Cobranças indevidas lideram queixas dos usuários de transportes por app no Ceará

Dezenas de reclamações como essas, feitas contra a Uber e a 99 POP, foram atendidas desde 2021 pelas principais entidades de defesa do consumidor ativas no Estado

Os aplicativos de transporte surgiram prometendo, dentre outras coisas, baratear o serviço de mobilidade privado. Essa promessa, contudo, ganhou como antagonista reclamações cada vez mais comuns de passageiros sobre cobranças indevidas. No Ceará, relatos assim lideram as queixas que usuários fizeram — durante os últimos três anos, às principais entidades de defesa do consumidor ativas no Estado. 

Conforme balanço do Programa Estadual de Defesa do Consumidor (Decon-CE), solicitado pelo O POVO, entre janeiro de 2021 até a última terça-feira, 25, foram recebidas 115 reclamações de passageiros sobre os dois serviços dessa modalidade mais utilizados na Unidade Federativa: Uber e 99 POP. 

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Dessas queixas, 93 foram voltadas a Uber, sendo a maioria sobre exigências de taxa extra (14) e cancelamento de viagens (6). Contra a empresa norte-americana ainda houve reclamações como: valor final da corrida diferente daquele apresentado durante a solicitação, cobrança indevida em que o pagamento foi feito diretamente com o motorista (por meio do sistema de pagamentos Pix), etc.

No mesmo período, a 99 POP recebeu 22 reclamações. Os relatos contra a companhia brasileira dizem respeito a "não devolução de itens deixados nos veículos e de cobrança indevida por corridas que, ou não foram realizadas pelos consumidores, ou que foram pagas diretamente com o motorista". 

Na Capital do Estado, o cenário não é diferente. Um levantamento realizado pelo Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza), no período entre 2021 e maio de 2023, mostra que o Município acumula registros de insatisfação da parte de quem utiliza esses dois apps.  

Leia mais: A rotina desgastante de cadeirantes que usam transporte por app

Os principais problemas relatados por usuários da Uber ao órgão, se referem a: cobrança indevida/abusiva (27), resolução de demandas, como a ausência de resposta, excesso de prazo e a não suspensão imediata da cobrança (3) e vício de qualidade, que abrange serviço mal executado, inadequado ou impróprio (2).

Já os atendimentos relacionados a 99 POP, dentro desse período analisado, são: cobrança indevida/abusiva (4), contrato, como não cumprimento, irregularidade, rescisão, etc., (2), resolução de demandas, como ausência de resposta, excesso de prazo ou a não suspensão imediata da cobrança (1).

Problemas geram insatisfação nos usuários

Os problemas relatados evidenciam também o alto uso desses tipos de aplicativos. De fato, seja para deslocamentos diários ou emergências, usar esses apps se torna, para muitas pessoas, o meio de transporte mais viável. Pedir uma corrida por aplicativo virou, para a maioria dos usuários, rotina. 

É o caso de Gabryelle Lima Assunção, de 27 anos, que incluiu o serviço em seu dia a dia. O uso frequente, no entanto, fez ela acumular também constantes experiências negativas. A última delas foi quando precisou se deslocar ao trabalho e teve a corrida cobrada em um valor maior do que o previsto. 

"Uma vez eu peguei pra ir pro trabalho, ele (o motorista) fez 'o caminho dele', não seguiu o GPS e no final cobrou 20 reais a mais. Fora várias vezes onde eu tenho a corrida cancelada", desabafa a jovem. 

A cobrança de taxa extra também acontece com frequência com Maria Soraia, de 22 anos. "Já passei por várias coisas. Ele (o motorista) cobrar a mais, não fechar a corrida e depois aparecer valor pendente,
aceitar o dinheiro físico e dizer que não foi pago", conta a social media.

Jovem ainda relata que uma vez pediu uma corrida para sua mãe e o motorista pediu para a mulher o valor de 15 reais a mais do que aquele que a plataforma havia cobrado. "Ele disse que tinha que dar (o valor) porque ele rodou mais antes pra achar o local que ela tava", conta.

"Fico triste por ser algo que tenho como necessário diante de um clima diferente, uma emergência que acontecer. Saber que posso passar por isso mais uma vez e que não é uma situação que possivelmente resolva para devolução de dinheiro e afins", desabafa ainda. 

A estudante de jornalismo Fabiana Melo, de 19 anos, também já enfrentou dificuldades em relação ao serviço de transporte privado. Uma vez, segundo ela, o motorista demorou pra encerrar a viagem, mesmo depois de tê-la deixado em casa, e a corrida que era para ter sido R$ 75 saiu por R$ 150.

