Há 30 anos, "Chacina do Pantanal" chocava o Ceará
Assassinato de três adolescentes foi um marco na história da criminalidade no Ceará e aconteceu pouco depois da promulgação do ECA
09:05 | Nov. 20, 2023
Há exatos 30 anos, o Ceará chocava-se com os assassinatos de Carlos Antônio da Silva, de 16 anos, Veridiano Duarte da Silva, 15 anos, e André Gomes de Sousa, 14 anos, no crime que ficaria conhecido como Chacina do Pantanal. Na madrugada do dia 20 de novembro de 1993, os três estavam na esquina das ruas Planaltina e Apucarana quando foram surpreendidos por homens de moto que efetuaram diversos disparos contra eles.
A chacina chocava, sobretudo, por dois motivos. Como O POVO mostrou no especial "A Era das Chacinas", episódios com múltiplas mortes eram raros no Estado.
À época da Chacina do Pantanal, datava de 1982 a última ocorrência com quatro ou mais mortos: quatro pessoas, incluindo o prefeito de Pereiro (município do Vale do Jaguaribe) foram assassinadas em Alto Santo (Vale do Jaguaribe) no dia 16 de abril daquele ano. Ou seja, assassinatos últimos não faziam parte do cotidiano do Estado como viria a ocorrer a partir dos anos 2010 — somente neste ano, já foram cinco chacinas.
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Outro fator que chamava a atenção era a idade das vítimas. O Estado não estava acostumado com a morte de adolescentes e crianças.
No dia seguinte ao crime, reportagem de capa do O POVO informava que 33 "menores" haviam sido mortos no Ceará em 1993. Somente neste ano, 148 crianças e adolescentes com menos de 18 anos foram assassinados no Estado até o último mês de outubro.
O impacto da chacina foi tão grande que levou à mudança do nome da comunidade. A "Favela do Pantanal", então, localizada no bairro José Wálter, como era até então conhecida, passou a virar sinônimo de violência.
Por isso, em 2021, líderes comunitários organizaram um "referendo popular" pedindo a alteração do nome da comunidade e o seu reconhecimento como bairro. Em 2004, por força de lei, surgiu o Planalto Ayrton Senna.
Na esfera judicial, três policiais, sendo dois militares e um civil, foram acusados pelo crime. O trio chegou a ser preso preventivamente e condenado, em 1997, a penas que, somadas, davam 144 anos de reclusão. Entretanto, o julgamento foi anulado e um novo Tribunal do Júri, realizado em 2000, absolveu um dos PMs acusados.
No ano seguinte, o ex-policial civil Eduardo Fernando Siqueira de Nazareth teve a condenação mantida. Ele morreu em 2003, vítima de um mal súbito. Ele havia ganhado o direito de recorrer em liberdade. O terceiro réu foi absolvido em julgamento realizado em 2016.
A advogada Leila Paiva, hoje presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil — Secção Ceará (OAB-CE), atuou nos julgamentos como assistente de acusação. Enquanto integrante do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-CE), ela representava as famílias das vítimas.
Paiva afirma que relembra que, em 1993, ocorreram várias chacinas de crianças e adolescentes no Brasil — a mais emblemática delas foi a Chacina da Candelária, no Rio de Janeiro, em que oito jovens, entre 11 e 19 anos, foram mortos.
Garantir que crimes como esses fossem devidamente responsabilizados era "fundamental", sobretudo, — afirma a advogada — porque aquela era a primeira década de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), datado de 1990. Por isso, ela diz, foi determinante a participação de órgãos de defesa dos direitos humanos, como o Cedeca, para que o caso viesse a ter uma resposta.
A jurista ainda destaca a importância de dar uma resposta às famílias. "As questões técnicas por vezes impactam em anulações, como ocorreu anos depois. Mas a resposta precisa ser dada", diz. "O ideal é que o sistema de segurança seja aprimorado e as investigações consigam compor elementos que permitam os julgamentos céleres e justos".
Leila Paiva ainda lamenta não ter havido evolução no que diz respeito à garantia da vida de crianças e adolescentes no Estado. Ela cita, por exemplo, a ocorrência da Chacina da Grande Messejana, em 2015, em que, das 11 vítimas, nove tinham 18 anos ou menos de idade.
A advogada, porém, acredita que, de um ponto de vista técnico, as instituições do sistema de justiça têm priorizado e respondido a esses crimes. "Essas são ações que ajudam a reduzir o dano, mas a sociedade como um todo precisa prevenir esse tipo de delito", afirma. "Ademais, em ocorrendo, garantir maior celeridade aos processos para que as famílias, mesmo com a perda tão dolorosa, possam ao menos, obter a resposta e a tão almejada justiça".