Ceará teve 30 prisões e apreensões por abandono de incapaz nos últimos 19 meses
Representantes de órgãos que trabalham com o crime afirmam que crianças e adolescentes são maioria dos casos e que há subnotificaçãoO crime de abandono de incapaz faz parte do Código Penal Brasileiro, no artigo 133, e trata de abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade e que seja incapaz de se defender dos riscos do abandono. Tem relação com colocar a pessoa abandonada em risco de saúde ou a sua vida. No Ceará, entre janeiro a julho de 2022, nove pessoas foram detidas por esse crime.
No mesmo período do ano de 2021, foram oito casos que resultaram em prisão ou apreensão. Já entre janeiro a dezembro foram 21 registros com base no artigo 133. Dados são da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
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A titular Delegacia de Combate à Exploração da Criança e Adolescente (Dceca), delegada Yasmin Ximenes, e o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij), Lucas Azevedo, comentaram que os números de casos de abandono de incapaz são subnotificados. Para ambos, as crianças e adolescentes são maioria nos casos, que envolvem uma série de questões sociais e a falta de políticas públicas.
Para Yasmin Ximenes, a subnotificação existe porque as pessoas naturalizam o crime. A titular afirma que a questão do abandono de incapaz sempre existiu na história da humanidade e que, infelizmente, há certa naturalização em se deixar crianças mais novas sob os cuidados das mais velhas. A delegada ressalta ainda que muitas vezes vizinhos e as pessoas próximas se omitem.
A denúncia, explica a delegada, é importante. E que mesmo que haja uma cultura cada vez maior da individualização, da questão do "não é problema meu", Yasmin frisa que a defesa da criança e do adolescente é uma questão que envolve toda a sociedade. Por isso, é importante a denúncia para que esses casos não sigam sob a subnotificação.
Situação de vulnerabilidade
A delegada ressalta que o crime de abandono de incapaz pode ser cometido contra idosos, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e qualquer pessoa que esteja em situação de vulnerabilidade. E ele pode ser cometido por quem tem o dever de cuidar daquela pessoa. Por exemplo, uma enfermeira ou cuidadora que abandona o paciente e o deixa em situação de risco de vida ou de saúde, está cometendo o crime de abandono de incapaz.
A delegada relembra o caso registrado em junho de 2020, em que a proprietária de um apartamento no Recife deixou que o filho da empregada doméstica, uma criança, usasse sozinho o elevador. A criança saiu em um dos andares, caiu do prédio e morreu. Yasmin explica que, naquele momento, a criança estava sob a responsabilidade da patroa e não da mãe, que realizava os afazeres domésticos. E que por isso a patroa foi indiciada por abandono de incapaz.
Para Yasmin, são situações em que existe a apuração da responsabilidade. "Mais que isso, é necessário pensar em políticas públicas, para que o Estado dê condições a essas mulheres que cuidam dos filhos", afirma.
A delegada explica que o abandono de incapaz não está ligado também ao entendimento de que criar uma criança não consiste em dar comida e um teto, mas que existe uma complexidade de comprometimento na paternidade e na maternidade.
O abandono
Marcos Paulo Cavalcante é conselheiro tutelar há 13 anos e relata que um dos fatos mais marcantes nesse trabalho com crianças e adolescentes aconteceu no seu primeiro ano como conselheiro, quando recebeu uma ligação informando sobre quatro crianças dentro de uma casa abandonadas há três dias no bairro João Paulo II, no Barroso, em Fortaleza. O pai, que era pedreiro, estava viajando a trabalho, e a mãe era usuária de drogas e se prostituía. As crianças estavam dentro de casa, os vizinhos jogavam "xilito" por cima do muro para eles comerem. "Eu arrombei o portão e o maiorzinho veio se agarrando nas minhas pernas todo urinado e sujo. Agradecendo pelo socorro e pedindo carinho", relata.
O conselheiro relata que atualmente existen oito conselhos tutelares em Fortaleza, mas pela Lei, segundo Marcos Paulo, deviam ser 27. Para ele, a criação de mais conselhos facilitaria os acompanhamentos, intensificando as ações. Além disso, a falta de políticas públicas que contemple a criação de como creches e o acompanhamento familiar também é um obstáculo para combater o crime de abandono de incapaz.
Ele relata que tem se deparado com frequência com situações de dependência química. Casos em que as mães que são dependentes e se prostituem em troca de drogas sem usar qualquer tipo de proteção e que engravidam sem qualquer estrutura para a criação dessa criança.
Pandemia
O promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (Caopij), Lucas Azevedo, estabelece que o conceito de incapaz é aberto. "São crianças e adolescentes, idosos, pessoas que estejam com incapacidade física, mental, problemas de saúde relacionados a saúde mental", relata.
O promotor também acredita na subnotificação dos casos. "Talvez a pandemia tenha mascarado os números reais. Houve diminuição dos serviços presenciais, da fiscalização e acompanhamento nas ruas. Houve subnotificação dos casos reais de abandono de incapaz", explica.
Lucas Azevedo ressalta que os números registrados não espelham a realidade. "A população brasileira ficou mais pobre. As pessoas vivem situações complicadas de penúria. O estado tem que cuidar da criança e do adolescente, da família, de zelar por eles e garantir a proteção", frisa.
O promotor ressalta que depois da Constituição de 1988, são titulares os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, e um dos principais é o da convivência familiar. Quando configura o abandono de incapaz, a rede protetiva vai se esforçar para manter a criança no seio familiar. Estudos científicos comprovam que o melhor ambiente para que o indivíduo se torne um cidadão de bem é o seio familiar.
Pena para crime de abandono de incapaz
A pena para o abandono de incapaz é de detenção de seis meses a três anos. Se o abandono resulta em lesão corporal de natureza grave, o tempo de reclusão pode ser de um a cinco anos. Se resulta em morte, a pena é de reclusão de quatro a 12 anos. As penas aumentam um terço se o abandono ocorre em lugar ermo, se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador e se a vítima é maior de 60 anos.
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