CE: 6 crianças e adolescentes morreram em ações policiais em 2 anos
O dado é de um levantamento realizado pela Rede de Observatório de Segurança, divulgado nesta quinta-feira, 18, e equivale ao período de julho de 2020 a junho de 2022Mizael Fernandes, de 13 anos, dormia quando foi morto por policiais dentro da casa de sua tia, em Chorozinho. O caso ocorreu em 2020, mas óbitos como esses seguiram acontecendo no Ceará. Isso porque, segundo balanço da Rede de Observatório de Segurança, pelo menos seis crianças e adolescentes morreram em ações de policiamento que ocorreram nos últimos dois anos no Estado.
O dado foi divulgado nesta quinta-feira, 18, e equivale ao período de julho de 2020 a junho de 2022. Segundo balanço, as ações de policiamento realizadas dentro desse intervalo de tempo na Unidade Federativa resultaram na morte de 44 pessoas. Ao todo, 65 ficaram feridas.
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Das vítimas que vieram a óbito, seis ainda não haviam chegado sequer a fase da maioridade. Contudo, a pesquisa é uma iniciativa da rede e não corresponde aos dados totais.
Segundo um levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), divulgado na última semana, só em julho deste ano foram registrados 22 mortes por intervenção policial no Estado. Depois de julho, registraram alta desse tipo de óbito: maio (15), março (14) e janeiro (14).
Ou seja, o quantitativo de mortes de crianças e adolescentes pode ser maior ao que foi monitorado na pesquisa. Documento da entidade estadual não fornecia detalhamento acerca desse dado. O POVO procurou a pasta para saber se há um número total do índice, mas órgão não respondeu a essa questão.
A pesquisa considerou 20.243 eventos relacionados ao policiamento nos estados: Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. A entidade fez o monitoramento de ações de criminalidade e violência que foram noticiadas nas mídias, nas redes sociais e em sites estaduais.
Relembre casos que ocorreram no Ceará
O POVO fez um levantamento com base em noticias publicadas na imprensa cearense, entre junho de 2020 e julho de 2022, e encontrou seis casos em que crianças e adolescentes foram atingidas por disparos de arma de fogo durante ações de policiamento no Ceará. Dessas vítimas, 99% morreram. Veja casos:
1° de julho de 2020: Mizael dormia na casa da sua tia, em Chorozinho, quando foi morto por disparos de policiais que entraram no imóvel. Três militares envolvidos na ação viraram réus.
11 de setembro de 2020: uma averiguação da Policia Civil resultou na morte de uma criança de 11 anos e deixou ainda outra, de apenas nove anos, ferida. Caso ocorreu no bairro Nova Metrópole, Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
14 de fevereiro de 2021: o jovem Wesley de Souza Silva, de 17 anos, foi morto desarmado por policiais militares enquanto trafegava de moto nas ruas da comunidade Alto da Paz, no bairro Maraponga.
22 de fevereiro de 2021: Francisco Rudson, de 15 anos, foi morto por policiais enquanto estava em um aniversário na comunidade Babilônia, no bairro Passaré, em Fortaleza.
9 de julho de 2021: Uma criança foi baleada por policiais na cidade de Hidrolândia, a 253km de Fortaleza, como circunstância de uma perseguição policial. Ela sobreviveu.
24 de julho de 2022: Paulo Vitor, de 16 anos, saiu de casa para comprar pasta de dentes quando foi morto durante uma intervenção policial na rua Tancredo Neves, no bairro Mondubim, em Fortaleza.
Violência policial acontece em bairros periféricos
Ana Letícia Lins, socióloga e pesquisadoras de Rede de Observatórios, pontua que os dados do órgão mostram que esse tipo de violência policial "está muito bem localizada". "Ela (violência policial) não acontece em bairros majoritariamente branco e com IDH melhor (...) Acontece em bairros periféricos, onde existem problemas estruturais, onde tem mais pessoas de pele preta e parda", destaca.
Lins ainda frisa que a falta de monitoramento da própria polícia sobre esse fenômeno traz problemas como a falta de informação e a consequência ausência de debates sociais sobre o assunto. Além disso, não monitorar essas ações, segundo pesquisadora, dificulta a criação de políticas públicas para combater esse tipo de violência.
"Quando a gente mostra esse dado, tem uma coisa que me vem na mente que é muito frequente. A gente se choca muito quando casos como esses acontecem em estados diferentes do nosso. (...) É muito mais fácil a gente ver isso (morte de jovens por policiais) como um problema de outro lugar do que do Ceará”, pontua.
2,5% das ações resultaram em morte
Das 1.744 atividades policiais no Ceará monitoradas pela rede, 2,5% resultaram em mortes. A pesquisa revela ainda que, embora as ações de policiamento tenham como motivação repreender o tráfico de drogas, "as apreensões não são rotina" na Unidade Federativa.
Isso porque o Estado foi o que apresentou o menor percentual de apreensão de drogas, quando comparado aos demais analisados. Menos de 12% das atividades policiais que ocorreram entre julho de 2020 a junho de 2021 resultaram em apreensão de substâncias desse porte.
Pesquisa traz ainda alguns dados como o crescimento de entidades policiais. Nos últimos dois anos, por exemplo, houve um aumento de 28% da participação da Polícia Federal nas operações e nos patrulhamentos no Ceará. Mesmo assim, a polícia militar continuar a ser a força com maior presença.
Em reposta para O POVO, a SSPDS frisou que "os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações para atendimentos humanizados e intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos".
A pasta também ressaltou que "trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE)".
Veja nota da SSPDS na íntegra
"A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS-CE) informa que os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações para atendimentos humanizados e intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos. Atualmente, os policiais participam do Curso de Abordagem e Tiro Policial Defensivo promovido pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp). O treinamento aborda disciplinas como Abordagem a Veículo, Conduta em Patrulhamento, Tiro Policial Defensivo, entre outras.
Em julho deste ano, policiais militares lotados no Comando de Policiamento de Choque (CPChoque) concluíram o "Curso de Intervenções Não Letais". A carga horária foi de 162 horas/aula. A pasta frisa que todos os profissionais são treinados para atuar obedecendo aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência, seguindo as recomendações da Portaria Interministerial nº 4.226/2010 do Ministério da Justiça e do Ministro Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que visa doutrinar o “Uso Progressivo da Força” por parte dos agentes de Segurança Pública. Todo o conhecimento é amparado pela matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Senasp/MJ).
Por fim, a pasta ressalta que trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O Estado possui também a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), uma secretaria autônoma e isenta, com a função de investigar e garantir o devido processo legal e proporcionar a segurança jurídica na avaliação da conduta e correição preventiva de servidores."
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