Caso Mizael: sargento acusado de matar o menino é demitido da PMCE

Mizael foi morto dentro da casa da tia, enquanto dormia, ao ser confundido com criminoso que era procurado pela Polícia

14:55 | Out. 26, 2023

Por: Jéssika Sisnando
MÃE de Mizael, Leidiane Rodrigues, diz que espera por justiça (foto: JÚLIO CAESAR)

O sargento Enemias Barros da Silva foi punido com demissão pela Controladoria Geral de Disciplina (CGD). A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado da quarta-feira, 25. A sanção é devido à acusação pelo assassinato do menino Mizael Fernandes da Silva, de 13 anos de idade. O crime aconteceu no dia 1º de julho de 2020, em Chorozinho, no Ceará. 

O soldado Luiz Antônio Jucá, que fazia parte da composição, foi punido com dez dias de permanência por fraude processual. O soldado João Paulo de Assis Silva teve o processo arquivado por falta de provas. 

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Mizael estava na casa de familiares quando a residência foi invadida por policiais militares. Os agentes de segurança diziam procurar um criminoso. O menino foi baleado enquanto dormia.

No Diário Oficial, é descrito que o sargento Barros entrou na casa da tia da vítima de maneira "abrupta e arrogante", sendo acompanhado do soldado Jucá e pela proprietária do imóvel. 

Inadvertidamente, conforme o documento, "efetuou um tiro contra o garoto, que atingiu o tórax e transfixou no abdômen". Depois do ocorrido, ele teria saído do quarto desesperado e passado a destratar a proprietária da casa. 

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Conforme os autos, a tia de Mizael foi retirada do imóvel e obrigada a ficar na parte externa da casa e somente ingressar na residência após a retirada do corpo do adolescente. Os policiais também teriam retirado do local do crime um edredom, um projétil e a respectiva cápsula, além de um aparelho celular que pertencia à vítima. 

Mizael deu entrada no Hospital de Chorozinho já morto, conforme prontuário médico. Depois de conduzir o garoto à unidade de saúde, a equipe se deslocou até a Delegacia de Polícia Civil do Eusébio, onde os policiais militares apresentaram um revólver calibre 38, marca Taurus, com cinco munições, cuja posse foi atribuída à vítima. Essa arma não foi apresentada à tia da vítima no local do fato, quando solicitada.

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De acordo com a investigação, em companhia do soldado Jucá, eles passaram a "inovar de forma artificial" o local de crime para se esquivar da responsabilidade da ação desastrosa. 

Caso Mizael: policiais negaram acusações de assassinato

No depoimento prestado pelos três policiais, eles negaram as acusações e afirmaram que estavam em busca de um suposto criminoso atuante na região. Também alegaram que receberam informações de que o indivíduo estava na residência.

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Conforme o depoimento, os agentes de segurança informaram que Mizael estava em um dos cômodos em posse de uma arma e que, ao perceber a presença dos militares, o menino de 13 anos teria desobedecido a ordem de largar o armamento e feito menção de se levantar. E que foi atingido por dois disparos de fuzil, em seguida sendo levado para o hospital. 

No depoimento, afirmaram que a tia de Mizael não havia entrado no imóvel, mas permanecido do lado externo da casa. Conforme os autos, foram verificadas contradições nas declarações, que se mostraram fantasiosas. 

No depoimento da tia da vítima, que era denunciante e estava presente no local, ela afirmou de forma segura que estava dentro da casa com os parentes quando ouviram batidas fortes no portão. Depois que verificaram tratar-se de policiais, eles ficaram tranquilos, mas ao abrirem o portão o sargento Barros determinou que saíssem da casa. 

Caso Mizael: entrada de policiais na casa 

A atitude do policial foi questionada e foi solicitado que a tia os acompanhasse. O sargento Barros entrou na residência, e logo atrás os acompanhava, o soldado Jucá e a tia, mas Jucá e ela não entraram no quarto, apenas Barros.

Em seguida eles ouviram um disparo e o sargento saiu do quarto. Apenas o sargento Barros entrou no compartimento em que estava o adolescente. Depois do tiro, os militares aguardaram a chegada da viatura e recolheram a vítima colocando Mizael na viatura. Eles entraram na casa com uma espécie de borrifador e depois saíram.

Os policiais levaram o edredom de cama, em que a vítima se encontrava quando foi baleada. Mizael não possuía arma alguma no momento da ocorrência e sequer o revólver supostamente apreendido foi apresentado a familiares quando solicitado.

O entendimento da apuração da CGD é de que a vítima não possuía envolvimento com a criminalidade da região e testemunhas relatam que o menino nunca foi visto armado.

Conforme as testemunhas ouvidas, familiares, vizinhos e conhecidos, o garoto nunca teve seu nome vinculado a qualquer ação delituosa, pois tratava-se de uma pessoa tranquila, que gostava de ficar em casa, bem como nunca foi visto armado ou com companhias inadequadas.

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No momento do disparo Mizael estava deitado ou dormindo, conforme a indicação dos laudos periciais e testemunhas. As investigações apontaram que o policial soldado PM J Paulo permaneceu do lado de fora do imóvel.

Caso Mizael: processo judicial

O processo judicial sobre o caso segue em segredo de Justiça. O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou o sargento Barros por homicídio e os outros dois militares por envolvimento no caso.

Caso Mizael: testemunha segue desaparecida 

A tia de Mizael, Lizangela Rodrigues da Silva Nascimento, de 39 anos, desapareceu em janeiro deste ano, no bairro Triangulo, em Chorozinho. A mulher é testemunha do caso. Lizangela desapareceu após uma mulher, não identificada, chamá-la para ver uma casa para alugar. Desde o fato, não há informações sobre a testemunha.

Lizangela Rodrigues concedeu entrevista ao O POVO em 2020 afirmando que ouviu o policial militar afirmando: "Fiz merda". Mizael era morador da zona rural, mas estava na casa da tia pois faria um procedimento dermatológico.

Conforme a mãe de Mizael, Leidiane, a decisão pela demissão do policial militar é a correta, mas deveria ter sido feita há muito tempo. “Agora eu temo por mim, mas eu sei que Deus está comigo”, ressaltou. “Eu quero que seja feita Justiça, pois na situação que me encontro é difícil. Eu perdi um filho, minha irmã está desaparecida". 

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Interposição de recurso

O advogado Leonardo Feitosa, que representa os três policiais nas esferas administrativa e criminal, disse que vai interpor recurso contra a expulsão do sargento Barros e analisar o processo para decidir como proceder sobre a punição do soldado Jucá. 

"A defesa teve conhecimento hoje das penalidades. O Diário Oficial não tem toda a fundamentação dos motivos fáticos e jurídicos das punições. Após ter acesso à integra do julgamento irei interpor o recurso cabível", afirmou. 

De acordo com o advogado, os policiais participavam de uma operação, em Chorozinho, e quando entraram no quarto em que Mizael estava foram surpreendidos, ao perceberem que ele portava uma arma de fogo.

"Eles efetuaram o disparo para se defender. A punição do policial Barros foi exorbitante e sem razoabilidade, tendo em vista que todas as testemunhas que prestaram esclarecimentos no processo administrativo estavam viciadas, pois tinham interesse em condenar os policiais", sustentou Feitosa. 


Atualizada às 16h40min