Especial sobre exploração sexual infantil é lançado hoje pelo O POVO

Partindo de resgate histórico e documental da cobertura do O POVO ao longo de seus quase 100 anos, especial "Futuro à venda: exploração sexual de crianças e adolescentes" investiga permanência do problema na sociedade

11:56 | Nov. 19, 2023

Por: Jáder Santana
Praia da Volta da Jurema em 1993. Vários trechos da Beira-Mar eram foco de atuação, na década de 90, de redes de agenciamento e exploração sexual de crianças e adolescentes (foto: André Lima, em 01/08/1993)

A exploração sexual de crianças e adolescentes — como tema, constatação, denúncia e cobrança — vem sendo pautada pelo O POVO pelo menos desde 1955. No dia 23 de junho daquele ano, O POVO noticiava, em sua capa, um “projeto para salvar crianças dos prostíbulos e da perdição”. Quase sete décadas atrás, a sociedade civil era chamada ao dever urgente desse “resgate”.

Só nas páginas do O POVO, quase uma centena de reportagens, matérias e notas foram dedicadas ao tema. Com a publicação de outros sete editoriais sobre o assunto, o veículo assume como sua a luta contra a exploração. É sobre a permanência dessa cobertura ao longo dos quase 100 anos do O POVO que o especial “Futuro à venda: exploração sexual de crianças e adolescentes”, publicado de forma seriada a partir deste domingo, 19, se debruça.

No site onde deve se concentrar todo esse conteúdo, que já pode ser acessado a partir deste link, uma linha do tempo, iniciada na década de 1950 e que avança até os dias de hoje (elaborada a partir de cuidadoso resgate histórico e documental das edições de O POVO que abordaram o problema), apresenta de forma organizada e contextualizada os principais conteúdos publicados pelo jornal a respeito da temática da exploração sexual infantil.

São matérias e reportagens espalhadas pelas mais diversas editorias — Cidades, Ceará, Brasil, Internacional, Polícia, Economia, Turismo e Especiais —, um indicativo da complexidade intrínseca ao problema, cujas estratégias e formas de combate passam necessariamente — como apontam especialistas ouvidos pelo O POVO —, por ações multidisciplinares e que integrem diversos setores da sociedade.

O POVO dedicou pelo menos sete capas à exploração sexual infantil, das quais seis foram manchetes. A década de 1990, quando são revelados os detalhes de uma sofisticada (e ainda atuante) rede de turismo sexual que também tragava crianças e adolescentes vulnerabilizados, concentra a maior parte desses conteúdos.

Três reportagens, produzidas para este especial, ajudam a situar o leitor contemporâneo nos detalhes dessa cobertura, conduzindo-o pelas linhas sinuosas do assunto. A primeira delas, que será publicada na próxima quarta-feira, dia 22 de novembro, lança olhar crítico e necessário para o léxico e as formas de tratamento empregadas pela imprensa ao longo do tempo.

Apesar da postura de enfrentamento e das denúncias presentes em nossas matérias e reportagens, é impossível dissociar da abordagem do problema os preconceitos sobre os quais se estruturava (em um passado que se revela assustadoramente presente) a sociedade cearense de décadas passadas. As violências simbólica e discursiva, mais sutis que a física, acabam operando, em nível subliminar, até na mais progressiva das coberturas.

A segunda reportagem, a ser publicada no dia 29 de novembro, distribui pelos mapas de Fortaleza e do interior do Estado os focos históricos de exploração sexual infantil, resgatando a narração dos jornalista que investigaram o assunto e as vozes de crianças e adolescentes que, do olho do furacão, contaram seus dramas, em depoimentos que soam hoje tão pungentes quando na ocasião de sua publicação original.

As ruelas banhadas pelo Farol do Mucuripe, os bares sujos da avenida Leste-Oeste, as praças do Centro, os hotéis sofisticados da Beira-Mar e as rodovias federais que rasgam o Ceará abrigam, de forma mais ou menos explícita (a depender do tempo e da postura da sociedade frente ao problema), eixos de reprodução de violências as mais diversas contra nossas meninas e meninos.

Na terceira e última reportagem da série, marcada para publicação no dia 6 de dezembro, o aparato histórico e geográfico que nos guiou ao longo dos textos anteriores serve como baliza para a atualização do tema: vamos às fontes oficiais de registro e documentação de casos de exploração sexual infantil para, destrinchando e contextualizando um universo amplo de dados, planilhas e tabelas, revelar o cenário presente desse tipo de violência no Ceará.

Se as histórias de vítimas trazidas ao longo das décadas já impressionam, os números revelam que o problema está longe de ser solucionado: apenas em 2023, até agora, 1.233 meninas e meninos do Ceará foram vítimas de crimes sexuais. É esse o número de casos computados pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS). Fontes ouvidas pelo O POVO defendem que o índice de subnotificação pode ser assustadoramente alto.

Cada uma das três reportagens da série vem acompanhada de uma entrevista com pesquisadores e especialistas que, historicamente, se dedicam a investigar e combater o problema. São vozes que ampliam nossa percepção sobre o assunto, como a do historiador Humberto Pinheiro, que, refletindo a respeito das geografias que abrigaram mulheres prostitutas ao longo de nossa história, chama atenção para preconceitos, moralismos falsos e para a cultura machista arraigada em nossa sociedade.

Por fim, o documentário “Enterrados vivos” produzido por nosso Núcleo de Audiovisual do O POVO, mergulha em um dos casos mais emblemáticos da cobertura policial cearense no início dos anos 2000: o assassinato de seis turistas portugueses em uma barraca na Praia do Futuro, em Fortaleza. O crime, divulgado nacionalmente, à época, como “Chacina dos Portugueses”, encobre um detalhe perturbador: os empresários estavam na capital cearense para usufruir da rede de turismo sexual que também vitimava crianças e adolescentes.

“O filme é um momento de uma Fortaleza que insiste em existir explicada. Uma permanência de uma memória sobre o que a vida não precisa ser. Nem na pulsão por matar os outros — de forma nenhuma e impossível de se imaginar como foi em 2001 entre Portugal e a Praia do Futuro e hoje mesmo. E na vida de mulheres ainda ‘imaginadas’ por turistas com seus corpos à mercê da invasão, da exploração sexual doméstica e estrangeira”, reflete Demitri Túlio, diretor do documentário ao lado de Luana Sampaio e Arthur Gadelha. O filme será lançado no dia 27 de novembro.

>> Assista ao trailer do filme