Educar sem segregar: a Política de Educação Especial criada por Bolsonaro e revogada por Lula

Além das aulas regulares, alunos com necessidades educacionais especiais podem contar com atendimento especializado em contraturno

A revogação de decretos instaurados ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro foi uma das primeiras ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda no dia da posse(1/1). Entre as medidas vetadas está o decreto que visava a criação de classes e escolas especializadas para pessoas com deficiência. Duramente criticada por especialistas da Educação, o decreto ganhou destaque por fomentar a segregação entre alunos com e sem necessidades educacionais especiais.

O decreto foi oficialmente revogado nessa segunda-feira, 2, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). A normativa criada em 2020, no entanto, já havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mesmo ano, por decisão do ministro Dias Toffoli.

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Na época, diversas entidades recorreram ao Judiciário contra o decreto que resgatava o incentivo a escolas especiais. O advogado cearense e presidente da Comissão Nacional de Defesa da Pessoa Autista do Conselho Federal da OAB, Emerson Damasceno, foi um convocados que participaram da audiência, convocada por Dias Toffoli, para discutir a normativa.

“Fui obviamente contrário a essa decisão. A sociedade não pode ser apartada, ela é feita para todas as pessoas. Então a gente não quer, de forma alguma, fazer com que alunas e alunos com deficiência fossem obrigados a estudar em instituições específicas. Isso é a contramão do que nós construímos”, declarou o ativista, que também integra a Comissão Estadual da Pessoa com Deficiência da OAB-CE.

Educação inclusiva no Ceará

Por conta da rápida repressão, o decreto não chegou a exercer impactos significativos na rede estadual ou municipal de Educação do Ceará. Somente em Fortaleza, neste ano de 2023, há 10.892 estudantes com alguma limitação física, mental, intelectual ou sensorial. A quantidade representa mais de 4% dos estudantes regulares da Capital, que totalizam aproximadamente 240 mil alunos.

De acordo com o secretário adjunto de educação de Fortaleza, Jefferson Maia, o decreto de Bolsonaro ia contra um dos princípios da pasta, que é, desde o início, incluir as crianças em salas comuns sem distinção.

“A partir do momento que elas passam a fazer parte da nossa rede, damos as condições adequadas para que cada criança ,dentro das suas características, tenham o seu direito de aprendizado garantido. Nós não trabalhamos nessa perspectiva da especialidade de uma escola que reúna todas essas crianças. Até porque isso é completamente inviável do ponto de vista pedagógico, além do direito da criança interagir e socializar com todos”, declarou Jefferson Maia.

Nohemy Rezende Ibanez é mestre em Educação e coordenadora de Diversidade e Inclusão Educacional, da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Segundo ela, crianças e jovens com deficiência, que têm acesso à educação enquanto frequentam salas de aula comuns, têm maiores possibilidades de construir autonomia.

“Segregar esses estudantes com deficiência é retroagir a um estágio da Política de Educação Especial, que escondeu e colocou esses estudantes em espaços específicos com seus pares. As pesquisas, no entanto, têm demonstrado que manter esses alunos em convivência com os seus colegas de turma é extremamente essencial para que ele possa desenvolver todas as potencialidades, independentemente de qualquer tipo de deficiência”, explica.

Salas de Recursos Multifuncionais

Além de frequentar as salas de aula comum, alunos com necessidades educacionais especiais ainda têm direito às Salas de Recursos Multifuncionais. O serviço faz parte do programa de Atendimento Educacional Especializado (AEE), do Governo Federal. Os ambientes tem como objetivo prestar apoio suplementar às aulas regulares.

“É nessa sala que o professor elabora, com base na formação que ele tem, um plano individual de atendimento. Nesse processo, o profissional consegue diferenciar quais são as intervenções pedagógicas voltadas para desenvolver todas as possibilidades pedagógicas desse estudante”, explica a especialista em Educação, Nohemy Rezende Ibanez.

Para alunos que estudam em apenas um período (manhã ou tarde), o atendimento nas Salas de Recursos Multifuncionais ocorre no contraturno do estudante. No caso dos jovens que integram as Escolas de Educação Profissional e as Escolas Regulares de Tempo Integral, no entanto, a adesão ao AEE ainda é um desafio, como explica a coordenadora de Diversidade e Inclusão Educacional.

“Nós temos buscado possibilidades desses alunos serem atendidos dentro do próprio desenvolvimento curricular, de cada uma dessas escolas. Existem componentes curriculares, em que a própria disciplina permite que este aluno seja atendido na própria escola. No caso das escolas que não ofertam o serviço, que a Instituição assegure que naquele horário, seja respeitada a saída do aluno para uma outra escola que oferte”, aponta Nohemy.

De acordo com a Seduc, até 2022, 7.691 alunos eram atendimento em alguma Sala de Recurso Multifuncional (AEE). Desses 3.899, eram jovens regularmente matriculados na rede estadual. Outros 3.802 eram atendidos pelas ONGs, que têm Acordo de Cooperação com o Estado.

Oportunidades

Para o advogado e paratleta Emerson Damasceno, o fomento da inclusão nas políticas de educação são essenciais para que pessoas com deficiência enfrentem menos barreiras na adolescência e na vida adulta.

“Então essas pessoas (PcD) têm que estar na escola. Para que elas estejam na escola, a gente tem que ter vagas, tem que ter profissionais treinados, bem pagos. São ações afirmativas necessárias para que elas, quando chegarem ao mercado de trabalho, estejam adaptadas”.

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