Sistema carcerário do CE: juiz aponta falta de estrutura para atender presos em surto
"Temos notícias de pessoas que estão surtando e partindo para cima, uma situação de desespero", relata o juizPessoas em sofrimento mental no sistema carcerário do Ceará não têm estrutura para tratamento adequado. A informação é do responsável pela célula de saúde mental do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF), juiz Cézar Belmino. Em resposta, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que todos os internos com sofrimento mental recebem amparo multiprofissional.
O magistrado Cézar Belmino é titular da 3ª Vara de Execução Penal da Comarca de Fortaleza e destaca que a situação é crítica. "Temos notícias de pessoas que estão surtando e partindo para cima, uma situação de desespero", relata o juiz.
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De acordo com o magistrado, aproximadamente 11 presos estavam no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), em uma ala improvisada, no último dia 23 de junho. Outra parte estava no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes (IPGSG), que, conforme o juiz, não funciona como hospital psiquiátrico, mas como uma unidade básica de saúde.
"Há 12 anos estamos aqui pensando que tínhamos um instituto psiquiátrico dentro do sistema penitenciário, mas não temos", diz o juiz corregedor, que integra o GMF.
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Ainda de acordo com o juiz Cézar Belmino, o GMF busca uma rede de apoio institucional. "O enfrentamento é cumprir a lei antimanicomial no sistema carcerário."
Em 2020, um grupo de saúde mental já havia sido criado. "Isso não vem ocorrendo de hoje, tanto que o GMF, em 2020, criou o grupo de saúde mental e, recentemente, começamos a fazer parte do programa que acompanha a saúde no sistema prisional, a célula de acompanhamento da população carcerária e a desinstitucionalização da pessoa com sofrimento de saúde mental para buscar soluções alternativas para cumprir a lei antimanicomial", ressalta.
Conforme o juiz responsável pela célula de saúde mental, a lei existe desde 2001 e não foi cumprida. "São 22 anos da existência da lei, e ela nunca foi cumprida. Agora com a resolução do CNJ, estamos cumprindo no âmbito do sistema prisional", ressalta.
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A coordenadora do GMF, juíza Luciana Teixeira, explica que o judiciário quer encaminhar essas pessoas para um tratamento, mas não há equipamentos para atender à demanda.
"É uma situação ruim para quem está preso e para quem trabalha no sistema prisional. O ambiente é muito adoecedor. É uma situação que merece urgência", ressalta a juíza.
Presos em surto no sistema carcerário: SAP responde que há apoio multiprofissional
A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou, em nota, que todos os internos que estavam sob cuidados médicos e terapêuticos no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis) foram encaminhados às suas unidades de origem.
"A SAP esclarece que tem função institucional executora de pena e que as pessoas privadas de liberdade com sofrimento mental sob sua tutela recebem todo amparo multiprofissional e transversal do acolhimento e cuidado."
"Estamos com internos em sofrimento mental", diz juiz
No momento, a situação dos presos em surto no sistema carcerário do Ceará está em aberto. "Identificamos que não existe solução, aquelas pessoas que estão em sofrimento mental no sistema prisional não têm para onde ser encaminhadas. O sistema prisional não dispõe de sistema de tratamento, nem o sistema de saúde do Estado, União ou Município, não dispõem de tratamento para essas pessoas", afirma o juiz corregedor Cézar Belmino.
No Ceará, existem as redes de apoio psicossocial (RAPS), mas não são psiquiátricas. "Temos que dar uma solução rápida. Estamos com internos em sofrimento mental. A SAP não consegue encontrar solução, pois não depende deles, depende de uma rede de apoio maior. Estamos trabalhando para encontrar essa solução. Essas pessoas ficam trancadas, não recebem atendimento adequado de médicos, psiquiátricas. O corregedor cita a necessidade da criação de uma rede de apoio institucional", comenta.
O magistrado ainda cita os casos de tortura como um reflexo do momento atual do sistema carcerário do Ceará, especialmente em relação à saúde mental dos presos e dos policiais penais. Conforme o corregedor de presídios, os afastamentos de policiais penais acometidos por transtornos mentais também são fatores que preocupam.
Confira a lei da reforma psiquiátrica, na íntegra:
Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001
Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.
Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180o da Independência e 113o da República.
Fonte: Palácio do Planalto.
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