Ceará tem 56 mil indígenas, segundo Censo 2022; número quase triplicou comparado a 2010
Caucaia é cidade com maior número de indígenas no Ceará. Terras do povo Tapebas é o território indígena mais populoso do Estado
10:00 | Ago. 07, 2023
Dados do Censo Demográfico de 2022 publicados nesta segunda-feira, 7, mostram que o Ceará tem 56.353 residentes indígenas. A pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou um avanço no recenseamento desse grupo. No Censo 2010, apenas 20.697 se consideravam indígenas. O número quase triplicou no Estado.
Censo 2022: a fotografia da população indígena por lentes full HD
“Desde o último censo, houve uma busca de melhorias metodológicas do IBGE que envolveram várias questões, como a ampliação da cartografia, o mapeamento dessas comunidades, o diálogo”, explica o antropólogo e analista censitário de povos e comunidades tradicionais Fábio Jota.
Leia mais
Neste recenseamento, além de ter “índigena” como opção de raça e cor, como no Censo de 2010, a autodeclaração foi reforçada com a pergunta “você se considera indígena?”. Novas terras delimitadas oficialmente na última década também foram incluídas na pesquisa, como a dos Tapebas, em Caucaia.
O Ceará está entre os estados com menor quantidade de indígenas vivendo em terras oficialmente delimitadas, com 10.524, o que corresponde a 18% da população total do grupo. Esse dado demonstra o atraso na demarcação dos territórios. Apesar de ter 20 povos indígenas no Estado, apenas duas terras foram homologadas: Córrego João Pereira e Barra do Mundaú, ambas do povo Tremembé.
Entenda as categorias dos processos de demarcação das terras indígenas:
- Em estudo: etapa de realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena;
- Delimitadas: terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena;
- Declaradas: terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento;
- Homologadas: terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por decreto Presidencial;
- Regularizadas: terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União.
O IBGE considerou como terras indígenas oficialmente delimitadas aquelas que tinham sido declaradas, homologadas, regularizadas e encaminhadas como reserva indígena até agosto de 2022.
No Ceará, apenas sete terras encontravam-se nestas categorias:
- Córrego João Pereira (Regularizada)
- Lagoa Encantada (Declarada)
- Pitaguary (Declarada)
- Taba dos Anacé (Encaminhada RI)
- Tapeba (Declarada)
- Tremembé da Barra do Mundaú (Declarada)*
- Tremembé de Queimadas (Declarada)
*A terra Tremembé da Barra do Mundaú foi homologada em 2023, depois do período considerado pelo Censo 2022.
Caucaia é cidade com maior número de indígenas do Ceará
A cidade com maior número absoluto de indígenas do Ceará é Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Com 17.628 indígenas, o município teve o sexto maior aumento dessa população do Brasil. No Censo de 2010, apenas 2.706 indígenas foram recenseados.
O território Tapeba, localizado em Caucaia, é o mais populoso do Estado, com 10.081 moradores, sendo 5.328 pessoas indígenas. Para Fábio Jota, o principal avanço entre os dois Censos foi a apropriação da identidade indígena pelos povos.
Kílvia Tapeba, presidente da Associação de Mulheres Indígenas Tapebas, afirma que ainda é necessário um trabalho de sensibilização para que os indígenas se reconheçam como tal. “Ainda é difícil as pessoas realmente se identificarem como indígenas. Antigamente, era mais difícil devido à perseguição e discriminação, mas hoje a gente consegue levar esse nome, mesmo ainda sofrendo preconceito”, afirma Kílvia.
As entrevistas com o povo Tapeba foram realizadas em momento para a imprensa, proporcionado pela superintendência do IBGE no Ceará, na última sexta-feira, 4. Na ocasião, alunos de uma escola indígena fizeram uma apresentação cultural e lideranças conversaram sobre os novos dados.
“Eu ainda acho que não chegou perto do que a gente sabe que existe”, opina Naara Tapeba, vice-coordenadora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince). Para ela, o recenseamento de povos originários ainda precisa avançar.
No entanto, com os novos números oficiais, Naara espera que a luta por políticas públicas eficientes avance. “Que esses dados deem uma visibilidade maior para que essas políticas cheguem nessas comunidades que, de certa forma, tem uma vulnerabilidade muito alta”, afirma.
Escolas indígenas com boa infraestrutura, segurança hídrica e a demarcação de terras são as principais reivindicações para os povos do Ceará, conforme Naara. “A gente entende que os órgãos públicos se preocupam mais com os números e estatísticas do que com as pessoas. Então, a gente espera que as políticas públicas que já existem venham a ser melhoradas”, concorda Kilvia.
Kilvia relembra que o reconhecimento da existência de indígenas no território cearense é recente na história do Estado. Há 160 anos, em um documento oficial, o presidente da província, José B. C. Figueiredo Júnior, chegou a afirmar que não existiam mais indígenas no Ceará.
A luta pela perpetuação da importância da cultura indígena é o que faz a Pajé Raimunda Tapeba, de 78 anos, continuar repassando os conhecimentos para os mais novos.
“Eu converso com eles que estudem, que procurem falar com os antigos que sabem as histórias dos antepassados. Porque daqui a alguns dias eles se vão, levam com eles. Eu peço a esse jovem que leve a sua cultura pra frente, a sua tradição, o respeito. O mais importante é levar a frente, não deixar a cultura morrer e nem se acabar”, diz.