33 denúncias de tortura em presídios do Ceará são apuradas pelo Judiciário

Os casos são referentes aos anos de 2022 e 2023 e chegaram ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF). Juiz destaca que casos de tortura verificados nas inspeções vieram com "força total", destacando aumento

Há 33 denúncias de tortura registradas em 2022 e 2023 em unidades prisionais do Ceará sendo apuradas pelo Poder Judiciário. O trabalho está sendo realizado pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF), do Tribunal de Justiça do Ceará

As datas das comunicações ocorreram entre 19 de julho de 2022 e 5 de junho de 2023 e são apuradas por seis magistrados, que integram o GMF, sendo cada um responsável por uma célula de investigação dos fatos denunciados.

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Supervisor do GMF, o desembargador Eduardo Scorsafava aponta que a maior parte das denúncias é oriunda das inspeções dos magistrados nas unidades prisionais. O juiz de Execuções Penais Raynes Viana de Vasconcelos afirmou que casos de tortura verificados nas inspeções aumentaram.  

Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização pontuou ser "colaboradora das instituições fiscalizadoras, como Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, além de entidades de controle social", com "compromisso prático de valorização da pessoa humana em números transparentes e incontestáveis".

A Pasta destaca ainda a redução no número de homicídios dentro do sistema prisional. "Entre os anos de 2009 até 2019, os presídios cearenses tiveram 210 presos assassinados. Desde que a SAP foi criada, em 2019, esse número caiu para 2 vidas perdidas de forma violenta, justamente nos primeiros meses de criação da Pasta", acrescentou a SAP, apontando ainda parcerias para ressocialização de internos e revisão processual.

O governador Elmano de Freitas confirmou, nesta segunda-feira, que terá reunião com o secretário da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), Mauro Albuquerque, para discutir a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais penais. Há expectativa de que seja definida uma data para início do uso do equipamento.

O processo para uso das câmeras já estava em andamento na SAP, mas ganha mais relevância após afastamento da direção da Unidade Prisional Elias Alves da Silva (UP Itaitinga IV) por denúncias de violência e maus tratos contra os internos. Os integrantes da direção foram afastados temporariamente das atividades por 90 dias.

As unidades citadas nas 33 denúncias são: Unidade Prisional Agente Penitenciário Luciano Andrade Lima; Unidade Prisional Professor José Jucá Neto; Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica; Unidade Prisional Elias Alves da Silva; Unidade Prisional Professor Clodoaldo Pinto; Unidade Prisional Feminina Desembargadora Auri Moura Costa (UPF); Unidade Prisional Vasco Damasceno Weyne; Unidade Prisional de Aquiraz; Unidade Prisional de Segurança Máxima do Estado do Ceará; Unidade Prisional Francisco Hélio Viana de Araújo (UP-Pacatuba); Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II.

Scorsafava afirmou, em entrevista ao O POVO, que, semanalmente, os juízes corregedores realizam inspeções nas penitenciárias.

"A gente tem trabalhado nesses casos de tortura do sistema prisional. Muitas delas são por meio da própria inspeção dos juízes (corregedores das execuções penais). Pela lei é mensalmente, mas praticamente todos estão semanalmente fiscalizando e apurando essas denúncias. A gente passa a acompanhar e exigir dos órgãos de apuração, delegacia, Ministério Público", ressalta o desembargador.

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Também ao O POVO, o juiz Raynes Viana de Vasconcelos, magistrado que iniciou as apurações que resultaram na operação Martírio, afirma que após o trabalho que identificou mais de 70 internos do sistema penitenciários vítimas de tortura, as denúncias aumentaram.

O juiz, que é titular da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de Fortaleza, determinou, na época, o afastamento de toda a gestão da penitenciária. Houve uma redução pontual, mas, atualmente, os casos vieram com "força total" e as denúncias de agressão e tortura dentro das unidades prisionais aumentaram, segundo ele. A fala do magistrado aponta o que é verificado nas vistorias e inspeções. 

