80% dos quilombolas do Ceará vivem fora dos territórios delimitados
Quilombolas foram recenseados pela primeira vez no Censo Demográfico 2022. Os resultados são divulgados nesta quinta-feira, 27
10:15 | Jul. 27, 2023
O Ceará tem 23.955 pessoas que se consideram quilombolas, de acordo com o Censo Demográfico 2022. Esta é a primeira edição da pesquisa que faz o recenseamento dos povos remanescentes de quilombos. No Estado, 19,1% deles vivem em territórios quilombolas oficialmente delimitados e 80,8% vivem fora desses limites.
Ao todo, o Ceará tem 15 territórios quilombolas oficialmente delimitados, ou seja, que apresentam alguma delimitação formal no acervo fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou de outros órgãos com competências fundiárias.
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No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 181 agrupamentos quilombolas no Estado. Os quilombolas cearenses estão divididos entre 68 cidades.
A cidade com maior número de pessoas quilombolas é Caucaia, com 2.615 pessoas desse grupo. Em segundo lugar ficou Horizonte, com 2.282 quilombolas.
Outros cinco municípios têm mais de mil pessoas que se afirmam nessa identidade. São eles: Salitre, com 1.804, Tururu, com 1.422, Tauá, com 1.069, Novo Oriente, com 1.053, e Aracati, com 1.016 quilombolas. Em Fortaleza, apenas 39 pessoas afirmaram ser quilombolas.
Nem todas as pessoas que moram em territórios quilombolas se consideram parte do grupo. Nas terras delimitadas cearenses, pelo menos 3.284 moradores não se identificam como quilombolas, correspondendo a 41,6% da população desses locais.
A luta pela titulação das terras quilombolas
Para a pesquisadora, artista e quilombola Ana Eugênia, o Censo 2022 pode ajudar na luta histórica pela titulação das terras desse grupo étnico. “Esse Censo para nós é muito importante, porque ele vai tensionar o poder público e a sociedade a olhar para a comunidade de quilombos que historicamente foi invibilibizada”, diz.
O Ceará tem 15 terras quilombolas oficialmente delimitadas que estão em processo de regularização fundiária. No entanto, nenhuma delas tem a titulação oficial. Segundo a pesquisadora, 34 terras têm processos abertos no Incra e aguardam o andamento da ação.
A invisibilização dessa população é forte no Ceará, segundo Ana. “Até hoje quando as pessoas olham para a gente, pensam que não somos daqui. Nós somos do Ceará, somos do Sítio Veiga, do Boqueirão, estamos em mais de 60 municípios”, reafirma.
Quilombola do Sítio Veiga, localizado em Quixadá, Ana explica que a população do território é formada principalmente por pessoas que vivem da agricultura de subsistência e dependem da terra para sobreviver. “Sem o território, é basicamente impossível pensar em políticas públicas. A base primordial é o território. É sagrado, é um espaço de encantos, de encontros e é um manto de memória.”
Educação e saúde para quilombolas, respeitando as especificidades do grupo, é algo ainda escasso no Ceará, conforme a pesquisadora. Eugênia conta que os quilombolas sofrem ainda com a violência no campo, devido às disputas pelas terras não demarcadas oficialmente. “Esses quilombos contemporâneos também são perseguidos. Enquanto o Estado não regularizar, essas violências vão continuar acontecendo”, afirma.
A importância do censo também é reforçada por Aurila Maria de Sousa Sales, da comunidade quilombola de Nazaré, em Itapipoca. Segundo ela, que atua como coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), pesquisa dá visibilidade a luta por terras.
"O censo representa pra gente um fortalecimento muito grande, porque além de reavivar a nossa força ele vem justificar, mostrar que a gente existe, que nós somos uma população, que existimos, que estamos na luta e precisamos de direito. Pra nós, o censo é de fundamental importância", destaca.
Como o recenseamento de quilombolas foi realizado
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela realização do Censo 2022, considerou como quilombolas aquelas pessoas que responderam de forma afirmativa à pergunta “você se considera quilombola?”, aberta de forma espacialmente controlada em locais específicos previamente definidos pelos pesquisadores.
Nos casos em que a resposta foi afirmativa, também foi questionado “qual o nome de sua comunidade?”. O recenseamento desse povo foi concentrado em territórios quilombolas oficialmente delimitados, ou seja, que apresentavam alguma delimitação formal no acervo fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou de outros órgãos com competências fundiárias.
Ao todo, o IBGE considerou que o Brasil possui 494 territórios quilombolas nesses termos, distribuídos em 24 estados e no Distrito Federal. Agrupamentos quilombolas e áreas associadas aos territórios também foram recenseadas.
O que é um território quilombola?
São consideradas terras quilombolas, locais ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos. Essa população, de acordo com o artigo 2º do Decreto 4.887 de 2003, é composta por “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. (Colaborou Gabriela Almeida)