Jovem trans consegue realizar mastectomia após decisão judicial em Fortaleza

Plano de saúde chegou a recusar a realização da cirurgia alegando tratar-se de uma intervenção estética. Homem será indenizado

08:00 | Mai. 30, 2024

Por: Wilnan Custódio
Jovem Tarcísio Brito deve acesso a cirurgia de mastectomia após decisão judicial (foto: Acervo pessoal)

Um jovem trans de 27 anos conseguiu na justiça o direito de realizar o procedimento de mastectomia (retirada total das mamas) por meio do plano de saúde Unimed. Tarcísio Brito, de 27 anos, realizou o procedimento no último dia 23 e está agora na recuperação pós operatório. O fortalezense recebeu auxílio da Defensoria Pública do Ceará, diante da recusa do plano de saúde em realizar o procedimento.

Tarcisio reivindicava a realização da mastectomia por considerá-lo formador e fundamental de sua identidade como um homem trans. O plano argumentou tratar-se de uma intervenção estética, o que de acordo com nota da Defensoria Pública do Ceará vai de contra as diretrizes de organismos nacionais e internacionais de saúde, e também dos laudos de médicos do próprio plano, que tinham pareceres favoráveis à necessidade da realização da cirurgia.

“A mastectomia é uma cirurgia que faz com que a gente se identifique com o seu eu. Então, ela não é um cirurgia de doença. Ela é uma cirurgia para fazer com que a gente possa se conectar com a gente mesmo, para a gente ter realmente a nossa afirmação de que sou eu mesmo”, explicou Tarcísio Brito.

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Tarcísio considera que conseguir o procedimento é uma vitória e “abre portas para que outras pessoas trans consigam fazer a sua mastectomia pelo plano de saúde. Então essa vitória ela não é só minha mas para toda comunidade trans”, disse o jovem.

Para ajudar com os custos e diminuir o impacto na renda familiar, ele aguarda a liberação dos recursos da indenização por danos morais e psicológicos reconhecida pela Justiça que foram causados pelos transtornos com as várias recusas do plano de saúde. O plano já faz o depósito do valor, que aguarda apenas a autorização judicial para a retirada.

Segundo Tarcísio, os valores a receber pela indenização são necessários por causa dos gastos nesta fase de recuperação.

“Eu estou com um dreno na região da cirurgia e, quando tirar, vou precisar usar coletes especiais até o fim de julho para proteger os pontos e a área da cirurgia em si. Estou tomando antibióticos e analgésicos, mas a alimentação também muda e, em breve, vou ter gastos com fisioterapia, que tudo indica que não vai ser pelo plano. É todo um processo até ter vida normal. E tudo gera custos. A indenização seria para isso”, disse ele de acordo com a nota da Defensoria.

Conforme a Defensoria, a entidade está atuando para acelerar a liberação do valor. Até que os recursos estejam disponíveis, o jovem segue recebendo ajuda de familiares e amigos próximos.

“Como não sabemos o porquê dessa demora na liberação da indenização nem quando essa espera deve acabar, eu fiz uma rifa e algumas pessoas se solidarizaram. Com o que arrecadei, cobri um terço das contas: comprei um dos três coletes que preciso usar, e só aí foram R$ 240, além de parte dos remédios. Agora é esperar a juíza liberar o dinheiro”, pontua.

“Depois que fiz minha mastectomia, eu estou com a auto estima a mil, porque eu me sinto bem sem ter os meus intrusos. Ela é uma cirurgia não estética, mas uma cirurgia que você pode se complementar. É muito engraçado que a reação de todo homem trans quando faz a mastectomia é ir a uma praia tomar banho de mar, coisa que isso impossibilita muito quando a gente tem os intrusos por conta da disforia. É uma cirurgia libertadora e muito sonhada para os homens trans”, explicou Tarcísio Brito ao O POVO.

Defensora responsável pelo caso, Mariana Lobo disse que “a decisão reafirma o que está escrito em todos os tratados internacionais de direitos humanos, na constituição e também nas normas regulamentadoras tanto da ANS como do SUS que é a garantia integral de acesso a saúde de toda a comunidade trans”. 

Mariana considera que o acesso a cirurgias de redesignação “é um direito de toda população trans, é uma obrigação do Estado ou do plano custear. Não é um procedimento estético, é um procedimento de sáude”.

O POVO procurou a assessoria da Unimed, que disse não pode confirmar dados de processos judiciais e administrativos por respeito à privacidade e ao direito dos seus clientes. A empresa disse agir sempre em conformidade com as normas vigentes e que respeita as decisões judiciais.