"Eu me senti enganada algumas vezes, porque tinha situações que só cobravam no meu cartão, sem avisar do aumento da corrida. Se eu não soubesse sobre a questão de revisar a tarifa (disponível no app), estaria pagando por viagens que eu não tive culpa de ter aumentado o preço", diz a jovem.

Empresas podem ser multadas por práticas abusivas

De acordo com o Decon-CE, que é vinculado ao Ministério Público do Ceará (MPCE), as irregularidades relatadas pelos consumidores configuram como práticas abusivas segundo art. 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), "que veda o reajuste do preço para valor diferente daquele que foi contratualmente estabelecido, e a elevação, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços".

Eneylândia Rabelo, presidente do Procon Fortaleza, destaca que o CDC determina que exista o cumprimento forçado da oferta na venda de produtos ou na contratação de serviços. Ou seja, os valores que são anunciados inicialmente em uma viagem por aplicativo devem permanecer ao fim da corrida. 

"É importante que o consumidor faça prints dos preços anunciados, das mensagens de texto, de e-mails e exija o cumprimento da oferta", aconselha ainda Eneylândia. 

Caso a possibilidade de pagamento extra não fique clara de forma "prévia" ao usuário, ato pode ser caracterizado como prática abusiva. Segundo Rabelo, a empresa que cometer esse tipo de ação pode ficar passível de penalidades, como multas que podem chegar no valor de até mesmo R$ 16 milhões.

Tanto o Decon como o Procon oferecem suporte para pessoas que se sentirem lesionadas com esse ou com outro tipo de serviço consumido. Em casos assim, reclamantes podem procurar órgãos por meios eletrônicos, como WhatsApp, e-mail, dentre outras alternativas. 

Centrais de atendimento também são alvos de reclamações

Antes de procurar pelos órgãos de apoio ao consumidor, os usuários têm também a possibilidade de fazer reclamações aos próprios aplicativos. Uber e 99 POP disponibilizam canais para que os passageiros possam relatar ocorridos como cobranças indevidas ou demais eventualidades negativas que possam acontecer. 

No entanto, segundo balanço do Decon, esses serviços são também alvos de reclamações dos passageiros. Consumidores de ambas as companhias relataram dificuldades para entrar em contato com a Central de Atendimento, principalmente em relação à ausência de atendimento por telefone ou de forma presencial.

Segundo Decon, a "ausência da modalidade de atendimento (por telefone ou presencial) afeta, em especial, os consumidores que não possuem mobilidade digital", dentre eles usuários mais velhos e até mesmos já idosos.

Maria Soraia sente esses duas realidades direta e indiretamente. Como consumidora, ela diz que constantemente enfrenta "burocracia" quando reclama de algo nos aplicativos e que quase sempre tem como retorno apenas "uma mensagem robótica", que não soluciona seu problema.

Além de viver essa problemática, a jovem também vê sua mãe, de 52 anos, passando por coisas semelhantes. Ela diz que a genitora tem dificuldades para fazer reclamações nas plataformas e que constantemente é enganada pelos motoristas nas corridas diárias que precisa fazer ao trabalho.

A mãe da social media, Maria Sorligna, conta que, além dos problemas citados pela filha, ela é por várias vezes "enganada" pelos motoristas. "Se eu pago a mais (do que a corrida vale) eles dizem que vão colocar (a diferença do valor) como crédito e não colocam, quando eu menos espero eu estou devendo. Eu pago, fica o troco e eu ainda fico devendo", relata a cuidadora. 

Regularização e conhecimento podem ser caminhos

Segundo o especialista em mobilidade, Mário Angelo, as questões que levam ao descontentamento dos usuários estão ligadas a estrutura dos serviços de aplicativo. Ele lembra que as empresas que operam os apps são em sua maioria estrangeiras e que, na prática, não cumprem o que geralmente vendem.

"O objetivo (das empresas) não é a qualidade do transporte. Se não tiver controle pra esses serviços essenciais, se deixar por conta só do capital, dos empresários, o objetivo é ganhar dinheiro, não é atender as necessidades das pessoas", pontua.

Angelo, que também é professor no Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), reforça ainda que empresas desse porte costumam explorar os motoristas e que ganham força em cenários de alto desemprego, onde surgem como solução de renda para muitas pessoas. 

Ele também reforça que os apps surgiram como uma alternativa ao transporte público, visto que esses ainda apresentam dificuldades quanto ao investimento recebido. Nesse sentido, populares recorrem aos transportes privados como meio alternativo de deslocamento. 

