Qual a sua pesquisa: o caos é comum?
Estudo de pesquisador da UFC busca responder uma das mais importantes perguntas da matemáticaCaos, para a matemática, vai além do conceito que se tem da palavra fora do cenário acadêmico. A ideia, porém, não é muito distinta porque, em suma, ele é, dentro da matemática e da vida cotidiana, aquilo que não conseguimos prever.
A teoria do caos é o campo de estudo que busca entender o comportamento aleatório de sistemas que, a partir de condições iniciais ligeiramente diferentes, podem apresentar resultados extremamente distintos e impossíveis de prever.
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O campo interdisciplinar tem como uma das mais icônicas referências a pesquisa de Edward Lorenz, popularmente conhecida como o “efeito borboleta”, que demonstrou que o clima é um sistema caótico. Essa pesquisa instigou a conhecida noção de que, se uma borboleta bater as asas no Brasil, isso pode ocasionar um furação no Texas, ou seja, uma pequena mudaça ao início pode causar uma grande diferença no final.
Caos é exatamente o objeto de estudo do professor Mauricio Poletti, do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFC), em sua pesquisa “Quão Comum é o Caos?”, que foi selecionada na 6ª chamada pública de apoio à ciência do Instituto Serrapilheira.
Maurício tem 38 anos e é natural da cidade da cidade de Assunção, capital do Paraguai. Formado em Engenharia Eletrônica na Universidade Nacional de Asunción e pós-doutor pelas universidades francesas Paris XIII e Paris XI, ele mora no Ceará desde 2019, quando passou no concurso para lecionar na UFC.
Apesar da afinidade com a área, Mauricio conta que escolheu a graduação em Engenharia Eletrônica porque a carreira de pesquisador em matemática não existia no Paraguai. Foi por meio do contato com outros pesquisadores latino-americanos que ele descobriu a possibilidade e, com isso, decidiu fazer sua pós-graduação em Matemática e doutorado em Sistemas Dinâmicos, modelos matemáticos que buscam prever evoluções.
Entretanto, na tentativa de prever essas mudanças, pesquisadores recorrentemente se deparam com o inimigo da previsibilidade: o caos. Mas, afinal, quão comuns são esses sistemas caóticos? A pergunta – uma das mais importantes da sua área de estudo – é o que Mauricio Poletti pretende responder com a sua pesquisa.
Maurício afirma que o objetivo dos estudiosos em sistemas dinâmicos é entender o comportamento assintótico de um sistema ao longo do tempo e, para isso, identificar se um sistema é ou não caótico é essencial.
A pesquisa que vem sendo desenvolvida se propõe a entender quais são as propriedades que sistemas caóticos têm e quão comuns eles são. A diferença entre esse e outros estudos que buscam obter a mesma resposta é o método usado, uma técnica própria, desenvolvida por Maurício, que é resultado de pesquisas anteriores.
“Existem várias formas de medir que tão comum é uma propriedade matematicamente. No caso de sistemas dinâmicos, dizemos que uma propriedade é típica ou comum se, dada uma transformação, ou ela satisfaz a propriedade (ser caótico) ou eu consigo mudar ela bem pouquinho para satisfazê-la”, diz Maurício.
A pesquisa faz parte do trabalho para entender a teoria completa dos sistemas dinâmicos e, até o momento, não tem aplicações práticas. Entretanto, ela deve proporcionar avanços no campo da matemática no qual, como coloca Mauricio, aplicações práticas muitas vezes só são encontradas muito tempo depois.
"Uma aplicação mais antiga disso foi ver que, mesmo que tenhamos o computador mais preciso do mundo, não dá para prever o clima por um período muito longo, isso porque o sistema climático tem um comportamento caótico", afirma.
O efeito borboleta
“O conceito de caos em matemática vem do que é conhecido como 'efeito borboleta': o bater das asas de uma borboleta em Fortaleza pode causar um furacão na China”, explica o professor Maurício Poletti.
Tema de diversas obras de ficção, o efeito borboleta é uma das formas de compreender como o caos atua na matemática, ou seja, como pequenas mudanças no início podem ocasionar grandes diferenças no resultado final.
Apesar de estar presente em narrativas sobre viagem no tempo, o termo “efeito borboleta”, na verdade, surgiu de um trabalho científico desenvolvido pelo meteorologista e matemático Edward Lorenz, intitulado “Previsibilidade: O bater de asas de uma borboleta no Brasil causa um tornado no Texas?”
O modelo foi desenvolvido com o propósito de prever as condições atmosféricas a partir de equações simplificadas, resultando em uma figura que tomou o formato das asas de uma borboleta: o atrator de Lorenz.
