CNT: cerca de 71% das rodovias no Ceará apresentam problemas de pavimentação

Método de construção de rodovias é desatualizado, conforme especialista, e faz com que as vias durem muito menos do que foram projetadas

14:26 | Jan. 12, 2023

Por: Lara Vieira
Trecho com buracos na CE-060, km 33 entre Pacatuba e Redenção (foto: FÁBIO LIMA)

Para aqueles que costumam trafegar nas estradas do Ceará, não é novidade que diversos trechos apresentam problemas na pavimentação, principalmente em vias que ficam na rota para outros estados. Com a quantidade de buracos, ondulações, fissuras e trincas, os motoristas precisam estar duplamente atentos para manter a segurança viária.

Uma pesquisa realizada durante o ano de 2022 pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) avaliou que, dos 3.782 quilômetros (km) de extensão das rodovias federais que cortam o Ceará e principais trechos estaduais, cerca de 71,4% da malha rodoviária apresenta problemas; 28,6% está em condição satisfatória e 0,8% está com o pavimento totalmente destruído.

Além dos trajetos mais lentos, a situação se agrava com o intenso fluxo de veículos que essas rodovias comportam, em especial caminhões, ônibus e carretas.

Judismar Teixeira, de 52 anos, é caminhoneiro há mais de 30 anos. Natural do Espírito Santo, o motorista de longa data sai do Sudeste e segue em direção ao Nordeste do Brasil passando por diversos estados, com o Ceará incluído constantemente em suas rotas.

Ele conta que a BR-116 é a rodovia que apresenta maior quantidade de obstáculos. Com 4,6 mil km, ela é a maior rodovia do País e cruza dez estados para ligar Fortaleza a Jaguarão, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai.

Segundo ele, no Ceará, um dos trechos que mais chama a atenção fica na região dos municípios de Milagres, Brejo Santo, Jati e Penaforte. “Toda vida essa rodovia foi crítica. Tem épocas que consertam, e ela fica um ano boa mais ou menos e o resto é quatro, cinco anos ruim. Eles consertam um trecho de 50 km e depois aparece mais 20 km ruins”, conta Teixeira.

O caminhoneiro registra as dificuldades nas rodovias por onde passa em seu canal no Youtube. “Tem que ter cuidado, parar e passar devagarinho. Às vezes eles arrumam [as rodovias], tiram os buracos, mas não passam o asfalto e logo fica ruim de novo”, relata.

Após perpassar o estado de Pernambuco, ele conta que sua rota no Ceará costuma ser pelas proximidades dos municípios de Barro, Palmirin, Icó, Jaguaribe, Jaguaribara, Tabuleiro do Norte, Limoeiro, Russas, Beberibe e Chorozinho, seguindo para o Rio Grande do Norte.

“Também é bem complicado aquela área entre Russas e na chegada e na saída de Chorozinho. Sei que agora eles estão pavimentando umas partes, da última vez que eu passei por lá tive que ficar em uma fila de carros e carretas por uns 30 minutos”, relata o caminhoneiro.

Com o início do período chuvoso no Ceará, os buracos e demais imperfeições nos pavimentos das rodovias aumentam os riscos nas vias. 

Rodovias estaduais

Muitas rodovias no Ceará apresentam problemas em sua estrutura antes do que se espera, conforme explica Juceline Bastos, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) e especialista em Engenharia de Transportes.

“Os pavimentos asfálticos são projetados para durar dez anos, mas a gente tem informações que tem rodovias que duram de sete a oito meses”, aponta.

“Aqui os pavimentos são feitos de uma estrutura onde a gente tem a fundação, que a gente chama de subleito. Tem também as subcamadas, que são a sub-base e a base. Nelas, a gente costuma usar materiais granulados, como os solos, britas e o revestimento. Nós estipulamos que 63% dos revestimentos são de uma solução do tipo 'tratamento superficial'”, explica a especialista.

De acordo com a Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP), dos 8.877,11 km que compõem a extensão de CEs pavimentadas nos 184 municípios cearenses, 13,14% (1.166,45 km) estão enquadradas no conceito regular.

Outros 4,49% (398,58 km) se encontram em condições ruins e 0,40% (35,51 km) aparece em nível péssimo.

Dessa forma, isso implica em mais de 1.600 km de vias com problemas, como buracos, ondulações e fissuras.

