Ceará é estado do Brasil com maior registro de homicídios contra LGBTQI+
O Estado também foi o terceiro em número de lesões corporais dolosas contra pessoas LGBTQI+, com 435 registrosCom 32 homicídios, o Ceará foi o estado do Brasil com maior número de mortes violentas contra LGBTQI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais), de acordo com a edição de 2023 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta quinta-feira, 20, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados correspondem aos crimes registrados pelas secretarias estaduais de segurança no ano de 2022. Em segundo lugar, Pernambuco registrou 30 homicídios dolosos contra essa população, seguido de Alagoas, com 18 mortes, e Minas Gerais, com 14.
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O Estado também foi o terceiro em número de lesões corporais dolosas contra pessoas LGBTQI+, com 435 registros. Neste crime, o Ceará fica atrás apenas de Pernambuco e Minas Gerais, com 540 e 517 registros, respectivamente. A população LGBT também foi vítima de 32 estupros no Estado.
Nem todos os estados brasileiros responderam ao pedido de dados da pesquisa. Acre, Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo não enviaram dados sobre homicídios, estupros ou lesões corporais dolosas contra LGBTs.
De acordo com a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Mariana Lobo, o Brasil viveu nos últimos anos uma desarticulação de políticas importantes, como a de assistência e garantia de direitos e a de segurança pública.
Movimento teria refletido nos índices estaduais sobre violência, uma vez que houve elevação dos casos de intolerância. "Esses dados revelam também um aumento do crime de ódio", pontua a defensora.
Além disso, a representante da DPCE destaca que o Ceará não tem políticas públicas de saúde efetivas que garantam assistência à população LGBTQI+. Lobo cita também falhas no sistema judiciário do Estado, referentes aos dados voltados para essa comunidade.
De acordo com a defensora, não há, por exemplo, um indicador de crimes cometidos contra mulheres trans. Nesse sentido, Mariana destaca a importância de criar políticas para dar mais visibilidade a violências como essa, permitindo a efetivação de ações de combate.
Subnotificações de dados oficiais
A publicação destaca a fragilidade e a subnotificação dos dados oficiais produzidos no Brasil em relação a crimes de ódio, motivados por LGBTfobia e racismo. Por isso, o Anuário também trouxe dados de organizações da sociedade civil, como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e do Grupo Gay da Bahia (GGB).
Segundo o Anuário, as organizações “seguem contabilizando mais vítimas que o Estado, mesmo dispondo de menos recursos que a máquina pública”. O GGB, por exemplo, contabilizou 256 vítimas LGBTQI+ de homicídios em 2022 no Brasil, enquanto os dados oficiais mostram apenas 163 mortes.
O dado do Ceará, pela contagem do GGB, teria duas mortes a mais. O grupo também fez uma taxa levando em conta o número de homicídios a cada um milhão de habitantes de cada unidade da federação. Com uma taxa de 3,8, o Ceará segue liderando o ranking de estados que mais mata LGBTs.
Segundo Renata Gois, co-fundadora da Outra Casa Coletiva, república de acolhimento a comunidade LGBTQIA+, "existem múltiplos aspectos que influenciam na subnotificação dos casos de LGBTfobia no Brasil". Dentre eles está a falta de acolhimento humanizado, que ocorre por meio da revitimização que pessoas desse grupo sofrem quando procuram a estrutura da segurança pública.
"Existe um esforço gigantesco da gente, que é movimento social, e das estruturas relacionadas à política de diversidade no próprio governo para que esse quadro mude. Então, as pessoas deixam de denunciar porque não se sentem seguras para isso", explica a representante da instituição.
Ainda segundo Gois, outros fatores que dificultam a coleta dos dados é a prática de autoridades em "desconsiderar a LGBTfobia do caso e destacar outro aspecto como violência urbana comum", além da dificuldade que a vítima sente em denunciar quando a violência é sofrida dentro da própria casa.
"É muito complexo convencer uma pessoa vítima desse tipo de abuso ou abandono a registrar um BO contra a família", conta a co-fundadora da Outra Casa Coletiva, informando ainda que casos de violência doméstica são os que mais chegam até a república.
Ceará inaugurou delegacia de crimes por discriminação em 2023
Em 2023, o Ceará inaugurou a Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin), tema de reivindicações antigas de movimentos sociais.
Neste ano, também foi publicada uma portaria com novos protocolos para o atendimento da população LGBTQI+ e mulheres em situação de violência. Com exceção de latrocínios, as mortes violentas contra esses grupos devem ser tratadas de início como resultantes de discriminação, intolerância ou machismo estrutural.
Desde 2021, os crimes de preconceito por raça, cor ou condutas homofóbicas e transfóbicas podem ser registrados por meio da Delegacia Eletrônica da Polícia Civil do Ceará.
SSPDS afirma acolher demandas de população LGBTQI+
Procurada pelo O POVO, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) destacou, em nota, que "tem o compromisso de atender e acolher as demandas das pessoas LGBTQIAPN+". Pasta assegurou que utiliza ferramentas estratégicas, como o monitoramento realizado pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp).
