"Mãe, o Papai Noel não existe?": como os pais podem lidar com as expectativas do Natal

Contos e dinâmicas natalinas podem ser ferramentas para o aprendizado de valores nas crianças, diz psicólogo infantil

Após a noite de Natal, acordar e ver presentes deixados embaixo das árvores decoradas é uma tradição que muitas famílias ainda cultivam com suas crianças. Empolgadas em descobrir o conteúdo dos embrulhos, muitas acreditam que foi o “bom velhinho” que entrou em suas casas e lhes deu uma gratificação por terem sido comportadas ao longo do ano.

No entanto, com o decorrer dos anos e a transição das idades, é natural que, em determinado momento, as crianças deixem de acreditar nas lendas natalinas. Ou peçam algum esclarecimento sobre a figura típica dessa época. Nesse momento, os pais se veem confrontados em explicar a verdade ou continuar cultivando a inocência e a “magia do Natal” nos pequenos.

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Na família de Nathália Medeiros, os natais são tradicionalmente comemorados entre parentes e agregados. Ela explica que o costume teve início com sua avó. Mãe de seis filhos, a matriarca gostava de encher a casa com os descendentes. “Nós somos de uma família católica, então frisamos bem sobre o nascimento do menino Jesus, sempre fazemos um bolo e cantamos parabéns. Também temos a tradição do Papai Noel da família, onde, na véspera de Natal, sempre tem uma pessoa que se veste como ele”, relata a coordenadora escolar.

Nathália explica que a chegada do Papai Noel é um momento para as crianças da família. Nostálgica, recorda de quando era ela uma das presenteadas pelo “bom velhinho”. “A gente sabia que, quando fosse dormir, o Papai Noel ia deixar o que a gente tinha pedido debaixo da cama. Mas, na verdade, era a minha avó que comprava os presentes. Então eu cresci e, hoje em dia, já não temos mais nossa avó. Mesmo assim tentamos nos reunir e continuar fazendo isso com os filhos, os sobrinhos e netos”, conta.

Ela é mãe de dois filhos: João Marcos, de 11 anos, e Ana Luzia, de 5. A coordenadora afirma que se esforça em cultivar a “magia do Natal” nas crianças. Conta aos filhos sobre o Papai Noel e os encoraja a escrever cartinhas com pedidos. Contudo, Nathália explica que, com o tempo, o filho mais velho descobriu a verdadeira origem do personagem e como os presentes eram entregues.

“Ele mesmo descobriu no ano passado. Até os dez anos ele via o Papai Noel no shopping e corria para abraçar. Eu nem pensava que ele ainda acreditasse, porque já estava maiorzinho. Mas aí comentaram na escola e ele veio me perguntar”, relembra Nathália.

Surpreendida com a abordagem, a mãe conta que, na época, tentou o exercício de fazer o próprio filho chegar a uma conclusão. “Fiquei com medo dele ficar dizendo que acreditava e acabasse se passando por bobo. Ele então contou que, na escola, os coleguinhas disseram que eram os pais que davam os presentes. E aí eu disse: ‘meu filho, o que você acha?’, fui questionando com ele. Até que ele disse: ‘mamãe, tem que me dizer a verdade”.

Foi aí que Nathália explicou toda a história. “Ele ficou tão arrasado. Disse: ‘mãe, essa notícia acabou com o meu Natal’. Mas aí continuei contando sobre a importância da 'magia do natal'”.

A caçula Ana Luzia ainda acredita que é o Papai Noel quem deixa os presentes embaixo da árvore nas noites de Natal. Para a surpresa da mãe, apesar de já não acreditar no Papai Noel, o irmão mais velho participa das brincadeiras e até incentiva a irmã mais nova. “Ela escreve a cartinha e ele escreve também, para ela ver. No ano passado ele até quis colocar o presente dela [Ana Luzia] debaixo da cama dela, comigo e com o pai dele”, descreve.

Valores do Natal

De acordo com o psicólogo infantil Kleidir Feitosa, os contos tradicionais natalinos podem ser uma ferramenta efetiva no ensinamento de valores para os pequenos. “A maior parte do aprendizado da criança se dá pela ludicidade. Esse mundo de Papai Noel, esse mundo fantástico, funciona também como aprendizado de valores de bondade, de respeito. Aquela coisa de ser bonzinho no final do ano funciona também para a criança começar a aprender regras, começar a respeitar os mais velhos, aos pais”, explica o especialista.

