Prisões e justiça criminal do Ceará serão monitoradas pelo CNJ

Denúncias de tortura e abuso de autoridades foram recebidas pelo Conselho. As informações foram encaminhadas para autoridades competentes e teriam envolvimento de policiais penais e servidores da administração prisional do Estado

23:06 | Mai. 20, 2022

Por: Leonardo Maia
No total, foram inspecionados 26 estabelecimentos prisionais em 2021 (foto: Evilázio Bezerra em 07/07/2017)

O sistema prisional e a justiça criminal cearenses passarão a ser monitorados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao longo dos próximos meses, por meio de processos administrativos. O acompanhamento marca uma nova etapa da fiscalização realizada pelo órgão federal desde 2021, quando o CNJ realizou inspeções em prisões do Estado e unidades de execução penal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Como resultado, um relatório foi entregue à direção do Tribunal e ao Governo do Estado na última terça-feira, 17.

O CNJ espera que sejam adotadas soluções propostas para problemas identificados durante as inspeções. “De amplo espectro, as recomendações são medidas reparadoras das violações à legislação nacional, às normas internacionais e aos direitos humanos relativos a presos, verificadas durante as inspeções a 26 estabelecimentos prisionais, entre cadeias, prisões e outros tipos de instituições de privação de liberdade”, aponta o Conselho em nota. 

Entre os pontos abordados, a entidade aponta que precisam ser revistos o acesso de familiares a informações sobre a situação processual dos seus parentes detidos, assim como o contato com eles, por meio de visitas sociais. Com base no diagnóstico realizado, devem ser regularizadas ainda as audiências de custódia, a dinâmica de transferência e recambiamento de pessoas presas entre estabelecimentos do estado e a documentação civil da população prisional.

Casos de tortura e abuso de autoridades também foram denunciados às equipes de magistrados e servidores durante as inspeções no presídio e o material foi encaminhado, por meio de um relatório sigiloso, à governadora do Ceará, ao procurador-geral do Estado e à Procuradoria da República no Ceará. Os maus tratos teriam envolvimento de policiais penais e de servidores da administração prisional do Estado.

“Para superar o desafio, impõe-se uma articulação interinstitucional de todos os órgãos do Poder Público e da sociedade civil que atuem na área. É nesse esforço que o CNJ se insere e, daqui em diante, atuará na supervisão das recomendações que fez à Justiça e ao governo do Estado, respeitando o protagonismo do tribunal”, afirmou em nota Luís Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF).

Conforme recomendação do CNJ, um mutirão deve ser realizado para adequação dos procedimentos da justiça criminal e da execução penal. Entre os pontos que necessitam de mudanças, estão: alternativas penais; monitoração eletrônica; prisão domiciliar; gestantes, puérperas, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência; transferência de presos; remição da pena; população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo.

Nota da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP)

A Secretaria da Administração Penitenciária informa que "o sistema prisional do Ceará é rigorosamente fiscalizado pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Conselho Penitenciário Estadual. A pasta informa que está à disposição para qualquer necessidade do Conselho Nacional de Justiça. Sobre o relatório entregue no último mês de março, a SAP tem o seguinte posicionamento:

• A Secretaria da Administração Penitenciária já conta com uma Ouvidoria atuante e premiada que, nos últimos 3 anos, recebeu aproximadamente 3.500 demandas com mais de 98% de resolubilidade. Esta Ouvidoria tem diversos canais de interação com o público de forma gratuita e tem o sigilo das pessoas preservado.

• A Secretaria afirma que atua dentro das diretrizes da transparência e compromisso público, assim como foi assegurado pelos próprios integrantes do Conselho Nacional de Justiça, em reunião virtual realizada em fevereiro do presente ano, entre o CNJ, SAP e Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

• A SAP repudia qualquer ato que atente contra a dignidade humana e nega que exista atos de tortura ou implementação de castigos coletivos em suas unidades prisionais. A pasta também esclarece que qualquer denúncia nesse sentido é apurada e imediatamente encaminhada a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública.