O estudo de Edward Lorenz, publicado em 1963, não foi capaz de prever o que se propunha, porém acabou demonstrando que o clima é um sistema caótico. “Não podemos examinar todas essas pequenas borboletas por toda a terra para ver o que elas estão fazendo”, disse Lorenz em entrevista à jornalista estadunidense Rebecca Roberts.
“A ideia é de que pequenas alterações podem, com o tempo, causar grandes mudanças no que você está estudando”, diz o professor Yuri Lima, também da UFC.
Sistemas dinâmicos
Em termos simples, um sistema dinâmico é um modelo matemático de algo que evolui com o tempo. É dessa forma que o professor Mauricio Poletti explica o objeto de seus estudos e do grupo de pesquisa em sistemas dinâmicos e teoria ergódica, que integra junto com o colega da docência, Yuri Lima.
O grupo de estudos no tema foi criado em 2017, quando Yuri Lima ingressou como professor na UFC. Colegas dos campos de futebol na época em que estudavam na mesma universidade, atualmente os professores Yuri e Maurício desenvolvem pesquisas na área de sistemas dinâmicos.
“Em sistemas dinâmicos, estudamos sistemas que evoluem ao longo do tempo, modelados matematicamente por meio de um conjunto de estados (espaço topológico, métrico etc.), e transformações dentro desse espaço definem a evolução", elucida Mauricio.
Sistemas dinâmicos são definidos pelo espaço de estados possíveis e por uma lei de evolução, com os quais se entende como algo pode mudar através do tempo. Ele exemplifica: para entender os movimentos dos planetas, o espaço são as posições nas quais esses corpos celestes podem estar e a lei de evolução, as leis de gravitação de Newton.
O professor Yuri Lima pontua que o campo de estudo da matemática é ainda recente, tendo surgido no final do século 19 com o trabalho de Henri Poincaré, cujo objetivo era estudar a mecânica celeste. “Essa é uma área que tenta descrever de que modo os modelos matemáticos, os fenômenos físicos, biológicos, sociológicos, mudam com o passar do tempo", explica.
Um exemplo de caos na matemática
Um artigo publicado pelo pesquisador Peter I. Kattan demonstra o conceito começando pela função y = x - 1. Nesse caso, quando substituímos o y pelo resultado anterior de x, temos que x(1) = x(0) - 1 e x (2) = x(1) - 1. Essas sequências são chamadas iterações. Sendo x(0) igual a 10 temos a seguinte sequência:
x (1) = x (0) - 1 = 10 - 1 = 9
x (2) = x (1) - 1 = 9 - 1 = 8
x (3) = x (2) - 1 =8 - 1 = 7
x (4) = x (3) - 1 = 7 - 1 = 6
x (5) = x (4) - 1 = 6 - 1 = 5
Já se x(0) for igual a 20, então a sequência se torna:
x (1) = x (0) - 1 = 20 - 1 = 19
x (2) = x (1) - 1 = 19 - 1 = 18
x (3) = x (2) - 1 =18 - 1 = 17
x (4) = x (3) - 1 = 17 - 1 = 16
x (5) = x (4) - 1 = 16 - 1 = 15
Assim, a diferença entre x(5) para x(0)=20 e x(0) = 10 é a mesma diferença 20 - 10 = 10.
Já para a função y = 2x - 1, usando os mesmos valores, para x(0) = 10, a sequência se torna:
x (1) = 2x(0) - 1 = 20 - 1 = 19
x (2) = 2x(1) - 1 = 38 - 1= 37
x (3) = 2x(2) - 1 = 74 - 1 = 73
x (4) = 2x(3) - 1 = 146 - 1 = 145
x (5) = 2x(4) - 1 = 290 - 1 = 289
Já para x = 20, ficamos com:
x (1) = 2x(0) - 1 = 40 - 1 = 39
x (2) = 2x(1) - 1 = 78 - 1= 77
x (3) = 2x(2) - 1 = 154 - 1 = 153
x (4) = 2x(3) - 1 = 306 - 1 = 305
x (5) = 2x(4) - 1 = 610 - 1 = 609
A diferença entre x(5) para x=20 e x(5) para x= 10 é de 609 - 289 = 320.
Ao usar as quatro sequências para demonstrar o caos, Peter I. Kattan coloca: "Esta mudança substancial no final resultado não é esperada. É também totalmente imprevisível. Portanto, dizemos que há caos manifestado nesse exemplo. Assim, a equação y = 2x - 1 exibe comportamento caótico quando iterada".
(O exemplo original utilizado pelo autor foi alterado para semplificá-lo. No original, são utilizados os números 0,2673 e 0,2674)
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