"É importante mencionar a Sediv, primeira secretaria de nível estadual no Brasil que cuida dos interesses deste grupo vulnerável (...) Como resultado dos avanços, em 16 de maio deste ano a SSPDS e a Sediv assinaram Termo de Cooperação Técnica para o estudo dos índices estatísticos, que são acompanhados Observatório Cearense dos Crimes Correlatos por LGBTQIAPNfobias da SSPDS", destacou ainda pasta.
Conforme SSPDS, o Observatório conta com representantes de todos "os órgãos vinculados à pasta, que analisam procedimentos policiais, identificam vulnerabilidades e sugerem protocolos de atuação". Entidade também frisou a importância de denunciar violências para a elucidação dos crimes.
"Em Fortaleza, a Decrin investiga as violações contra pessoas LGBTQIAPN+, com exceção dos CVLIs, que são rigorosamente investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Nas cidades sem a unidade especializada, o registro pode ser feito nas delegacias metropolitanas, regionais ou municipais, além da Delegacia Eletrônica (Deletron), que dispõe de campos específicos para denúncias de LGBTfobia", diz órgão.
Confira nota na íntegra
"A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) destaca seu compromisso em atender e acolher as demandas das pessoas LGBTQIAPN+. Uma das ferramentas estratégicas é o monitoramento realizado pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), já reconhecido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), por sua excelência na qualidade, transparência e nível de informações publicizadas, servindo de referência para outros estados, que dispõem de poucas ou nenhuma informação detalhada sobre os casos de violência contra a comunidade LGBTQIAPN+, impossibilitando avanços nas políticas de segurança destinadas ao grupo vulnerável.
Os estudos estratégicos científicos da Supesp qualificam os investimentos realizados pelo Governo do Ceará, por meio da SSPDS, em equipamentos de prevenção e repressão aos crimes contra os integrantes dos grupos vulneráveis. Em 15 de fevereiro deste ano, Dia Estadual de Combate à Transfobia, foi entregue a Delegacia de Repressão aos Crimes por Descriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), formada por policiais civis que garantem uma escuta qualificada e personalizada das vítimas.
A delegacia funciona dentro Centro de Formação e Inclusão Socioprodutivo (Cefisp), onde também funciona o Centro de Referência LGBT+ Thina Rodrigues, da Secretaria da Diversidade do Ceará (Sediv), fortalecendo ações transversais e unificadas entre os diferentes setores estaduais que se preocupam com a redução da vulnerabilidade das pessoas LGBTQIAPN+.
É importante mencionar a Sediv, primeira secretaria de nível estadual no Brasil, que cuida dos interesses deste grupo vulnerável. A Secretaria foi criada em janeiro de 2023 para aprimorar as ações realizadas anteriormente pela Coordenadoria Estadual LGBT. Como resultado dos avanços, em 16 de maio deste ano, a SSPDS e a Sediv assinaram Termo de Cooperação Técnica para o estudo dos índices estatísticos, que são acompanhados Observatório Cearense dos Crimes Correlatos por LGBTQIAPNfobias da SSPDS, além de aprimorar os atendimentos realizados pelas Forças de Segurança do Ceará.
O Observatório conta com representantes de todos os órgãos vinculados à SSPDS, que analisam procedimentos policiais, identificam vulnerabilidades e sugerem protocolos de atuação. O encontro mais recente aconteceu em 29 de junho de 2023, para avaliação dos inquéritos de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) ocorridos no primeiro semestre. Conforme os estudos, as Forças de Segurança do Ceará realizaram oito prisões e apreensões de menores e identificaram oito pessoas envolvidas nos CVLIs ocorridos neste ano.
Destaca-se também que, desde março de 2023, está em vigor a Portaria de Instrução Normativa Nº0644/2023, publicada pela SSPDS. O documento é amparado pelas diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com determinações para o atendimento realizado pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), em especial pelo Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), além registro inicial das denúncias na Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança Pública (Ciops) e instauração de procedimentos investigativos na Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE).
Já no último dia 10 de julho, a PC-CE publicou a Portaria Normativa nº 05/2023. O documento padroniza as técnicas e processos a serem adotados nos registros e investigações relacionadas às mortes violentas de mulheres e demais integrantes dos grupos vulneráveis, incluindo a população LGBTQIAPN+. A PC-CE trabalha, neste momento, na orientação interna aos servidores sobre a mudança.
Por fim, a SSPDS destaca que a denúncia dos crimes é importante para a investigação e posterior elucidação dos crimes. Em Fortaleza, a Decrin investiga as violações contra pessoas LGBTQIAPN+, com exceção dos CVLIs, que são rigorosamente investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Nas cidades sem a unidade especializada, o registro pode ser feito nas delegacias metropolitanas, regionais ou municipais, além da Delegacia Eletrônica (Deletron), que dispõe de campos específicos para denúncias de LGBTfobia".
Com a repórter Gabriela Almeida
Atualizada às 20h30min
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