Desafios para o enfrentamento da crise climática na contemporaneidade
Ao longo do tempo, é comum que o clima do planeta mude de forma natural. Nos últimos séculos, no entanto, as mudanças têm acontecido em razão de ações antropogênicas
07:00 | Ago. 27, 2024
Enchentes no Rio Grande do Sul, incêndios no Pantanal e o processo de aquecimento do oceano são influenciados por uma causa em comum: as mudanças climáticas.
De acordo com Vanda Claudino Sales, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), o clima do planeta costuma mudar de forma natural ao longo do tempo, mas nos últimos séculos as mudanças têm acontecido em razão de ações antropogênicas, que são causadas pelo homem.
"Hoje em dia, a gente já chama [a situação] de 'emergência climática'. É mais do que uma crise. Os fenômenos climáticos de temperaturas elevadas, como precipitações torrenciais, furacões, ciclones etc, estão acontecendo com uma intensidade tão grande que, a partir dos anos 50, depois do fim da segunda guerra mundial, vivemos em um contexto de crise", destaca a professora.
“São mudanças muito bruscas nos comportamentos mais variados do clima. Os [desastres socioambientais] se tornaram muito mais intensos e frequentes nos últimos anos. Isso é a crise climática alcançando um contexto de emergência climática”, adiciona.
Segundo a professora, o aquecimento acontece, principalmente, pelas ações do homem, como o desmatamento e as emissões de gases poluentes na atmosfera. Em abril de 2024, 426,57 Partes Por Milhão (ppm) de CO2 foram emitidos, segundo registros do Observatório de Mauna Loa, da agência estadunidense National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), localizado no Havaí. O número marca um recorde de emissões na era humana.
No mesmo período do ano passado, 423,37 ppm foram emitidos. Os números não param de crescer. "Então, essas mudanças geradas por ações antrópicas [do homem] têm sido chamadas, convencionalmente, de mudanças climáticas", detalha Vanda.
O que é adaptação e mitigação?
Como os efeitos das mudanças climáticas já impactam a vida da população cearense, brasileira e mundial, dois conceitos se tornaram relevantes: adaptação e mitigação.
Segundo Daniel Rodrigues, professor do Departamento de Geologia da UFC, o primeiro termo, adaptação, se refere às estratégias para se ajustar aos efeitos das mudanças climáticas. Isso inclui, por exemplo, a construção de infraestruturas resistentes a eventos extremos, o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce, a modificação de práticas agrícolas para lidar com secas ou inundações etc.
"A mitigação vem no sentido de desacelerar [os efeitos das mudanças climáticas] e eventualmente, no futuro, fazer com que ela recue, embora isso seja algo que, certamente, vai levar algum tempo para que a gente consiga fazer em escala global", explica.
Transição energética tem que acontecer, mas de forma responsável
Uma das opções para desacelerar os efeitos das mudanças climáticas, é diminuir a dependência do petróleo e outras energias que liberam poluentes. "É preciso fazer uma mudança de matriz energética para energias que não liberem gases que contribuem com o efeito estufa, como: energia eólica, solar, geotérmica etc", destaca Vanda.
A professora, no entanto, pontua que a transição tem que ser feita de forma responsável. "A gente observa que a forma como a transição está sendo feita não é muito cooperativa com as comunidades tradicionais: pescadores, marisqueiras, quilombolas, povos indígenas etc".
"Não adianta fazer uma transição se a população mais simples vai pagar o preço. Resolve o problema de um lado, mas cria um problema social do outro. A mudança de matriz energética tem que ser responsável e comprometida com os anseios sociais", adiciona.
Daniel ainda destaca que não é fácil mudar de uma hora para outra. A transição precisa de planejamento. “Não dá para mudar de uma vez só. Se a gente simplesmente cruzar os braços e falar ‘ah, não vamos mais usar combustíveis fósseis’, muitas pessoas morreriam por falta de alimentos, medicamentos etc”.
(In)justiça climática: alguns grupos são mais afetados do que outros
De acordo com o DataFolha, as populações mais pobres, negras e menos escolarizadas foram as mais afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul.
"Quando o clima é alterado da forma como as mudanças climáticas estão fazendo, toda sociedade é afetada. Mas, a intensidade dessas ações têm pesos diferentes sob os diversos grupos sociais. Todo mundo sofre, mas com intensidades diferentes", pontua Vanda.