Para a , a percepção de um aumento nos casos de tortura são decorrentes da confiança dos presos no sistema judiciário sobre a garantia de direitos. A juíza, que é coordenadora do GMF, destaca que muitos dos internos indagam se eles são juízes antes de relatar os crimes de tortura e que temem por represálias. 

Nota da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP)

A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização reafirma seu compromisso prático de valorização da pessoa humana em números transparentes e inconstestáveis e informa que é colaboradora das instituições fiscalizadoras, como Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, além de entidades de controle social. Além das instituições que fiscalizam, a Pasta mantém uma Ouvidoria própria, com reconhecimento nacional, é vinculada a Ouvidoria do Governo do Estado do Ceará para qualquer tipo de reclamação e colabora de maneira célere e transparente junto à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD).

O sistema prisional do Ceará virou um modelo de referência nacional em vários aspectos, com destaque para a ressocialização e a segurança física e emocional da sua população privada de liberdade. Entre os anos de 2009 até 2019, os presídios cearenses tiveram 210 presos assassinados. Desde que a SAP foi criada, em 2019, esse número caiu para 2 vidas perdidas de forma violenta, justamente nos primeiros meses de criação da Pasta quando houve reação do crime perante a reorganização do sistema penitenciário cearense e esse número não sofreu alteração até hoje. Os telefones celulares foram todos retirados das unidades prisionais. A SAP também esclarece que as organizações criminosas perderam qualquer capacidade de poder no sistema prisional cearense. A lógica do crime e sua rotina de assassinatos, estupros, extorsões e tráfico de drogas nas unidades prisionais foi substituída por um cotidiano de pessoas privadas de liberdade com fardamento do Senai em diversos cursos de capacitação, capacete de construção civil por conta do trabalho digno, além de livros, cadernos e canetas pelos milhares de presos em salas de aula e com seus diplomas de aprovação em diferentes exames nacionais como Encceja e Enem PPL.

Nos últimos 4 anos, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), A SAP já capacitou mais de 21 mil pessoas de liberdade em diversos cursos de capacitação nas áreas de construção civil, mecânica industrial, tecnologia entre outros. Na educação, são mais de 8 mil pessoas privadas de liberdade em cursos regulares de alfabetização, ensino fundamental e médio. Esse trabalho permanente, ao lado da Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc), gera resultados concretos como a aprovação de quase 6 mil internos e internas no último Exame Nacional para Certicação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e a inserção da metade da população carcerária do Ceará no projeto Livro Aberto, que provoca remição de pena de 4 dias para cada livro lido e avaliado em resenha pela Seduc. A segurança e tranquilidade do atual sistema prisional cearense também estimulou a entrada de 9 indústrias de grande porte de unidades prisionais, nos segmentos de confecção, gráfica, alimentação e bebidas, que gera ocupação, qualificação, remição de pena e renda para os internos e seus familiares fora dos muros. Paralelo ao trabalho ressocializador a SAP realizou, nos últimos quatro anos, em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, mais de 125 mil revisões processuais entre os internos do sistema penitenciário do Ceará. Esse trabalho contribuiu na redução de 30 para 21 mil pessoas em regime fechado - a maior redução do Brasil.

Denúncias de tortura instauradas via GMF 

O juiz Raynes Viana destacou que o trabalho de apuração de torturas é um trabalho contínuo. Todos os juízes da Vara de Execuções Penais são corregedores de presídios. 

As inspeções nos presídios acontecem com conversas com os internos e com as escolta pessoal do Tribunal de Justiça para que os internos não se sintam desconfortáveis em relatar possíveis casos de tortura.

"Essas inspeções resultam na instauração de procedimentos na corregedoria de presídios. Colhemos provas, resguardamos provas, mandamos pra corpo de delito, se precisa receber atendimento médico ou transferir de unidade", aponta. 

O magistrado afirma que existem vários processo e a enorme maioria — 90%, segundo ele — é iniciada por ofício do Poder Judiciário.  O restante parte de denúncias de advogados, da Defensoria Pública e Ministério Público Estadual. 

