de material particulado. O MP2.5, que possui tamanho inferior a 2.5 micrômetros de diâmetro, e o MP 10, com medidas entre 2.5 e 10 micrômetros de diâmetro.
Ambas as partículas podem ser inaladas durante a respiração. Oriundas principalmente de queimadas, como a de combustíveis fósseis, os materiais podem causar prejuízos à saúde, como problemas cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórios, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
A diferença entre os dois está na quantidade que pode ser inalada pelo ser humano. No caso do MP2.5, o limite de concentração diária média recomendado pela OMS é de 15 µg/m³, ou seja, menos da metade do nível presente em Fortaleza no último 24 de agosto. Já para o MP10, o teto permitido é três vezes maior, com média de 45 µg/m³ ao dia.
Carregados por correntes de ar, esses aerossois chegam ao Ceará por meio de dois diferentes sistemas: a Alta Subtropical do Atlântico Sul e a circulação atmosférica do continente Sul-americano.
A primeira delas é responsável por trazer os resíduos vindos da África até o litoral cearense. Originada por um sistema de pressão próximo ao trópico de Capricórnio, a Alta Subtropical faz com que os ventos alísios que sopram no sentido leste-oeste cheguem até o Estado, trazendo consigo os aerossois atualmente gerados na região do Congo.
Outro fator que impulsiona a chegada desses ventos é a saída da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) do Hemisfério Sul em direção ao Hemisfério Norte, abrindo espaço para que as massas de ar passem mais próximo à costa cearense.
Essa saída da ZCIT para o Norte, abrindo espaço para a aproximação das massas de ar em relação ao litoral também é responsável pelo período de muita ventania no segundo semestre, conhecido aqui no Ceará como temporada dos ventos.
“O grosso do material que a gente está recebendo tem vindo do continente africano. Se você tiver acesso a imagens de satélite vai ver que ali, especialmente na floresta do Congo rumo ao Sul, tem bastante queimada sendo produzida. Esse é o material que está sendo trazido por esses ventos”, explica o professor do mestrado em Climatologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alexandre Costa.
Queimadas da Amazônia e do Sudeste espalham fumaça para todo Nordeste
Não só as fumaças do continente africano têm prejudicado o céu do Ceará, mas também os aerossois produzidos nas queimadas da Amazônia e do Sudeste brasileiro. Esses por sua vez, são trazidos não só até o Ceará, mas a todo o Nordeste, através da circulação atmosférica presente na América do Sul.
O caminho é longo e se inicia na região amazônica, com a produção de MP2.5 através das queimadas. Saindo do Norte do País, a fumaça tem sido levada pelos ventos em direção à Cordilheira dos Andes, onde desce até o sul do continente, e finalmente sobe em direção ao Nordeste, chegando eventualmente ao Ceará.
Durante essa subida, os ventos encontram a fumaça produzida no Sudeste brasileiro e a incorporam. É esse processo que, mesmo com a perda de parte dos poluentes durante o caminho, tem feito com que o MP2.5 originado no resto do país chegue até a Capital, como explica o meteorologista da Funceme, Lucas Fumagalli.
“Justamente por esse tipo de circulação é que existe o transporte de material particulado das queimadas da região amazônica e centro-oeste do Brasil. Porém, também não é em grande quantidade, mas é uma quantidade suficiente que contribui para esse aspecto do céu que a gente tem observado”, afirma o profissional.
Lucas ainda pondera que a concentração deste material em cada região pode variar de forma constante, e depende da fonte de origem e do comportamento da circulação atmosférica no dia.
Ausência de chuvas também auxilia na concentração de MP2.5
Se as correntes de ar ajudam os materiais particulados ao Ceará, outro fator que auxilia na manutenção desses aerossois na atmosfera por mais tempo é a ausência de chuvas.
Característico do Ceará no segundo semestre, o clima de estiagem impede que a água das chuvas derrube essas partículas presentes no ar e “limpe a atmosfera” da Capital. Nas atuais condições as partículas até podem sumir sozinhas, mas em um ritmo muito mais devagar.
“São dois processos que levam à remoção dessas partículas na atmosfera. A remoção seca, que é simplesmente pelo fato de que essas partículas se sedimentam, elas caem. Só que esse é um processo muito lento. Elas caem lentamente pela ação da gravidade. E a remoção úmida [ocasionada pela chuva]. A remoção úmida é muito mais eficiente”, explica o professor Costa.
ATUALIZAÇÃO: Diferententemente do que foi informado na versão anterior da matéria, o nível de concentração do material na atmosfera da Capital foi cinco vezes maior que o registro de 6,6 µg/m³ do dia 18 de janeiro. Os dados foram revisados pela Citinova.
Atualizada às 11h42min de quarta-feira, 28 de agosto