Mulher trans cearense é inocentada de acusação de homicídio após 9 anos

Natural do Crato, Jéssica passou um ano presa e aguardava julgamento em liberdade desde 2016. Há nove anos, ela reagiu a uma agressão e o homem morreu

Uma mulher foi inocentada de uma acusação de homicídio após nove anos de espera. A cratense Jéssica da Silva Lima, 33, foi incriminada em 2015, quando vivia em situação de rua, após uma briga com outro morador de rua. O caso aconteceu no município de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Jéssica, que é uma mulher trans de pele negra, chegou a ficar presa por um ano em uma unidade prisional no Ceará. Desde 2016, ela aguardava o julgamento em liberdade. A sessão ocorreu de forma on-line no último dia 5 de agosto.

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De acordo com a Defensoria Pública do Ceará, Jéssica foi golpeada por objeto cortante no rosto. Ela reagiu e feriu o homem com uma faca — ele não resistiu ao ferimento e morreu.

"As pessoas viram tudo e ninguém ajudou. Fizeram pouco caso. Por eu ser trans, senti que rolou um preconceito. Se eu não fosse trans, com certeza teriam me ajudado", disse a cearense por meio da Defensoria.

Conforme processo divulgado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o Conselho de Sentença, grupo de jurados sorteados para a sessão de julgamento, considerou que Jéssica agiu sob legítima defesa. 

"O Conselho de Sentença absolveu a acusada considerando que, por maioria dos votos, respondeu afirmativamente ao terceiro quesito (série única), portanto, acolheu as teses das partes, consistentes na excludente da ilicitude da legítima defesa", diz trecho do documento jurídico. 

O defensor Breno Vagner Bezerra Vicente destaca uma série de denúncias feitas pela então jovem de 28 anos quando foi presa. “Que foi colocada em unidade masculina, que ficou em cela para pessoas acusadas de crime de estupro, que foi estuprada, que não recebeu medicação adequada”, diz.

Ainda segundo o defensor, a jovem destacou que ficou presa, inclusive, sem ter antecedentes criminais. “Em regra, ela deveria ter sido solta. A presunção de inocência deveria ter pesado”, informa.

Para o defensor que atuou no caso, seis fatores contaram para o júri aceitar a tese de legítima defesa:

  1. os depoimentos sobre ela ter sido perseguida pelo homem;
  2. as contradições de uma testemunha importante;
  3. a confirmação, por parte de um policial, da lesão no rosto;
  4. a falha do Estado de não atestar essa lesão no exame de corpo de delito;
  5. a versão de Jéssica ter sido a mesma desde o primeiro momento; e
  6. a mudança de entendimento do Ministério Público, que a acusava de “homicídio duplamente qualificado”.

Natural do Crato, a 538 quilômetros de Fortaleza, Jéssica morava com a avó, mas perdeu o contato com a família após a morte da familiar que a acolhia.

Hoje ela vive em um abrigo público na cidade de São Paulo, onde está inscrita em projeto de educação de jovens e adultos, e pretende terminar os estudos.

Jéssica só havia estudado até o segundo ano do Ensino Médio. Agora, ela quer oficializar a mudança de nome para Jéssica e também retificar o gênero para ser reconhecida pelo Estado no documento.

“Passo o dia no abrigo e saio só para resolver alguma coisa, como a retificação dos documentos. Agora, se Deus quiser, vou terminar os estudos e arranjar um emprego. Quero melhorar de vida”, planeja.

Atualizada às 18h42min 

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