Professor cearense recorre à Justiça e recebe habeas corpus para cultivar maconha

Caso foi julgado oficialmente na segunda-feira, 28. Desde a pandemia, o docente cultivava maconha para fins medicinais

20:32 | Set. 06, 2023

Por: Gabriel Gago
O uso medicinal da maconha é tema de reportagem especial do O POVO (foto: JÚLIO CAESAR)

Um professor cearense, residente de Fortaleza, que prefere não se identificar, sofreu por vários anos com insônia grave e crise de ansiedade. Todavia, foi a Cannabis Sativa — nome científico da erva/maconha — que salvou as noites de sono. 

Ele já havia tentado diversos métodos, como o uso de Melatonina, que, segundo o professor, ajudava, mas não completamente. Em ocasiões de crises agudas, chegou a fazer uso de medicação controlada, como Zolpidem, mas o fármaco surtia muitos efeitos colaterais.

“Você dorme, mas acorda no outro dia ainda muito sonolento, efeito que dura mais tempo e atrapalha bastante”, revela.

No dia 28 de agosto, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) julgou dois habeas corpus que determinaram a concessão em favor de duas pessoas para cultivo em suas residências da planta, exclusivamente para extração doméstica do óleo de Canabidiol e uso estritamente pessoal e terapêutico com finalidade medicinal, mediante fiscalização.

Um dos habeas corpus (que confere autorização provisória) era para o professor, que obteve licença para plantar maconha em casa.

Sono era mais profundo com uso da maconha, afirma professor

Desde a adolescência, o professor sempre teve dificuldades para dormir, com ocorrências ocasionais de crises agudas de insônia. 

“Quando estava no meu doutorado, recebi a visita de um amigo uruguaio que fumava Cannabis, e, durante cerca de 15 dias que ele esteve me visitando, nós fumávamos todas as noites recreativamente, conversando antes de dormir. Me dei conta nos dias finais que vinha dormindo bem, como não me lembrava de jamais ter dormido antes. E foi a partir daí que eu comecei a comprar a erva e a fumar regularmente às noites para controlar a insônia”, conta.

Foi durante a pandemia que iniciou o cultivo, no entanto, por causa das restrições pandêmicas, ele teve medo que pudesse ficar sem obter a Cannabis. Temendo que isso pudesse virar um gatilho de ansiedade que atrapalhasse ainda mais as noites de sono.

“Quando comecei a cultivar em casa, sempre ficava com muito medo de algum vizinho descobrir ou alguém denunciar, então procurei um advogado, que me orientou sobre a possibilidade de solicitar o Habeas Corpus (HC)”, pondera.

Conforme o professor, para realização do pedido, foram solicitados uma série de documentos comprobatórios, como laudos médicos, psicológicos, relatos de familiares, entre outras coisas. Somente no ano passado (2022), ele conseguiu terminar de reunir as comprovações e ingressar com a ação.

"Hoje, os remédios à base de cannabis já estão praticamente legalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas são remédios caríssimos, que poderiam ser obtidos muito facilmente e infinitamente mais baratos se essa proibição fosse revista”, salienta.

Advogado pede por políticas de drogas mais resistentes

Ítalo Coelho, advogado criminal perito em Lei de Drogas, N° 11.343, atendeu o professor e o outro caso que também conseguiu o habeas corpus. Ambos tiveram sucesso no último julgamento.

De acordo com Ítalo, no Ceará, mais de 40 pessoas (adultos) já conseguiram autorização da Justiça para o cultivo legal de maconha. Além disso, conforme o advogado, o Ceará foi o primeiro estado a ter um adulto cultivando cannabis com autorização judicial, em 2017.

Na prática, o paciente ainda precisa entrar com uma ação judicial para poder cultivar a planta em casa. A discussão que existia e foi superada é que antes o tema podia ser tratado como cível (ações não criminais).

“Felizmente, ou infelizmente, está se tornando mais comum. Porque a gente não entra pro HC porque gosta, até porque o HC é uma ação criminal, mas infelizmente o sistema do Estado brasileiro não regulamentou o uso da Cannabis para fins medicinais, e, felizmente, existe o Judiciário, que, por meio desta ação, consegue proteger, por uma via oblíqua, o direito à saúde”, acrescenta o advogado.

“Por mais que o porte de drogas não seja crime para ordem de prisão, muitas pessoas são presas como traficantes, quando, na verdade, são usuárias para fins sociais. Há vários casos de pessoas que usavam para fins medicinais e foram presas mesmo assim. Enquanto o poder Legislativo não regulamentar, isto será uma tendência”, encerra Ítalo.