Morte de Marielle foi 23 dias após a queda de Roberto Sá da segurança do Rio

Novo secretário tem perfil considerado estrategista, condutor de projetos e gestão de pessoal. Na época de sua saída da segurança fluminense, em altos índices de criminalidade, o Rio passou por um período de intervenção federal

19:44 | Mai. 27, 2024

Por: Cláudio Ribeiro
 MARIELLE Franco e Anderson Gomes foram assassinados na noite do dia 14 de março de 2018 (foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Na edição de 19 de fevereiro de 2018, uma segunda-feira, o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro publicava a exoneração do delegado federal Roberto Sá do cargo de secretário da Segurança Pública fluminense. As Forças Armadas assumiram o comando da área, com a indicação do general Walter Braga Netto, do Exército, no papel de interventor federal. Duraria de fevereiro até dezembro daquele ano. Apenas 23 dias depois da queda forçada de Sá, em 14 de março, uma vereadora da cidade do Rio foi assassinada a tiros em via pública.

O carro em que ela estava foi fuzilado, após uma perseguição feita por desconhecidos em outro veículo. O motorista do carro da vereadora também morreu - uma assessora escapou ilesa. Os dois mortos foram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Em 2024, seis anos depois, a investigação confirmou que o atentado foi cometido por policiais e encomendado por um deputado federal e um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio.

Mesmo em uma data posterior à gestão de Roberto Sá, aquele era o contexto da ebulição política, econômica e social que o Rio de Janeiro atravessava - já não coube a ele tocar as investigações iniciais do acontecido. Tudo era parte do turbilhão: altos índices de violência e ações do crime organizado que não disfarçam sequência de homicídios, tráfico de armas em larga escala, arrastões, roubos, saques a supermercados na vizinhança de quartéis da Polícia Militar. 

Na sexta, 16, que antecedeu a saída do secretário, um decreto do então presidente da República, Michel Temer, anunciou oficialmente a intervenção na segurança. A costura fora confirmada ainda na noite de quinta, 15, a pedido do então governador Luiz Fernando Pezão. Roberto Sá passou aquele fim de semana ciente de havia perdido seus poderes como gestor.

Ele declarou à época não ter sido consultado sobre a intervenção. "Quando conversamos, a decisão já estava tomada", disse em entrevista à TV Globo, sobre como fora comunicado por Pezão. "Como cidadão, torço para que tudo dê certo", completou diplomaticamente.

A Segurança Pública era só uma das inflamações expostas no Rio. A intervenção federal foi cogitada também para a própria cadeira do governador Pezão - que acabou afastado inicialmente por problemas de saúde ainda em julho de 2017, e depois definitivamente em novembro de 2018, por acusações de corrupção. 

Roberto Sá esteve titular da Segurança do Rio por 20 meses, entre outubro de 2016 e fevereiro de 2018. Era homem de confiança do delegado José Mariano Beltrame, ex-secretário por quase dez anos e seu antecessor, com quem atuou como subsecretário de Planejamento e Integração Operacional. Na posse de Sá, o governador em exercício era Francisco Dornelles, diante do afastamento temporário de Pezão.

Entre 2013 e 2014, teria partido de Beltrame uma indicação do delegado Sá para assumir a Segurança Pública do Ceará, mas ele preferiu rejeitar naquele momento. Também recusou um convite para o Espírito Santo, onde acabou assumindo após sua exoneração do Rio.

Depois de migrar da Polícia Militar, onde chegou a tenente-coronel, destacou-se como sub de Beltrame. Era do setor de inteligência, um delegado tido como tocador de projetos e administração de pessoal. Seu perfil é considerado estrategista, técnico, implantador de novos sistemas e programas da área de segurança. "Ele gosta de gestão", disse uma fonte do Rio, que acompanha a rotina policial local.

Entre seus feitos, Roberto Sá participou do planejamento e início do Sistema Integrado de Metas (SIM), criado em 2009, que estimulou a atuação policial por desempenho. A mudança foi bastante influente no dia a dia dos agentes de segurança no Rio. Ele também estendeu a permanência do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), hoje em processo de desgaste e resultados menos efetivos.

O Estado do Ceará já teve a valorização remunerada a policiais em resultados trimestrais, mas a proposta não teve continuidade. Hoje, um policial tem valores acrescidos em salário para os casos de número de armas apreendidas. Não se sabe, ainda, se o convite a Roberto Sá teria a ver com a implantação de projeto semelhante no Ceará.

O período de Sá como secretário no Rio, mais condutor de inovações do que linha dura, não teria sido condizente com as circunstâncias, com crises para além do segmento segurança. Nem PMs nem policiais civis estavam em suas mãos. "Não dá para atribuir a ele os problemas daquela época no Rio. Seria injusto. Era uma crise generalizada", reforçou a fonte.