O psicólogo explica que, em um determinado momento, é natural que as crianças questionem a veracidade de personagens de contos de fadas. “Geralmente por volta dos oito, dez anos, é quando a criança começa a desenvolver o raciocínio lógico. É também nessa fase que a criança começa a se interessar por regras e assimilar melhor coisas concretas. Agora ela entende que não se deve respeitar os mais velhos apenas para ganhar um presente no final do ano, por exemplo, mas porque eles merecem respeito”, pontua.

Papai Noel não existe!

Ao contrário da família de Nathália Medeiros, a da professora Camila Martins não alimentava entre as crianças a crença no Papai Noel. Para quebrar esse ciclo, ela decidiu trazer a brincadeira para os filhos na data. Mãe do Luís Vinícius, de 11 anos, e do Luigi, de três, ela também já passou pela experiência de ter que relevar a verdade sobre a origem das lendas natalinas.

“A gente tem esse costume, no Natal, de colocar biscoito e leite para esperar o presente do Papai Noel. Até o ano retrasado, quando o Vinícius tinha nove anos, ele ainda acreditava que o Papai Noel de fato existia. Ele descobriu sozinho, na escola. Escreveu a carta e os amigos começaram a falar: ‘ah, mas Papai Noel não existe’. E aí ele ficou com aquela sementinha na cabeça”, relata Camila.

Na noite do Natal, o filho fingiu dormir e esperou “a chegada do Papai Noel”. “Ele viu eu colocar o presente debaixo da cama. No outro dia, pegou e abriu. Se admirou com o presente que tinha recebido, mas aí disse: ‘mamãe, eu sei que esse presente não foi o Papai Noel que me deu, foi a senhora que colocou debaixo da minha cama’. Ele me pegou no flagra, aí expliquei pra ele”, recorda.

Camila Martins agora tenta manter a dinâmica com o filho mais novo. “Com o de três anos, estou fazendo a mesma coisa. Perguntei para o Luigi o que ele queria do Papai Noel, ele disse que queria as luzes do Natal, que é o pisca-pisca. Eu falei que a gente já tem a nossa árvore, mas ele ainda quer”, ri, enquanto conta. “Só que fica o de 11 anos no impasse de dizer, de vez em quando, que estamos enganando ele [risos]. Hoje em dia as crianças são bem mais críticas. Mas ele fica calado e ainda participa das brincadeiras de Natal".

Frustração infantil

Apesar de muitas crianças descobrirem sozinhas que Papai Noel não existe, o psicólogo especialista em desenvolvimento infantil Kleidir Feitosa explica que algumas podem ficar bastantes frustradas quando têm suas convicções confrontadas.

“Cada pessoa tem o seu ritmo de desenvolvimento. Em uma sala de aula, por exemplo, pode ser que já existam diversas crianças que não acreditam no Papai Noel e algumas que ainda acreditam. A gente não tem o controle de como essa informação vai chegar para a criança”, descreve. Nesses casos, os pais podem intervir com um diálogo acolhedor.

“O conteúdo dessa conversa vai depender muito da própria criança. É o caminhar para essa resposta, a dúvida que ela possa ter. Eu sempre gosto de dizer que não é saudável mentir pra criança. Se ela perguntar se é verdade que Papai Noel existe, se ela tem alguma dúvida, é porque alguma coisa ela já tá pensando. Então não tem porque os pais incentivarem algo que não seja verdade”, comenta Kleidir.

Segundo o psicólogo, uma boa maneira é aproveitar a dúvida da criança para explicar a origem dos contos natalinos. A lenda do Papai Noel, por exemplo, está diretamente relacionada com São Nicolau de Mira, também chamado de Nicolau Taumaturgo, um bispo cristão que viveu entre os séculos III e IV. Filho de uma família rica, o religioso herdou a fortuna dos pais. Ele usou a herança para distribuir presentes entre os pobres, principalmente para as crianças órfãs.

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