Segundo a pesquisa, 47% das famílias que ganham até dois salários mínimos responderam ter perdido casa, móveis, eletrodomésticos ou o próprio sustento. As que ganham de cinco a dez salários, apenas 13% relataram algum tipo de prejuízo.
Com relação a raça, 52% das pessoas pretas e 40% das pardas relataram algum tipo de perda. No caso da população branca, o número cai para 26%.
A situação é semelhante entre os menos escolarizados. Entre os que estudaram até o ensino fundamental, 46% relataram perdas. Entre as pessoas com nível superior, o número também cai para 26%.
"A população de áreas mais desfavorecidas, que não tem acesso a ares-condicionados, a ambientes com áreas verdes, educação ambiental, sofrem muito mais do que os grupos que conseguem instrumentos para fazer frente aos mecanismos das mudanças: viajam para ambientes mais frios, tem refrigeramento, consomem produtos que vem de freezers etc [...] Algumas populações são invisíveis às políticas públicas, daí a ideia do racismo ambiental".
Sugestões de leitura
- O mundo sem fim (de Jean-Marc Jancovici e Christophe Blain)
- A história em quadrinhos, que foi o livro mais vendido na França em 2022, aborda as mudanças climáticas e suas consequências, de forma didática e bem-humorada, além de propor uma reflexão sobre o uso de energia e crescimento econômico.
- O amanhã não está a venda (de Ailton Krenak)
- O livro propõe uma série de reflexões sobre o estilo de vida da população global, diante da pandemia da Covid-19. O autor questiona a "volta à normalidade", uma "normalidade" quando o termo significa voltar a devastar o meio ambiente para cavar 'um fosso de desigualdade' entre povos e classes.
- A espiral da morte (de Claudio Angelo)
- O jornalista Claudio Angelo viajou aos extremos da terra para documentar os impactos das mudanças climáticas em um livro-reportagem. A obra mostra como o Ártico e a Antártida estão derretendo por conta de ações humanas e como isso impacta animais e moradores de metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro e Recife. O livro ganhou o Prêmio Jabuti em 2017.
Sugestões de filme
- Não Olhe Para Cima (de Adam McKay)
- O filme, que tem o negacionismo como tema central, acompanha dois astrônomos que buscam convencer a humanidade sobre a aproximação de um cometa que destruirá o planeta Terra.
- Wall-e (de Andrew Stanton)
- WALL-E retrata a história de um robô encarregado de limpar a Terra, que foi abandonada pelos humanos devido à quantidade insustentável de lixo e poluição. O filme explora os efeitos da degradação ambiental causada pelo consumismo desenfreado e a importância da responsabilidade ecológica para o futuro da humanidade.
- O menino que descobriu o vento (de Chiwetel Ejiofor)
- O filme narra a história de um jovem malawiano que, em meio à pobreza e à seca que devastam sua comunidade, constroi um moinho de vento capaz de bombear água para as plantações, garantindo o sustento da família. A história ressalta como a educação e a criatividade podem oferecer soluções sustentáveis para crises ambientais.
Sugestões de podcast
- O mar não está para peixes (série especial da Rádio USP)
- A série de três episódios aborda temas relacionados aos oceanos que vão desde o aumento da temperatura das águas até a questão do descarte de plásticos.
- Entre no Clima (podcast semanal do Um Só Planeta)
- Com mais de 130 episódios, o podcast aborda diferentes temas relacionados às mudanças climáticas.
- Crise climática vista de perto (episódio do Podcast O Assunto)
- O episódio do podcast ‘O Assunto’, publicado em maio deste ano, acompanha as enchentes no Rio Grande do Sul e retrata como a situação foi influenciada pelos eventos climáticos.
Redação Enem: chego junto, chego a 1.000
O tema desta inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca do Concurso “Redação Enem: chego junto, chego a 1.000”, uma ação da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc-CE) para alunos da 3ª série do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) das escolas públicas estaduais. Os alunos são convidados a escrever uma redação no modelo dissertativo-argumentativo, o exigido no Enem. Os demais temas serão publicados nos dias 3/9, 10/9 e 17/9