Ceará registrou em julho o maior número de mortes por intervenção policial em dois anos
Estado teve 22 óbitos dessa natureza somente no mês de julho deste ano. Dado foi divulgado no site da Secretaria da Segurança Pública e Defesa SocialHá cerca de duas semanas, o adolescente Paulo Vitor morreu durante uma intervenção policial que ocorreu no bairro Mondubim, em Fortaleza. O caso chocou moradores, mas não foi o único. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), divulgados nesta terça-feira, 9, só em julho último o Ceará registrou 22 mortes dessa natureza. Índice é o maior registrado em dois anos.
Conforme relatório publicado no site da pasta, entre janeiro e julho deste ano ocorreram 91 óbitos em decorrência de ações de agentes do Estado. O número é maior que o registrado no mesmo período de 2021 (85), e menor somente ao identificado no mesmo intervalo de tempo de 2020 (104).
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No comparativo mensal, o mês de julho foi o que mais registrou mortes por intervenção policial neste ano (22), seguido por maio (15), março (14) e janeiro (14). O POVO analisou os relatórios anteriores e, conforme estatísticas, julho só ficou atrás do mês de abril de 2020, quando houve registro de 35 óbitos dessa natureza.
Ou seja, no mês passado o Ceará teve o maior índice de mortes por intervenção policial já identificado nos últimos dois anos. Para o pesquisador Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o fato traz estranhamento.
Moura relembra do motim da Polícia Militar e do início das medidas de isolamento da pandemia no Ceará, ambos momentos vividos em 2020, e que tiveram como consequência um impacto sobre a segurança pública. Conforme pesquisador, ele afirma que atualmente não há uma situação "anormal" desse porte no Estado, que possa ter levado a esse resultado.
"É um numero que chama bastante atenção, porque se trata de um número bastante elevado, em uma situação no qual não havia nenhum acontecimento, nenhum fato que gerasse uma anormalidade", pontua o especialista.
Os dados fazem parte das estatísticas de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI), que englobam a soma de crimes de Homicídio Doloso/Feminicídio, Lesão corporal seguida de morte e Roubo seguido de morte (Latrocínio). Ao todo, o mês de julho registrou 257 ações desse porte, terceiro maior resultado desse ano.
Perfil das vítimas: jovens pretos e pardos
O levantamento não traz especificações quanto ao perfil das vitimas e nem detalha as ocorrências. No entanto, segundo Ricardo, pessoas que moram em áreas vulneráveis, jovens pretos e pardos são os mais atingidos pelas intervenções.
Para o pesquisador, esse segmento da população já traz um "estigma social", que os deixam a mercê da policia pelas características físicas. "Tem um histórico recente de casos em que pessoas foram mortas, não necessariamente eram culpadas ou reagiram, e ainda assim foram mortas. O que a gente vê é que a justiça nesse caso, o processo ainda é muito lento e não dá a resposta que a sociedade precisa", pontua.
O caso mais recente de morte por intervenção policial em Fortaleza foi do adolescente Paulo Vitor, de apenas 16 anos. Morador do bairro Mondubim, o jovem havia saído para comprar pasta de dente e acabou sendo atingido por policias que estavam em uma ocorrência. Caso chocou moradores.
"O controle social tem que ser mais rigoroso sobre a atuação da Polícia, porque são perdas irreparáveis, são famílias que desestruturam, é uma dor que nunca passa", frisa ainda o pesquisador. Ele destaca também a necessidade de punir os policias que realizam esse tipo de ação, pois além de tudo eles comprometem a imagem da instituição.
No levantamento, a SSPDS pontua que "as mortes decorrentes de Intervenção Policial não são consideradas como intencionais, pois possuem excludente de ilicitude". Ou seja, são ações com elementos que afastam a ilegalidade dos atos.
Resposta da SSPDS
O POVO procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS-CE) para buscar mais informações sobre como as intervenções aconteceram e o que ocorreu com os policiais envolvidos. Em nota, a pasta informou apenas que, nos últimos quatro anos, o Ceará reduziu em 47,6% as mortes em intervenção policial.
De acordo com a Secretaria, os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações para atendimentos humanizados e intervenções técnicas, "propiciando a formação de profissionais preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos". Os detalhes das ocorrências deste ano, bem como o que houve com os policiais envolvidos, não foram repassados.
Leia a nota na íntegra:
"A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS-CE) informa que nos últimos quatro anos, o Ceará reduziu em 47,6% as mortes em intervenção policial. Indo de 221 casos em 2018 para 118 em 2021. Os dados são extraídos pela Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp).
A SSPDS-CE informa que os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações para atendimentos humanizados e intervenções técnicas, propiciando a formação de profissionais preocupados com as questões sociais e a resolução de conflitos. Atualmente, os policiais participam do Curso de Abordagem e Tiro Policial Defensivo promovido pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp). O treinamento aborda disciplinas como Abordagem a Veículo, Conduta em Patrulhamento, Tiro Policial Defensivo, entre outras.
Em julho deste ano, 28 policiais militares lotados no Comando de Policiamento de Choque (CPChoque) concluíram o "Curso de Intervenções Não Letais". A carga horária foi de 162 horas/aula. A pasta frisa que todos os profissionais são treinados para atuar obedecendo aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência, seguindo as recomendações da Portaria Interministerial nº 4.226/2010 do Ministério da Justiça e do Ministro Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que visa doutrinar o “Uso Progressivo da Força” por parte dos agentes de Segurança Pública. Todo o conhecimento é amparado pela matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Senasp/MJ).
Por fim, a pasta ressalta que trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O Estado possui também a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), uma secretaria autônoma e isenta, com a função de investigar e garantir o devido processo legal e proporcionar a segurança jurídica na avaliação da conduta e correição preventiva de servidores."
Atualizada às 12h04min
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