Guerra de facções e o drama de famílias de crianças mortas em tiroteios no Ceará

"Uma criança totalmente inocente paga por uma coisa que não envolve ela. As facções só pioram e os moradores da comunidade pagam um preço muito alto", diz parente de vítima

11:23 | Set. 11, 2022

Por: Jéssika Sisnando
Maria Alice, de apenas dois anos de idade, morreu por disparo de arma de fogo em Messejana (foto: arquivo pessoal )

Maria Alice Justino de Sousa — ou Lilice, como era chamada —, tinha apenas dois anos de idade e brincava com crianças na calçada de casa quando foi atingida a tiros e morreu na comunidade da Lagoa Seca, em Messejana, no dia 3 de setembro. Uma outra menina de sete anos também foi baleada, mas sobreviveu. Nessa sexta-feira, 9, parentes da criança protestaram na Grande Messejana pedindo por Justiça após a missa se sétimo dia.

Os parentes das crianças vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) apontam que a briga entre as facções criminosas está dizimando famílias. Em duas semanas três crianças foram mortas vítimas de violência, todos os casos teriam relação com a briga de grupos criminosos nas comunidades.

Parentes do Abraão Lucca, de nove meses, morto após ser baleado no dia 20 de agosto, no bairro Pici, possuem a mesma percepção sobre a destruição causada pela guerra entre as organizações criminosas.

"As guerras já vinham acontecendo, não é à toa que o Abraão morreu por causa das guerras malditas, onde só quem paga são os inocentes. (...) Todos nós corremos risco de ser alvo de uma bala perdida por causa dessa guerra maldita que não acaba nunca. No caso do Abraão não foi bala perdida. O criminoso fez porque quis", relata uma parente cujo nome será preservado pelo O POVO.

"Uma criança totalmente inocente paga por uma coisa que não envolve ela. A cada dia que passa as
facções só pioram e os moradores da comunidade pagam um preço muito alto por isso. Pagam com a
própria vida e por isso fica", descreve a familiar de Abraaão.

A família de Maria Alice também não se identifica. No crime que ela foi vítima, um adulto também
morreu. Ele seria o alvo dos executores. Conforme o familiar, passados sete dias do crime, não há presos. A menina foi atingida por três tiros.

"A gente está sem chão. Sem coragem para seguir em frente. Era uma criança que transmitia alegria para todas as crianças que estavam perto dela", comenta.

"Eu creio que esse pessoal sabe quem é e quem não é envolvido. Que eles briguem e deixem os cidadãos em paz, deixem as crianças viverem. A gente que é cidadão não tem culpa. Está virando uma coisa comum, teve o caso do Santa Filomena, que os pais foram mortos e uma criança baleada", relata.

O fato que o familiar de Maria se refere aconteceu na última quinta-feira, 8. No Conjunto Santa Filomena, Jangurussu, quando um casal foi morto e a criança, menina de dois anos de idade, foi baleada dentro da própria residência. Com a situação, a menina que foi socorrida a uma unidade de saúde ficou órfã.

Além dos casos de Messejana, Pici e Jangurussu, uma criança de cinco anos de idade foi morta no município de Poranga, distante 359,6 km de Fortaleza. Além dela, o padrasto foi morto. A motivação do crime também envolveu organizações criminosas. Ao todo, são três crianças mortas e duas baleadas em menos de um mês.

 
23 crianças foram mortas no Ceará entre 2020 e até julho de 2022


Conforme a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), nos casos recentes de mortes de crianças registrados em agosto e setembro, no município de Poranga e no bairro Pici, em Fortaleza, foram detidos, respectivamente, três adultos e um adolescente, no caso de Poranga e dois adultos suspeitos do crime na Capital. A Pasta informou que o caso de Maria Alice, em Messejana, segue sob investigação.

A SPDS ressalta que, em 2022, até o mês de julho, não houve nenhum caso de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) de vítimas inseridas na faixa etária entre zero e 11 anos no Ceará. Em todo o ano de 2021, quatro ocorrências foram registradas. Já em 2020, foram 19 vítimas.

A SSPDS informou que desenvolve um trabalho prevetivo, por meio do comando para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac) da Polícia Militar do Ceará (PMCE), que engloba o Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger), com 36 bases instaladas em Fortaleza e Região Metropolitana, além do Grupo de Segurança Escolar (GSE), do Grupo de Segurança Comunitária (GSC) e do Grupo de Apoio a Vítimas de Violência (Gavv).

O Copac atua com um policiamento preventivo, por meio do qual visa criar uma relação de proximidade com a comunidade. É um protocolo específico que acompanha e escuta os moradores. Os agentes possuem uma formação especializada para o trabalho.

A pasta cita também o fortalecimento da Polícia Judiciária com a especialização dos policiais civis que atuam na investigação dos homicídios e a nomeação de 500 novos policiais civis, destes, 100, foram designados para o DHPP.

A SSPDS cita a ampliação do efetivo da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) e do Núcleo de Balística Forense (Nubaf) da Coordenadoria de Perícia Criminal (Copec) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). O incremento de novos servidores trouxe celeridade na confecção dos laudos periciais relacionados aos inquéritos de CVLI.


 (colaborou Gabriela Almeida)