Primeira travesti doutora do Brasil denuncia caso de transfobia e assédio moral na Unilab

Luma Andrade, primeira travesti a ser doutora e docente universitária do Brasil, fez uma denúncia pública por assédio moral, transfobia e perseguição sofridas por ela na Unilab

19:17 | Jan. 14, 2023

Por: Mariana Lopes
A professora Luma Andrade denunciou práticas de assédio, transfobia e perseguição na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), durante ato no Auditório da Unilab Campus da Liberdade (foto: Acervo Pessoal)

Luma Nogueira, professora eleita recentemente à diretoria do Instituto de Humanidades (IH), da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), enviou uma denúncia contra assédio moral, transfobia e perseguição sofridas por ela na instituição. 

Durante ato público no auditório do Campus da Liberdade da Unilab, localizado na cidade de Redenção, na tarde da quinta-feira, 12, a professora afirmou estar sofrendo práticas de assédio, transfobia e perseguição na Universidade. 

Segundo a docente, as práticas denunciadas se iniciaram ainda quando ela se candidatou ao cargo de diretora do Instituto de Humanidades, o principal órgão colegiado da instituição. “Eu, Travesti, Profa. Dra. Luma Nogueira de Andrade, venho a público denunciar os ataques sofridos na UNILAB desde que me candidatei à direção do Instituto de Humanidades - IH até o presente momento no qual sou diretora”, escreveu Luma em carta de denúncia divulgada publicamente.

Antes mesmo de ser empossada, no dia 20 de outubro de 2022, o Conselho de Unidade do Instituto de Humanidades enviou uma carta questionando a Universidade sobre as medidas tomadas em relação ao Instituto, como: a ausência da gestão anterior do IH de realizar a transição para a nova gestão; a remoção dos TAE’s (técnicos administrativos) do IH para a PROPPG (Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação) no período das eleições, deixando a nova gestão do instituto desassistida pelo serviço de apoio, causando prejuízo no serviço administrativo do IH; a ausência de apresentação do Plano de Gestão Anual, neste conselho, assim como do relatório final; e a recusa da entrega do domínio da rede social (Instagram) oficial do instituto, com os respectivos login e senha.

As práticas denunciadas aumentaram após a professora ser eleita ao cargo de diretora. Luma de Andrade tomou posse do cargo em 24 de agosto de 2022, e afirma que já recebeu a gestão de forma precarizada. “São ataques que ferem, através de mim, naquilo que pode ser configurado como assédio moral e até mesmo transfobia, as dinâmicas e o funcionamento de um setor institucional universitário”, afirma.

Por conta da omissão descrita pela professora, Luma ainda expõe que lhe foram disponibilizadas duas estagiárias, “que não suprem a demanda de recursos humanos, pois são aprendizes e não substituem os profissionais”, e cita os poucos profissionais disponíveis.

Ainda de acordo com a professora, há duas funcionárias grávidas entre os servidores, e estão sobrecarregadas, não dando conta da grande demanda. No documento, Luma diz que, apesar dos pedidos para que as substituições das mulheres ocorram antes da execução da licença maternidade, a Unilab responde que “a substituição só ocorrerá quando as profissionais mencionadas estiverem de licença maternidade e caso tenha recurso disponível para este fim”.

“A sobrecarga de trabalho no IH é desumana e me preocupa a situação de duas servidoras terceirizadas que estão grávidas e em breve terão seus bebês”, escreve Luma.

Luma Andrade é a primeira travesti doutora e docente universitária do Brasil. É professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), no município de Redenção (CE). A mobilização do caso encheu o auditório do Campus da Liberdade da Unilab e contou com a presença de autoridades, instituições governamentais e não governamentais de Direitos Humanos.

Procurada pelo O POVO, a Reitoria da Unilab afirma ser contra qualquer ato de discriminação que envolva religião, gênero, orientação sexual, raça, etnia ou nacionalidade. Sobre as denúncias relatadas pela docente relacionadas ao Centro de Humanidades, a instituição diz, em nota assinada pelo reitor Roque Albuquerque, que o órgão colegiado foi tomado pelo que classificou de "tensão organizacional", situação que teria causado "desgaste de parte da comunidade acadêmica". 

Veja a nota na íntegra:

"Primeiramente, reiteramos nosso posicionamento contra qualquer ato de discriminação e destacamos que a nossa gestão é compromissada com a interculturalidade, a cidadania, o pluralismo, a tolerância e a democracia nas sociedades, como preceitua nosso Estatuto, e repudiamos todo e qualquer ato de discriminação com base em religião, gênero, orientação sexual, raça, etnia, nacionalidade ou qualquer outra.

Sou Roque do Nascimento Albuquerque, Cigano da etnia Calon e Reitor da Unilab, democraticamente eleito com a maioria dos votos da categoria discente, docente e técnico-administrativo em educação, nos estados do Ceará e da Bahia, venho elucidar algumas questões à comunidade acadêmica:

Dos fatos

Na última eleição para a Direção do Instituto de Humanidades, instalou-se no Instituto uma tensão organizacional que perdura até este momento. O processo eleitoral foi permeado por nuances que ocasionou o desgaste de parte da comunidade acadêmica do IH, especialmente dos servidores técnico administrativos em educação. Por questões que correm em sigilo, das quais não cabem a mim expor, três servidores foram removidos, a pedido.

Mediante as solicitações feitas à Gestão Superior por parte do Instituto de Humanidades para a reposição de seu quadro de servidores, foi aberto o EditalSGP/Unilabno05/2022,quedispõesobre o processo seletivo para remoção de Servidores Técnico-Administrativos em Educação (TAEs) pertencentes ao quadro de pessoal permanente da Unilab. Houve o fracasso do certame uma vez que nenhum candidato se inscreveu para concorrer às vagas do IH.

A necessidade de recomposição da força de trabalho se deu em razão do esvaziamento do setor em questão, devido a um processo de adoecimento coletivo dos Servidores Técnico- Administrativos do Instituto.

É necessário lembrar que neste mesmo período havia o impedimento, por parte da Gestão Superior, de realizar remoções ex officio (de ofício) em razão do período eleitoral (Lei no 9.504/97).

Findadas as restrições supracitadas e de acordo com compromisso pré-estabelecido com a Direção do Instituto de Humanidades, os processos de recomposição da força de trabalho se iniciaram ex officio, a partir do envio do Ofício da Reitoria, com a indicação de remoção de duas servidoras para compor o quadro do IH.

Cabe ressaltar que o envio do Ofício para a Superintendência de Gestão de Pessoas não concretiza a remoção, mas sim dá início à análise do processo. A remoção só é efetivada com a assinatura e publicação da portaria, como etapa final do rito.

A antecipada manifestação contrária da Direção do IH à remoção das servidoras registrada em processo, assim como a posterior divulgação de informações inconsistentes referentes aos ritos iniciais das remoções, não levou em consideração os trabalhos a serem realizados pela Superintendência de Gestão de Pessoas e pela Divisão de Dimensionamento e Movimentação de Pessoal, que vem aperfeiçoando os fluxos das remoções no âmbito da Universidade.

Ainda assim, visando dirimir qualquer falha de comunicação, a Reitoria remeteu os autos à Procuradoria Jurídica (PJ) para manifestação quanto aos atos até então tomados pela Gestão Superior. Por sua vez, a PJ manifestou que “resta evidenciada a legalidade do ato de administração hierarquicamente superior, que em resposta à solicitação de dirigente de instituto, recompõe a força de trabalho, alinhando as necessidades da Administração aos recursos humanos disponíveis”.