Primeiros Títulos de Domínio de terras quilombolas são entregues no Ceará
A partir da destinação das terras, o Incra e o Estado brasileiro asseguram espaço para reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades
09:48 | Dez. 14, 2023
Em um momento inédito no Ceará, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entrega os primeiros Títulos de Domínio para comunidades remanescentes de quilombos no Estado. O primeiro foi entregue à comunidade quilombola de Encantados do Bom Jardim/Lagoa das Pedras, no município de Tamboril, nessa quarta-feira, 13. Nesta quinta-feira, 14, será a vez da comunidade de Sítio Arruda, entre os municípios de Araripe e Salitre, receber o TD.
Em solenidade realizada na Escola de Ensino Médio e Fundamental Joaquim Ribeiro dos Santos, inaugurada em outubro deste ano na comunidade, foi entregue o TD da área “PA Estadual Lagoa das Pedras”. Com 506,5 hectares, correspondente a 26% do território que possui 888,5523 hectares de tamanho. A área que foi titulada é a maior de três glebas que compõem o território.
Na região titulada, residem hoje 80 famílias, que são representadas pela Associação dos Remanescentes de Quilombolas de Encantados do Bom Jardim, entidade jurídica de representação do Território e que foi fundada em 1988. Desde então, a associação buscava se desenvolver por meio de políticas públicas voltadas para o seu povo.
"A terra é um elemento fundamental para nossas famílias, mas só ela não é suficiente, precisamos a partir de agora buscar ainda mais fortalecer nossas lutas na busca de políticas de educação, saúde, esporte, cultura, agricultura familiar, dentre outras que venham dar uma qualidade de vida digna ao nosso povo", afirma o presidente da associação quilombola de Encantados do Bom Jardim, Renato Baiano.
Com a destinação das terras, o Incra e o Estado brasileiro asseguram espaço para reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades. Os atos também integram iniciativas de reparação histórica ao possibilitar dignidade, segurança jurídica e garantia de continuidade desses grupos étnicos.
Para ele, a titulação é um momento histórico para a comunidade que lá reside. "Representa a seguridade jurídica, uma reparação dos direitos do povo quilombola. Somos o primeiro território quilombola titulado do Ceará, e isso é histórico", diz.
Outras duas estão previstas para serem tituladas até abril do ano que vem. Já em Sítio Arruda, será entregue o TD da área Baixa do Caldeirão, com tamanho de 189,7 hectares, correspondente a 57% da área total do território, com 334,3 hectares.
Próximas titulações estão previstas para 2024
Segundo o superintendente do Incra no Ceará, Erivaldo Santos, atualmente o órgão conta com 34 processos abertos de reconhecimento de territórios quilombolas.
"Esses processos estão em tempos diferentes, estão em etapas distintas. Os próximos a serem titulados serão definidos no início de 2024, quando sentaremos para fazer um planejamento do exercício do ano. Neste momento, nós chamaremos os movimentos quilombolas para ouvir suas demandas e, a partir desse diálogo, nós iremos definir e visualizar quais comunidades têm possibilidade de serem tituladas ainda em 2024", detalha.
O processo de titulação de territórios quilombolas é constituído de fases. Sendo a primeira delas a autodefinição quilombola, momento em que o grupo deve regularizar seu território e apresentar ao Incra a Certidão de Autorreconhecimento, emitida pela Fundação Cultural Palmares.
Posteriormente, é elaborado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), cujo objetivo é identificar os limites das terras das comunidades remanescentes de quilombos. Após isso, os interessados terão o prazo de 90 dias após a publicação e as notificações para contestarem o RTID junto à Superintendência Regional do Incra.
A próxima fase é a de identificação do território, que é encerrada com a publicação da portaria pelo presidente do Incra que reconhece os limites do território quilombola no Diário Oficial da União e dos estados. No caso em que há imóveis privados incidentes no território, é necessária a publicação de Decreto Presidencial de Desapropriação por Interesse Social realizada pelo presidente da República.
Os imóveis são desapropriados, vistoriados e avaliados conforme os preços de mercado, pagando-se previamente em dinheiro a terra nua, no caso dos títulos válidos e as benfeitorias. Só então, após a conclusão dessas etapas, o presidente do Incra realiza a titulação mediante a outorga de título coletivo, imprescritível e pró-indiviso à comunidade, em nome de sua associação legalmente constituída, sem nenhum ônus financeiro. Para este fim, é proibida a venda e penhora do território.
O superintendente Erivaldo destaca ainda que, apesar do baixo orçamento deste ano, há expectativa de avanço nas titulações para o próximo ano. "Nossa expectativa é que de fato nós avancemos na política de reconhecimento e de territorialização das comunidades quilombolas do Ceará, visto que este ano foi um ano de muitas dificuldades orçamentárias, considerando que trabalhamos em 2023 com o orçamento do governo passado. E se no governo anterior não era uma ação a ser realizada, não existia recurso", aponta o superintendente.
"A partir do presente governo, do presidente Lula, nós retomamos os processos de reconhecimento e de regularização das terras quilombolas, e essa iniciativa está sendo tratada como uma ação prioritária. Então, a expectativa é que, no próximo ano, consigamos avançar não só na questão quilombola, como também na retomada da reforma agrária no Ceará", complementa.