Conforme o Governo do Estado, dos 552 quilômetros da malha rodoviária estadual que estão atualmente em obras, apenas 64 km das intervenções correspondem a restaurações.

Para a doutora em Engenharia de Transportes, é necessário que as gestões públicas foquem em realizar a gerência de pavimento das vias.

Em síntese, é importante que seja realizada a verificação de como as rodovias se comportam ao longo dos anos para, então, realizar as intervenções.

“Esperar que a rodovia se degrade é semelhante ao que a gente faz na nossa casa. A gente vai esperar que a nossa casa se degrade toda pra dar manutenção? Certamente não. Então, ter um sistema de gerência é fundamental para que essa intervenção seja feita no momento mais oportuno, sem colocar em risco a vida do usuário”, diz Juceline Bastos.

Rodovias federais 

Segundo a professora Juceline Bastos, os materiais e a construção das rodovias federais se diferenciam da malha rodoviária estadual. “A gente tem uma estrutura que está na superfície, que é o revestimento, um pouco mais robusta. Quando a gente fala nas rodovias federais, que geralmente tem uma demanda maior, um tráfego mais elevado, a gente também tem a incorporação do cimento em uma dessas camadas, então isso faz a estrutura ser um pouco mais robusta”, explica.

A especialista explica, no entanto, que as tecnologias de construção de rodovias no brasil estão desatualizadas quando comparadas com as de outros países.

“Nosso método tem mais de 50 anos. O método usado aqui no Brasil é adaptado do norte-americano, e a gente continua usando esse método, mesmo que lá nos Estados Unidos já não se use mais”, afirma Juceline.

“Esse modelo de construção atendeu muito bem pro que ele foi pensado, porque a gente tinha uma um tráfego menor há 50 anos. Só que, com o crescimento da demanda, é necessário uma modernização dessas metodologias”, pontua a especialista.

No Ceará, as rodovias sob a administração do governo federal no Ceará são: BR-116; BR-20; BR-226; BR-404, BR-122; BR-304; BR-437; BR-222; BR-402; BR-403 e BR-230. Ao todo, essa malha rodoviária dentro do território do Ceará possui cerca de 2.300 km.

O POVO apurou que pelo menos três das rodovias federais que cortam o Ceará apresentam problemas estruturais até o início do mês de janeiro: a BR-020 e a BR-230, entre Várzea Alegre e Farias Brito; além da BR-116, no trecho entre os municípios de Brejo Santo e Milagres, e no trecho nas proximidades de Russas.

O órgão responsável pela conservação da malha viária federal é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Questionado sobre a situação das vias, o Dnit disse que está atuando para melhorar as condições de trafegabilidade das rodovias (veja nota abaixo).

Nota do Dnit, na íntegra: 

“BR-116/CE, nas proximidades de Russas: a empresa contratada está atuando no segmento, realizando os serviços necessários para melhorar as condições de trafegabilidade, já tendo sido solicitado pelo DNIT maior agilidade na execução para amenizar os transtornos causados pelas obras. A previsão é de que os serviços sejam finalizados no mês de fevereiro/23.

BR-116/CE entre Brejo Santo e Milagres: o segmento possui boas condições de tráfego, com poucos buracos, com exceção de alguns pontos críticos em um trecho de aproximadamente 2 km. Entretanto, tal trecho já está passando atualmente por uma reciclagem de base. O maquinário responsável pela realização do serviço concluiu algumas intervenções nas proximidades do município de Barro/CE e foi deslocado para Brejo Santo para atuar nos referidos pontos críticos e finalizar os trabalhos naquela região.

BR-020/CE e BR-230/CE entre Várzea Alegre e Farias Brito: o DNIT planeja executar os serviços necessários para melhorar as condições de tráfego em pontos específicos das rodovias, ou seja, naqueles trechos onde se verificam maiores danos no pavimento. A previsão é de que os reparos sejam executados nos três primeiros meses deste ano.”

Também demandado sobre a quantidade ou quais os trechos que se encontram em obras no Ceará, o Dnit informou que mantém “contratos ativos e vigentes de manutenção e conservação rodoviária, contendo diversos itens de serviço e soluções de engenharia que são utilizadas por demanda, sempre que identificados problemas em trechos das rodovias."