Levando isso em consideração, o especialista acredita que a solução para melhorar a eficácia desses aplicativos passam por dois caminhos: regularizar esses serviços, de forma a existir agentes que façam um acompanhamento do que está sendo oferecido/executado, e melhorar o transporte público para dar aos usuários nichos de atendimento diversos, ambos com qualidade, segurança e competência.  

Para a presidente do Procon Fortaleza, Eneylândia Rabelo, quanto maior a intensidade da relação de consumo entre fornecedor e consumidor, há uma tendência de aumento de reclamações e denúncias. Ela pontua ainda a necessidade de que, tanto usuários como empresas conheçam a legislação brasileira.  

"As empresas desse segmento (de transporte por aplicativo) precisam ficar atentas à legislação brasileira consumerista, que é uma das mais avançadas do mundo, todavia, carece de maior conhecimento por parte de quem presta e por quem utiliza serviços", destaca a representante. 

Plataformas garantem suporte aos passageiros

Procurada pelo O POVO, a assessoria da Uber explicou que seria preciso ter acesso aos dados das viagens que foram alvos de reclamações, como placa de veículo, nome do motorista ou nome do usuário, para poder verificar se casos ocorreram em corridas com a plataforma e checar "eventuais desdobramentos".

Como não tiveram acesso as informações requeridas, uma vez que são pessoais e não estão atreladas aos levantamentos disponibilizados, empresa frisou que não conseguiria verificar os casos. 

"A empresa ressalta que a cobrança por fora de qualquer valor diferente do que foi calculado pelo app e aparece na tela do usuário configura uma violação aos Termos e Condições da plataforma. Caso ocorra algum tipo de cobrança nesse sentido, o usuário pode denunciar o motorista parceiro pelo próprio aplicativo. Temos equipes e tecnologias próprias que analisam viagens suspeitas para identificar tais violações e, caso comprovadas, tomar as medidas cabíveis", aconselhou em nota. 

Em relação a acessibilidade, a companhia informou que "busca constantemente iniciativas tecnológicas para facilitar a vida dos usuários e segue testando novidades para facilitar o acesso do app à mais pessoas".

Já a 99 destacou que "oferece transparência" no repasse de valores das corridas e na cobrança de tarifas. "Ambos (motoristas e usuários) recebem informação de estimativa sobre o valor desde o início da viagem e, também, a confirmação do preço final assim que a corrida é finalizada. Quaisquer cobranças adicionais ou falta de pagamento não estão de acordo com os Termos de Uso do aplicativo e devem ser reportados à plataforma.", frisou em nota encaminhada ao O POVO.

Empresa brasileira ainda explicou que, acessando a "Central de Ajuda" do aplicativo, usuários podem fazer reclamações quanto a itens perdidos. Basta acessar a opção “esqueci um item no carro” e entrar em contato com o motorista parceiro via chat após o término da corrida. Quanto a pedido de suporte ou realização de outras denúncias, basta acessar a aba “Ajuda” em “Minhas Corridas” ou pelo chat online.

"Caso o usuário tenha esquecido o próprio celular, é possível que um terceiro faça o registro. A 99 esclarece que, em seus Termos de Uso, não se responsabiliza por objetos esquecidos dentro dos veículos", destaca assessoria da companhia.

"A empresa ressalta ainda que orienta e sensibiliza seus motoristas e motociclistas parceiros a tratar passageiros e passageiras com gentileza e respeito. Em seus termos de uso, a empresa ressalta que motoristas parceiros não podem selecionar passageiros por quaisquer motivos, além de tratá-los com boa fé, profissionalismo e empatia", pontuou também, completando que essas e outras informações estão disponíveis no Guia da Comunidade 99, que fornece orientação sobre o uso da plataforma. 

Saiba a quem recorrer em caso de problemas com apps

Procon

O consumidor deve munir-se de prints e arquivos que demonstrem a prática abusiva de não cumprimento da oferta. É possível realizar abertura de reclamação pelo Portal da Prefeitura de Fortaleza (www.fortaleza.ce.gov.br), no campo "Defesa do Consumidor", solicitando a devolução em dobro de valores pagos a mais, comparado a valores anunciados.

Decon

Os usuários que passarem por problemas quanto ao não cumprimento da oferta podem procurar o Decon via WhatsApp, através do número (85) 98685-6748, ou pelo e-mail [email protected].

Procure pela plataforma

Tanto a Uber como a 99 POP possuem canais de atendimento onde podem ser feitas reclamações sobre taxas extras, cancelamentos ou demais problemas que possam estar relacionados ou não a viagem. 

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