• A Pasta acredita e agradece pelo firme trabalho dos seus policiais penais na aplicação da Lei de Execuções Penais no que diz respeito as obrigações e os direitos das pessoas privadas de liberdade.

• A SAP reafirma seu compromisso com as normas sanitárias encaminhadas pelas autoridades de saúde. O trabalho integrado entre a policia penal e os profissionais de saúde fizeram, do Ceará, um modelo de prevenção e combate a Covid-19. Processo quantificado e qualificado pela produção de máscaras dentro do sistema prisional, a imunização completa entre internos e servidores, o rigoroso processo das normas não farmacológicas e o cuidado observado para a proteção dos visitantes, detentos e servidores públicos.

• O documento do CNJ publicado em 11 de março erra ao afirmar que a visitação social dura meia hora. A visita social dos familiares voltou a sua normalidade com 4 horas de duração desde o dia 19 de fevereiro e assim permanece. O retorno desse tempo foi possível com a melhora dos índices da Covid-19 e as novas recomendações das autoridades de saúde que nos permitiram a flexibilização das normas vigentes de visitação.

• A SAP esclarece que através do seu setor de Serviço Social, em parceria com instituições como Secretaria de Proteção Social e o próprio Tribunal de Justiça, conseguiu inserir mais de 3 mil pessoas no Cadastro de Pessoa Física da Receita Federal. Esse esforço possibilitou a aplicação da vacina nas pessoas que não tinham a documentação necessária. Além disso, nos últimos 3 anos, a SAP também conseguiu emitir RGs para mais de 300 pessoas privadas de liberdade.

• Diferente do que aponta o documento do CNJ, a população privada de liberdade do Estado do Ceará passou a ter seus direitos garantidos em larga escala na gestão que criou a atual Secretaria da Administração Penitenciária.

• São mais de 12 mil internas e internos capacitados em cursos realizados em instituições como o Senai. Cerca de 6 mil pessoas privadas de liberdade em atividades laborais. 13 empresas instaladas nas unidades prisionais com geração de emprego para internos e renda para as famílias. Mais de 5 mil internos e internas em salas de aulas nos cursos regulares de alfabetização, ensino fundamental e médio. O sistema prisional feminino, por exemplo, está todo inserido em atividades laborais, de ensino e capacitação. 100% das internas do sistema prisional cearense estão em atividades de ressocialização.

• A atendimento de saúde de internos e internas tem uma realidade superior a quase todos os municípios e Estados nacionais. 100% da população privada de liberdade do Ceará possui atendimento médico e odontológico. São mais de 190 mil atendimentos médicos em 3 anos, 130 mil atendimentos psicológicos e 180 mil atendimentos odontológicos.

• Além disso, o setor jurídico da SAP realizou mais de 80 mil revisões processuais em 3 anos. Somada a construção de 70 novas salas de videoconferência, a aquisição de novos equipamentos e veículos e a garantia das escoltas judiciais sem cancelamento, percebeu-se uma redução concreta da população carcerária cearense de 30.000 para 22.300 mil pessoas privadas de liberdade. Essa diminuição, somada as vagas construídas nas unidades, deu uma melhor distribuição dos espaços ocupados por internos. No caso do sistema prisional feminino, por exemplo, as 3 unidades tem menos internas recolhidas do que vagas disponíveis nas celas. Um feito inédito e histórico.

• Importante destacar que humanizar é, principalmente, garantir a vida e segurança das pessoas tuteladas pelo Estado. Entre os anos de 2009 e 2018 foram 210 assassinatos de pessoas privadas de liberdade nos presídios cearenses. Desde 2019, quando a SAP foi criada pela atual gestão, foram 2 homicídios durante os ataques do início de 2019 e 1 ocorrido em 2021 que está sob investigação."

Atualizada às 9h34min