De acordo com o juiz, a operação Martírio, por exemplo, começou durante uma audiência de apuração de tortura. "Ele relatou que estava no IPPOO II. Perguntei como estava lá e ele disse que a gestão era complicada", relata.

O interno descreveu as agressões que teriam acontecido no dia anterior na unidade. O magistrado destaca que já existiam denúncias contra a gestão e que, anteriormente, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) verificou denúncias na gestão, que na época era lotada em Pacatuba, também na Região Metropolitana de Fortaleza, mas não havia provas suficientes.

O juiz comenta que convidou promotor de Justiça e defensor público para irem até a unidade prisional apontada pelo interno. Lá, eles verificaram as agressões e mais de 100 internos foram encaminhados a exames de corpo de delito. O caso foi denunciado pelo O POVO ainda em setembro de 2022.

Como funciona o GMF 

O Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Sistema Carcerário e de Execução é vinculado a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e foi criado por meio da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu uma estrutura de acompanhamento do sistema carcerário e socioeducativo.

No Ceará, há um desembargador, um juiz coordenando e outros oito juízes, cada um responsável por uma célula. Também são destacados os núcleos de Políticas Penais e Socioeducativo. 

A missão do GMF é fiscalizar os sistemas e garantir os direitos dos internos e também dos adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas. "De todas as pessoas que se encontram recolhidas", destaca o desembargador. 

O desembargador Eduardo Scorsafava, supervisor do GMF, aponta que a atuação é garantir a política de atenção dentro do sistema internacional e nacional do sistema de proteção aos Direitos Humanos.

"Assegurar que o preso tenha dignidade e seja preservada sua integridade física e psicológica. Há uma célula de articulação com o MPCE, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Defensoria Pública, para que se possa articular uma política de atenção", descreve. 

Para o desembargador, o sistema carcerário registra um maior número de demandas em relação ao socioeducativo.

"A gente trabalha desde a porta de entrada e tem conseguido avanços no Ceará. Temos grupos de trabalho, estão focando na atuação, nas audiência de custódia, termos de cooperação técnica, na própria Decap (Delegacia de Capturas)", aponta

No caso de ser um problema mais grave, eles são encaminhados a uma unidade de saúde. "A gente precisa garantir, preservar esses direitos que estão assegurados na instituição", relata o desembargador.

Houve uma ação concentrada com promotores e defensores públicos para analisar a situação de presos que estavam em sistema semiaberto. Na análise dos processos juiz, tem por dever, fiscalizar todas as unidades carcerárias e constantemente estão presentes nas unidades prisionais verificando se estão recebendo o atramento com dignidade. 

(Colaborou Kleber Carvalho, especial para O POVO) 

Afastamento de direção de presídio e ilegalidade na suspensão de visitas 

 - No dia 26 de junho a Corregedoria de presídios de Fortaleza determinou o afastamento provisório, por 90 dias, da atual direção da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva (UP-IV). Conforme o TJCE, a medida foi motivada após denúncia de violência e maus-tratos contra os internos.

No dia 23 de junho de 2023, a decisão da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de Fortaleza reconheceu a ilegalidade na suspensão coletiva das visitas. Conforme o TJCE, diante de ausência de motivação suficiente e adequada, na Unidade Prisional (UP) Aquiraz, na Região Metropolitana da Capital. A decisão também acolhe as unidades prisionais: Professor Olavo Oliveira II (UPPOOII), Pacatuba (UP Pacatuba) e de Segurança Máxima (UPSM), sendo estas as submetidas, em 2023, à correição direta da 1ª Vara de Execução Penal.

- No dia 15 de janeiro de 2023 a Vara de Corregedoria de Presídios determinou a interdição parcial da Unidade Prisional de Triagem e Observação Criminológica (UPTOC), em Aquiraz. A decisão foi do corregedor de presídios, juiz Raynes Viana, após verificar que a unidade estava com mais de 180% da capacidade. 

 

 

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