Pandemia agravou insegurança alimentar de pessoas trans

Estudo de pesquisador brasileiro foi publicado no periódico científico "Plos One". Sete entre dez pessoas transgêneros e travestis relatam insegurança alimentar na pandemia

A pandemia da Covid-19 acentuou desigualdades sociais, intensificando as dificuldades vividas por grupos vulneráveis. Sete entre dez pessoas transgêneros e travestis relatam insegurança alimentar no período, conforme os resultados de pesquisa publicada no periódico científico "Plos One".

O trabalho analisou os hábitos alimentares de 109 participantes transgênero e travestis de várias regiões do Brasil, por meio de questionário online aplicado no final de 2020. O tamanho da amostra estudada não permite generalizar os resultados para toda a população trans.

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Pesquisa é encabeçada por Sávio Marcelino Gomes, professor adjunto do Departamento de Nutrição da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutor e mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Bacharel em Nutrição pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Ele cita que, em todo o mundo, as mulheres têm um risco de sofrer insegurança alimentar quatro vezes maior que homens. "Isso está relacionado a fatores socioeconômicos como renda, escolaridade, trabalho e apoio social, em contextos de desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres", completa.

Sávio explica que a renda "é um fator extremamente determinante da insegurança alimentar e ela pode ser impactada na medida em que pessoas de grupos específicos tem o acesso a educação, trabalho e saúde prejudicadas".

"No caso das pessoas trans, há fatores adicionais, como a transfobia, que é o preconceito e violência relacionado a identidade de gênero de pessoas trans. A transfobia vivenciada pela comunidade coloca essa população em vulnerabilidade socioeconômica e portanto exposta a diversos estressores sociais, como a fome", detalha.

Para chegar a esses resultados, os pesquisadores entrevistaram 109 pessoas via formulário de internet, de outubro a dezembro de 2020, — acessados com ajuda de instituições como a Aliança Nacional LBGTQIA+ e ambulatórios de saúde específicos à população trans. 

A pesquisa demonstra que 69% dos entrevistados se enquadram na insegurança alimentar. Conforme a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), essa é uma situação na qual "o acesso ao alimento está ameaçado". 

O medo do alimento acabar, quantidades insuficientes, falta de estabilidade no fornecimento ou quando a comida disponível não é adequada do ponto de visa cultural e/ou nutricional são exemplos. Além disso, 20% dos entrevistados relatam insegurança alimentar severa. Nesta categoria, o indivíduo não consegue realizar todas as refeições recomendadas por dia e não tem acesso à alimentação de fato. 

O autor principal elenca os três principais efeitos da pandemia na segurança alimentar observados no estudo: "as pessoas passaram a ter menor poder de compra de alimentos; a mudar o seu padrão de alimentação para se adequar a limitação econômica diminuindo a diversidade de alimentos; e a consumir alimentos menos saudáveis por restrição financeira".

Ele relaciona que o desemprego, que aumentou no período, pareceu ser um fator associado a essa mudança nas condições de alimentação. "A maior parte da população trans trabalha de modo informal, sem acesso a direitos básicos. Boa parte das mulheres trans especificamente trabalham com prostituição. As oportunidades que já eram escassas, a partir da pandemia, se tornaram ainda menos possíveis", diz.

O pesquisador comenta ainda a relevância de dados sobre a população LGBTQIA+, com inclusão nas pesquisas sobre saúde e demografia. "É preciso conhecer a realidade para intervir. Temos premissas fortes para inclusão dessas variáveis nos sistemas de informação e nas pesquisas nacionais, mas a cada dia que passa sem que o façamos, deixamos essas populações ainda mais apagadas", analisa.

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