Após denúncias de tortura, OAB-CE vai propor criação de comitê ao Governo do Estado

Audiência pública promovida pela entidade debateu a situação atual do sistema prisional cearense, na esteira dos relatos recentes de tortura contra detentos

Após os recentes relatos de violência policial contra detentos no sistema penitenciário do Ceará, a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) anunciou que vai propor ao Governo do Estado a criação de um comitê intersetorial de combate à tortura nos presídios cearenses. A proposta foi um dos encaminhamentos de uma audiência pública realizada nesta quinta-feira, 20, na sede da entidade, em Fortaleza, para discutir a situação atual do sistema carcerário do Estado.

O encontro contou com a participação de representantes do Ministério Público do Ceará (MPCE), da Defensoria Pública e de entidades ligadas aos Direitos Humanos. O Secretário da Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque, foi convidado a participar, mas não compareceu. A ausência rendeu críticas de praticamente todos os presentes que discursaram para a plateia.

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“Era obrigação dele estar aqui. Para que pudesse responder às indagações. Foi uma das primeiras autoridades que convidamos”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Penitenciário da OAB Ceará, Márcio Vitor de Albuquerque. O chamamento também foi ignorado pelos diretores dos presídios de Fortaleza e da Região Metropolitana. Juízes e corregedores da 4ª Vara de Execução Penal e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Fortaleza igualmente se ausentaram.

O defensor público Victor Emanuel Esteves manifestou preocupação com a crescente onda de denúncias sobre possíveis casos de tortura nos presídios. “Temos recebido casos cotidianamente”, alertou. Diante do aumento na demanda, a Defensoria visitou quatro unidades de detenção no começo deste mês para apurar as denúncias e dar ciência ao MPCE e ao Poder Judiciário sobre a situação encontrada.

Familiares de presos que dizem ter sido torturados por policiais penais também participaram da audiência. Eles relataram que as agressões viraram rotina dentro dos presídios e apontam que os parentes dos presos são tratados de forma humilhante durante as visitas às penitenciárias.

A dona de casa Francisca de Oliveira, 40, esposa de um detento recolhido na CPPL III, em Itaitinga, afirmou que o marido teve os dedos da mão direita quebrados por agentes penais durante o banho de sol. “Isso tudo aconteceu porque ele não estava reto na fila que [os agentes] pediram para formar. Encostaram ele em uma grade e tacaram o cassetete na mão dele”, relatou.

Episódios de violência também teriam acontecido na Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba. A atendente comercial Maria Gabriele Medeiros, 22, esposa de um dos detentos da unidade, falou sobre hematomas encontrados no corpo do marido. “A cada visita que a gente faz, ele tem uma marca de agressão diferente”. A mulher também reclamou sobre o uso dos detectores de metais para revista ao filho do casal, de um ano, que só teria acesso ao pai após a retirada de fraldas, roupas e objetos pessoais.

A presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Ceará, Joelia Silveira, saiu em defesa da categoria. Ela não contradisse os relatos de agressão contra os presos, mas argumentou que os agentes também são vítimas do que classificou como “tortura psicológica da gestão”.

“O policial penal não tem culpa. Ele recebe ordens e sofrem tortura psicológica. Nossos policiais estão adoecidos, com a pressão, com a perseguição dessa gestão que está aí hoje”, frisou Joelia, apontando a superlotação dos presídios como o fator que mais pressiona psicologicamente os cerca de 3,5 mil policiais penais do Ceará.

Única representante do Governo do Estado na sessão, a secretária dos Direitos Humanos, Socorro França, informou que a pasta acompanha 638 denúncias de tortura no sistema penal do Ceará. Os casos são analisados pelo Observatório dos Indicadores de Direitos Humanos (Oisol), vinculado à secretaria. França evitou falar sobre a ausência do titular da SAP e saiu antes do encerramento da audiência.

Ao fim do encontro, foi aprovada a proposta de elaboração de uma carta destinada ao governador Elmano de Freitas (PT) pedindo urgência na instalação de câmeras no fardamento dos agentes penais. Outro pedido que deve ser encaminhado ao Governo é o detalhamento dos processos sobre tortura no sistema prisional que tramitam na Controladoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública (CGD).

Procurada pelo O POVO, a SAP afirmou que as denúncias de tortura são infundadas e tem como objetivo principal promover um "ataque coordenado" contra as políticas de ressocialização implantadas no sistema prisional do Ceará.

“A SAP reafirma seu compromisso prático de valorização da pessoa humana em números transparentes e incontestáveis e informa que recebe visitas regulares de instituições fiscalizadoras, como Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, além de entidades de controle social”, assinalou a pasta, em nota.

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