Ceará: analfabetismo entre quilombolas atinge quase o dobro da taxa geral
Sítio Arruda, localizado em Araripe e Salitre, no Cariri, é o sexto território quilombola do Brasil com a maior taxa de analfabetismoA taxa de analfabetismo dos quilombolas do Ceará é de 26,38%, conforme o Censo Demográfico de 2022. Isso representa quase o dobro da taxa de pessoas que não sabem ler ou escrever (14,12%) da população geral do Estado. O Ceará é o quarto estado com maior taxa de analfabetismo de quilombolas do País.
Para realizar o cálculo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerou os quilombolas de 15 anos ou mais. No Ceará, a população nesta faixa etária que se identifica como quilombola é composta por 18.305 pessoas. O percentual leva em conta os adolescentes, adultos e idosos que não sabem escrever ou ler pelo menos um bilhete simples.
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O Sítio Arruda, localizado em Araripe e Salitre, no Cariri, é o sexto território quilombola do Brasil com a maior taxa de analfabetismo. Conforme dados do Censo, residem 94 pessoas quilombolas de 15 anos ou mais na terra, sendo apenas 49 delas alfabetizadas.
Taxa de analfabetismo da população quilombola vivendo em terras oficialmente delimitadas
Outras três terras quilombolas do Ceará têm mais de 30% de taxa de analfabetismo. São elas: Água Preta, em Tururu, Lagoa das Pedras, em Tamboril, e Timbaúba, em Coreaú. Alto Alegre, o quilombo mais populoso do Estado, localizado em Horizonte, tem 21,09% de seus 1.266 moradores quilombolas maiores de 15 anos analfabetos.
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Estados com maiores taxas de analfabetismo de quilombolas
Esta edição do Censo Demográfico é a primeira que recenseou povos remanescentes de quilombos. No Ceará, 23.994 pessoas se identificam como quilombolas, mas apenas 4.609 moram dentro de um dos 15 territórios oficialmente delimitados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou por outros órgãos com competências fundiárias.
Segundo o IBGE, existem 181 agrupamentos quilombolas no Estado. Os quilombolas cearenses estão espalhados em 68 cidades.
Invisibilidade de quilombolas resulta na falta de acesso a direitos básicos
Com a primeira terra quilombola sendo reconhecida apenas em 1995, no Pará, fica evidente que a luta por direitos básicos só passou a ser reconhecida recentemente. A pedagoga Marleide Nascimento, de 39 anos, é quilombola do território Alto Alegre, em Horizonte. Ela conta que precisou estudar de forma remota por programas educacionais que passavam na televisão. O ensino médio foi finalizado no horário noturno em uma escola fora da comunidade.
“Essa era a única forma que tinha de adquirir conhecimento. O processo educacional começa com pessoas que não são alfabetizadas formalmente, se reunindo para ensinar as crianças embaixo do cajueiro. Só agora que essas políticas começam a se instaurar dentro desses espaços”, afirma.
Para a professora, as gerações mais velhas foram privadas de oportunidades educacionais, impactando a qualidade de vida dos mais jovens. “Embora sejam detentores de saberes ancestrais, os mais velhos não conseguiram ter acesso ao direito. Minha mãe foi uma mulher que não tinha a sabedoria da escrita e da leitura, isso impactou no fato dela ter que trabalhar nas casas de farinha. Quando é negado o direito da mulher estudar, impacta não só ela, mas as gerações futuras”, explica.
Primeira mulher da família a ter diploma universitário, Marleide chama atenção para a necessidade de garantir a permanência dos estudantes nas escolas e universidades, não só o acesso.
Secretaria da Educação diz que oferta ações para reduzir a distorção idade-série
Em nota encaminhada ao O POVO, a Secretaria da Educação (Seduc) informou que desenvolve ações para o povo quilombola por meio da Coordenadoria de Educação Escolar Indígena, Quilombola e do Campo".
"A Educação Escolar Quilombola é uma modalidade da educação básica que tem o propósito de ressignificar o currículo a partir das vivências dos sujeitos, com vistas à preservação da identidade cultural, tendo como referenciais oito eixos: Memória; Oralidade; Comunidade; Territorialidade; Ancestralidade; Tecnologias; Saúde da população quilombola e Mulher quilombola", explica pasta.
Ainda conforme Seduc, a entidade dispõe de duas escolas estaduais com a oferta do Ensino Médio localizadas em territórios quilombolas. Elas estão localizadas nos municípios de Croatá (Três Irmãos) e Horizonte (Alto Alegre). "Na Escola localizada em Horizonte, a partir de agosto haverá atendimento de EJA Médio, com a finalidade de qualificação profissional", destaca.
A pasta também propôs um plano de ação voltado à formação de gestores, diretores e coordenadores, para a revisão do Projeto Político Pedagógico (PPP) e do currículo das escolas em territórios quilombolas, "além de discutir e refletir sobre as práticas curriculares das escolas quilombolas a partir de sua identidade".
A Seduc também destaca que "vem empreendendo esforços no sentido de fortalecer a implementação da Educação para as Relações Étnico-Raciais em toda a rede estadual, por meio de ações orientadas pelos seis eixos definidos no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana".
Em relação a garantia da oferta da escolarização adequada às necessidades das populações quilombolas, a pasta destaca que tem realizado ações como a garantia da oferta de Ensino Médio, voltada ao atendimento escolar da população remanescente de quilombos, a produção de documento orientador para revisão dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas quilombolas e a distribuição de 1000 exemplares do livro “PPP Quilombola: princípios formativos e orientações”, para as escolas quilombolas estaduais e municipais.
Além disso, também foram implementadas outras iniciativas, como: "formação continuada de professoras/es das escolas quilombolas, com vistas à permanente requalificação das propostas pedagógicas específicas e diferenciadas e um projeto Integrado do Pertencimento Étnico", entre outros.